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NOS Primavera Sound 2019: a virtude da variedade

A oitava edição do NOS Primavera Sound parecia ter uma sombra de dúvidas e ceticismo à qual responder. Quando revelado, o cartaz do festival era facilmente encarado como uma seleção ainda mais minuciosa de nomes do seu festival irmão de Barcelona.  Sem esquecer a competição festivaleira nacional, argumento utilizável contra o Primavera Sound caso só se esperem nomes reconhecíveis e típicos headliners. No entanto, este ano ficou mais claro que nunca: o NPS não procura competir, procura antes celebrar a música.

O primeiro e derradeiro dia de afirmação

O dia de inauguração do NPS foi o mais frio dos restantes. Talvez pelo receio da chuva, a quantidade de pessoas foi visivelmente mais reduzida. Num esforço muito querido, os Men I Trust atuaram à luz de um sol tímido. Não houve muito diálogo, mas o sentimento esteve presente. O grupo canadense deu vida ao lo-fi suave que encaixou tão bem no palco Super Bock como era imaginável.

As atenções focaram-se posteriormente em Built to Spill, com a apresentação do seu álbum Keep It Like A Secret. Para os fãs da banda, o concerto terá sido eficiente, já para a restante audiência se calhar um pouco mais de garra performativa teria sido bem vinda.

No outro lado do recinto, Miya Folick serviu de aposta a apetites que não se preocupariam em perder Jarvis Cocker. Miya foi energética e acessível com o seu pop que quer apanhar todos de surpresa.

Danny Brown subiu ao palco NOS cinco minutos depois de Allen Halloween começar a atuar. É um conflito de horários questionável, dado a probabilidade de ambos os artistas partilharem audiência. Como tal, o extâse do público portugues não foi visto por Danny. Independentemente de tal, o seu set percorreu o mais relevante da sua discografia e a sua presença em palco não passou despercebida.

De seguida, uma de três escolhas teria de ser feita: Stereolab, Let’s Eat Grandma ou Tommy Cash. Jogando pelo seguro e considerando o que mais depressa não será repetido tão cedo, ver Stereolab assentou que nem uma luva. A setlist da banda enigmática não foi básica e proporcionou um momento de avant-pop delicioso que teria sido ainda melhor com um elemento visual que a sua música tanto merece.

O destaque da noite, e na verdade um dos destaques de todo o festival, foi sem dúvida SolangeWhen I Get Home foi apresentado com classe e um sorriso na cara numa performance digna de coroa. A disposição descontraída do álbum ganhou outra voz com o quão sofisticado foi o espetáculo. A repentina chuva que eventualmente apareceu por minutos afastou algumas pessoas do palco mas nem isso prejudicou um dos concertos que ficará na memória como um dos melhores deste ano.

O ecletismo do NOS Primavera Sound provou-se no segundo dia

Esquecida a chuva e renovadas as energias, o segundo dia do NPS esperou por nós com um flow de artistas a não perder aliciante.

Aldous Harding surpreendentemente não é pequena demais para o maior dos palcos. Cantando bonitas músicas com caras expressivas, o sol que ontem era desejado estava nesta instância concretizado. Estavamos perante um daqueles que concertos típicos deste festival, maravilhosos de serem vistos enquanto se está deitado na relva do Parque da Cidade.

O catálogo de sons do álbum de estreia de Nilüfer Yanya ocupou competentemente o palco Super Bock, servindo de aquecimento para a lírica honesta e frontal de Courtney Barnett. Courtney atuou no antigo palco Pitchfork em 2014, fazendo agora um salto com Tell Me How You Really Feel para uma multidão maior. A sua combinação de guitarra, palavras e atitude permanece vencedora.

Sons Of Kemet marcaram presença em formato XL, projetando a fusão de jazz com outros géneros a um outro patamar no palco Pull and Bear.

Com o jantar na barriga, o momento pelo qual a maioria esperava chegou quinze minutos depois das 22h. J Balvin deu vida ao festival e a um público improvável de pisar o recinto com uma festa imensamente colorida, aliada ao fenómeno atual que é o reggaeton. Deu a impressão que no meio de tanta dúvida, o NPS sabe precisamente aquilo que quer e está a fazer. Ver a considerável multidão de pessoas a aproximarem-se cada vez mais no palco com cara de diversão dá um aperto quente ao coração de qualquer fã de música.

