A poucos dias de começar uma nova edição do IndieLisboa 2018, festival internacional de cinema independente de Lisboa, o Espalha-Factos dá-te a conhecer os filmes que não podes perder. O festival decorre de 26 de abril a 6 de maio e marca este ano a sua 15ª edição.
Competição Internacional
Les Garçons Sauvages (França)
Les garçons sauvages é a primeira longa metragem de Bertrand Mandico, um filme que combina a fantasia, o erótico, o filme de piratas e o body horror para construir uma parábola sobre a identidade de género. Uma estonteante alucinação de cores e texturas que venceu o Grande Prémio da Semana da Crítica no festival de Veneza. Um filme que põe o Q em Queer.

3/4 (Bulgária e Alemanha)
É verão e Mila estuda fervorosamente piano para uma audição que se aproxima. Niki, o seu irmão, ocupa os dias a chateá-la. Todor, o pai, é um astrofísico com pouco jeito para gerir situações domésticas.3/4, como o título explica, remete para uma ausência, para a parte que está em falta na unidade: a mãe. A segunda obra do realizador búlgaro Ilian Metev é um elegante retrato de uma família que procura o ponto de equilíbrio, depois de um tropeção. Um filme que representa a ausência através dos gestos do quotidiano.

An Elefant Sitting Still (China)
An Elephant Sitting Still, realizado por Hu Bo, que se suicidou no passado mês de Outubro, é uma épica viagem pela trama urbana e sentimental da cidade de Manzhouli, no norte da China. Filmado em deslumbrantes planos-sequência, este é o retrato de um dia desesperante onde uma série de personagens, em fuga permanente, se entrecruzam e atropelam a caminho de uma saída que talvez não exista.

Person to Person (Estados Unidos)
A partir de uma curta metragem do mesmo nome, Dustin Guy Defa compõe um retrato coral da vida em Nova Iorque. São mais de quarenta personagens: de um coleccionador de vinis a um relojoeiro, de uma blogger de moda a dois jornalistas de mexericos, da revenge porn ao homicídio. E apesar das inúmeras dificuldades há ainda espaço para a compaixão. Com a participação de Michael Cera, Philip Baker Hall e Abbi Jacobson e dos realizadores David Zellner e Benny Safdie, Person to Person é um filme tomado pelo espírito de John Cassavetes, onde a crueza deu lugar à doçura

The Image You Missed (Irlanda, Estados Unidos e França)
Arthur MacCaig foi um realizador de cinema de guerrilha que documentou o conflito armado na Irlanda do Norte durante décadas. Grande parte do seu arquivo raramente foi exibido. MacCaig também foi pai de Donal Foreman, o realizador deste The Image You Missed. Um pai ausente porque engajado. Neste documentário ensaístico, parte de uma série produzida por Nicole Brenez e Philippe Grandrieux dedicada a realizadores políticos, as imagens de um passado ainda quente transformam-se em filmes caseiros de uma relação complicada. Um filme que põe, finalmente, pai e filho a conversar e a “co-realizar”.

El día que resístia (Argentina e França)
Num casarão vivem três crianças completamente sozinhas e em total liberdade. As regras do reino são ditadas pela irmã mais velha, de apenas oito anos. Os dias passam-se jogando à apanhada, comendo caramelos e ouvindo contos para adormecer. A argentina Alessia Chiesa filma uma espécie de Hansel e Gretel em que a bruxa foi dar uma volta porque já não aguentava o chinfrim dos miúdos. E na ausência dos adultos as nódoas na roupa e os pratos sujos foram-se acumulando. Em El día que resistía a fantasia é perturbada por um desassossego documental, e nem tudo são histórias de encantar.

Competição Nacional
Drvo/ A Árvore (Portugal e Bósnia Herzegovina)
A estreia de André Gil Mata na longa metragem de ficção dá-se com A Árvore. Rodado integralmente na Bósnia, durante os rigorosos meses de Janeiro e Fevereiro, este é um filme onde o frio nos penetra em extraordinários planos-sequência, filmados em película de 16mm. Um homem e uma criança encontram-se debaixo de uma árvore à beira de um rio, compartilhando a mesma memória e um segredo. Encontram no outro a serenidade, o silêncio e o tempo que perderam na corrente.

Our Madness (Portugal, Moçambique, Guiné-Bissau, Qatar e França)
Our Madness inicia-se num manicómio, de modo a que nos instalemos no cinema de João Viana, tão onírico quanto mitológico. O realizador acompanha Ernania na sua deriva espectral por Moçambique, à procura do seu marido e filho. Um estúdio de música, uma cama alada e musical, um cinema cujos espectadores são cabras: tudo isto num filme que constrói uma penetrante alegoria sobre a história africana onde a doença mental é símbolo da escravatura, da guerra civil ou de um regime-fantoche.

