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NOS Primavera Sound: que grande freakshow

Com muito sol e temperaturas bastante agradáveis, o segundo dia do NOS Primavera Sound fez realmente jus ao nome. O verdejante Parque da Cidade encheu-se de público no relvado. 

O augúrio era bom e o início em português confirmou que os termómetros iam manter-se no sítio certo. Num palco, o psicadelismo de Solar Corona e no outro o stoner jazzístico de Black Bombaim abriram o longo dia de concertos no Porto. Ambos de Barcelos, certificaram-se de mostrar aos muitos estrangeiros presentes a qualidade da música que se faz em Portugal.

Amen Dunes chegou de fato de treino pelas 18 horas para mostrar Freedom, um dos discos mais interessantes da colheita deste ano. Contudo, foi incapaz de agarrar o público que se ia juntando. Falta qualquer coisa à doce voz de Damon McMahon que pareceu sempre muito deslocado do espaço e até do tempo. A nosso ver, não conseguiu replicar a inquietação e o caos que a sua discografia – e este disco particularmente – parecem apontar. Ao mesmo tempo, no palco principal, os Idles provocavam o caos nas primeiras filas. A banda emprestou um pouco de “pedal” a um festival onde alguns se queixam de «falta rock».

Coube às The Breeders, no palco principal, gerar o consenso num concerto pejado de nostalgia dos anos noventa. Last Splash, de 1993, possui os temas que mais se queriam ouvir mas All Nerve, que marcou o regresso das raparigas aos discos, não compromete em nada a sua história. Kim e Kelly Deal continuam a ter a melhor pinta e foi com piadas e descontração que apresentaram temas como Divine Hammer, Cannonball e até Gigantic, que foi um excelente docinho para a plateia. O tempo entrou em suspensão e este foi um dos mais belos pôr do sol a que assistiu o NOS Primavera Sound. Ao que parece também, Steve Albini, ou seja, Shellac, estava por ali a ver o concerto das mulheres que em tempos produziu. Ele próprio, que é presença assídua no festival, entraria em palco, ali ao lado, um pouco mais tarde.

No Palco Seat, onde há duas estratégicas e confortáveis bancadas, os Grizzly Bear encantavam com o seu indie rock meticulosamente pintado pela voz e mestria de Daniel Rossan, possivelmente o artista menos freak a pisar hoje os palcos. Se o sublime Painted Ruins esteve em destaque – Losing All Sense e Cut-Out logo a abrir – foram temas como Sleeping Ute e Two Weeks, tocadas de enfiada, que quase nos fizeram ir às lágrimas.

Depois de repostas as energias com o jantar (as filas da Conga e do Guedes são enormes, bem sabemos, mas ficam este ano mais próximas de um palco, permitindo ver concertos), chegou a hora de receber Superorganism. A pop ingénua deste “miúdos da net” pareceu conseguir rivalizar o hip hop de Vince Staples que, no palco principal, ofereceu um espetáculo visual incrível mas, pelo menos por aqui, não conseguiu deslumbrar.

Superorganism

Thundercat mostrava entretanto a razão pelo qual tem desde The Golden Age Of Apocalypse (2011) as atenções voltadas para si. O currículo de participações com Suicidal Tendences, Kendrick Lamar e Flying Lotus seria desde logo um chamariz mas é o virtuosismo técnico do multifacetado músico, saído de outro planeta, que mais prende a enchente de público no Palco Pitchfork. O concerto foi dedicado por Thundercat a Anthony Bourdain, falecido ontem.

Thundercat

Entretanto eram horas de chegar a um dos concertos mais esperados do certame: Fever Ray. Desde cedo que os projetos musicais de Karin Dreijer têm cativado o público português (com The Knife e com a não confirmada participação em Goat). A expetativa do seu regresso, com o  aclamado Plunge, gerou muita excitação nas filas da frente. Seis mulheres em palco representando a força do feminino, debatendo através da música e da performance determinados status sociais e sexuais. Foram coristas, bailarinas, fetichistas, artistas de primeira linha com vozes com tanto de doce como de reivindativo e linhas de percussão arrebatadoras e teclados frenéticos a causarem furor. Um concerto/espetáculo/freakshow para rememoriar muitas e muitas vezes e pensar o lugar e o papel da mulher no mundo.

Já no palco principal a cantiga era outra e uma longa passadeira dava passagem a A$AP Rocky para se misturar no meio dos muitos e dedicados fãs que desde cedo o têm acompanhado. Com o recente disco acabado de lançar, Testing, fez trinta por uma linha com uma assistência que o carregou literalmente em braços. É um dos maiores rappers do momento e serve de mão beijada todos os clichés na vestimenta e ouro que carrega, nas explosões de fogo e de video-projeção mas é na t-shirt de Deff Leppard que enverga e nos pedidos de mosh na frente de palco que lhe captamos uma certa vontade de piscar olhos a outros géneros. Talento parece não lhe faltar, a ver se o canaliza.

No palco Pitchfork, Unknown Mortal Orchestra trouxeram Sex & Food. O concerto teve como pontos altos a densa e sanguinária American Guilty e as quase clássicas Multi-Love e Can’t Keep Checking My Phone, que continuam a ser duas boas pérolas pop.

Hoje as previsões meteorológicas não são as mais favoráveis. Ainda assim, há Kelela, Nick Cave And The Bad Seeds, Mogwai, entre outros.

Fotografias de Ana Fonseca e Mariana Gomes