Para muitos, não ter uma alternativa como Kali Uchis Interpol, dado o seu cancelamento, foi pouco feliz. Já no que diz respeito à banda nova-iorquina, brindaram o festival que visitaram pela última vez que estiveram em Portugal em 2015 com um set que ignorou em grande parte do novo material. Conjugando Antics com o adorado Turn on the Bright Lights, os Interpol jogaram pelo seguro com o seu swagger estóico que não deixa de valer a pena bater o pé e cantar.

aftermath catártico da festa de J Balvin teve o nome de James Blake. Conquistando parte da audiência que o desconhecia, fez do Parque da Cidade aquele que poderia bem ser o local em mente na sua canção Barefoot In The Park. Os temas de Assume Form foram desconstruídos e mergulhamos neles com todo o gosto.

Terminar a noite com Sophie não deu para dançar mais do que deu para concentrar o consciente às texturas que se propagavam pelo recinto do palco mais escondido (Pull and Bear). Satisfatório quanto baste.

O último dia contado pelas musas da música

E do nada surge o último dia do festival. Dos três dias, este foi o mais preenchido. Curiosamente, três atos liderados por uma voz feminina e com predominância da guitarra indie rock/folk estiveram em conflito de horário. Assistir a Big Thief em vez de Lucy Dacus Tomberlin não deixou margem para arrependimento.

Após a tresloucada atuação de Viagra Boys, com humor e bebida na mão, a musicalidade dos Big Thief derreteu corações mesmo quando estes eram irrequietos. Ignoraram os limites de alinhamentos típicos, tocaram músicas não lançadas e fizeram-no com intenção.

Do outro lado, o indie rock continuava a viver com Snail Mail, imune ao conflito de horário anteriormente referido. Num contexto preenchido por músicos e adultos, foi belo ver o espírito jovem da banda de Lindsay Jordan que recebeu espetadores maioritariamente de igual idade ao mesmo tempo que os Guided By Voices residiram no palco Seat com um longo set.

Tal como acontecera com J Balvin, Rosalía foi o nome pelo qual ansiavam ver. Coreografia, ritmo e a voz da estrela atual foram dignos da consideração de cabeça de cartaz, mais do que a Erykah Badu daria a crer mais tarde. Mais do que isto, a performance de Rosalía afigorou-se como o auge do festival já que tanto J Balvin como James Blake deram tease da sua presença. Uma linda trilogia festivaleira.

Ao mesmo tempo, Kate Tempest obteve gradualmente uma plateia maior no palco Seat, tarefa a não subestimar. Através da sua sua emoção em palavras e toda a nossa atenção nelas, Kate confirmou ser uma opção a quem não estava incomodado em ver Rosalía.

O Parque da Cidade recebeu de seguida a tempestade de som dos Low que encontraram o equilíbrio entre o som e o ruído, tão bem patente como está no fabuloso trabalho mais recente Double Negative. Caso os ouvidos não estivessem para aí virados, os Modeselektor prometeram dança no palco que Kate acabara de abandonar.

O palco NOS foi encerrado por Erykah Badu que apareceu após um atraso de trinta minutos difícil de compreender. Yves Tumor, tornou-se apetitoso para ouvidos com pouca paciência e assim foi mesmo o seu concerto: uma bomba de escuridão cheio de ritmo e interação com o público.

O espetáculo de Erykah tanto pode ser visto como um sucesso como uma memória que daqui a dias já se perdeu no subconsciente. Nada se pode apontar à qualidade da sua banda, mas em contexto de festival com um peso nos ombros que foi o seu atraso não é descabido sentir-se uma certa desilusão. As músicas pareciam não ter vida própria para aqueles que as não conheciam e as interações com o público nem sempre serviam de desculpa para a personalidade de Erykah que parece não se cansar de ouvir o seu próprio nome. Contudo, as intenções eram puras. Uma mensagem de amor e união ficou no ar na sua despedida.

Para concluir o festival temos o palco Bits e a espera até as quatro da manhã pela Nina Kraviz. A selva de techno que se instalou foi brilhante e estupendamente perfeita para terminar com a oitava edição do NPS. Chegar a casa com o céu já a antecipar o nascer do sol, com o espírito ainda a ruminar a memória que acabara de criar graças a Nina, é uma experiência de outro mundo.

Fotografia: Mariana Gomes (EspalhaFactos)

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