Tempo Comum (Portugal e França)
Num apartamento em Lisboa, Marta dedica-se aos cuidados maternos da sua primeira filha acabada de nascer, ao mesmo tempo que convalesce do parto. A casa acolhe múltiplas visitas: amigos e familiares que vêm receber o novo rebento e pôr a conversa em dia. Tempo Comum de Susana Nobre continua o seu cinema onde a ficção se mescla com a realidade, retratando intimamente um momento marcante na vida de uma mulher. E depois, as rotinas instalam-se, como um barómetro que descreve uma nova estabilidade.

Competição Silvestre
O Processo (Brasil, Holanda e Alemanha)
Um thriller onde o que interessa não é tanto o desfecho (a destituição da presidente Dilma Rousseff), mas sim compreender de que forma se deu o dito “Golpe”. A realizadora Maria Augusta Ramos acompanhou a equipa de defesa da ex-presidente durante meses e o resultado é um documentário que coloca a nu os meandros da judicialização da política. Um olhar observacional que revela as traições e os interesses nos bastidores do Senado e do Congresso, ao som dos gritos de protesto vindos do exterior. O cinema político brasileiro nunca foi tão urgente.

Playing Men (Eslovénia e Croácia)
Quando a nossa sociedade começa a colocar um ponto final nos modos da masculinidade tóxica, o realizador esloveno Matjaž Ivanišin questiona-se, em Playing Men, sobre o que é isso de ser homem. O centro da sua investigação, os jogos como espaço de encenação de uma identidade. Da luta-livre ao jogo da sardinha, esta é uma investigação que parte de memórias pessoais para decompor todas as fachadas esculpidas a testosterona que andam por aí. E nenhuma pedra fica por virar: todos os gestos são postos em causa. E de uma crise criativa surge um canto de cisne ao que nos une enquanto humanos.

La liberté (França)
Numa ilha da Córsega cerca de 130 homens estão presos, naquela que é a única “prisão aberta” de França. Um centro de detenção que acolhe maioritariamente condenados por pedofilia que se aproximam do final da pena. O realizador Guillaume Massart invade este estranho território de câmara em riste e, surpreendentemente, conhece vários homens que estão disponíveis para conversar. Com eles dará longos passeios entre as árvores e à beira mar. Abre-se espaço às palavras, num gesto que não procura a redenção, antes algo bem mais simples: o outro.

Train de vies ou les voyages d’Angelique (França)
Filmado integralmente sobre carris, Train de vies cruza uma série de personagens que, aos pares (lado a lado ou frente a frente), confessam os seus desejos mais íntimos e as suas memórias mais secretas. Um filme terno e delicado sobre a possibilidade de um encontro. Uma estreia mundial no IndieLisboa.

Boca do Inferno
Caniba (França)
A dupla Lucien Castaing-Taylor e Véréna Paravel oferece-nos um íntimo retrato do conhecido canibal Issei Sagawa. Em 1981, Issei matou e comeu uma colega de turma da Sorbonne. Foi condenado, dado como incapaz e repatriado para o Japão. Lá, devido à sua mediatização, começou a rentabilizar a sua persona escrevendo romances sobre o caso, fazendo cameos em inúmeros sexploitations e até virando crítico gastronómico. Um filme que investiga as origens dos desejos canibalísticos.

Bara no sōretsu/Funeral Parade of Roses (Japão)
Funeral Parade of Roses é uma obra-prima da nova vaga japonesa que agora o IndieLisboa exibe, num restauro em 4k, homenageando o genial Toshio Matsumoto, falecido o ano passado. Um mergulho de cabeça no mundo nocturno das drag queens de Tóquio dos anos 60, onde a droga, o álcool e o sexo se consumiam sem moderação. Uma torrente de géneros e temporalidades (naquela que era a primeira longa do realizador) que mistura a ficção, o documentário e a animação. Filme marcante do cinema queer, onde o próprio Stanley Kubrick admitiu vir beber inspiração para A Cloclwork Orange.

La nuit a dévoré le monde/The night eats the world (França)
Sam bebeu demais e adormeceu, no quarto dos fundos, enquanto os amigos continuaram a festejar como se não houvesse amanhã. E de facto não houve. Quando acorda, Sam depara-se com uma Paris totalmente devastada, da qual restam apenas destroços perdidos e criaturas mortas-vivas prontas a fazê-lo em picadinho. La nuit a dévoré le monde inspira-se no romance de culto de Richard Matheson, I Am Legend, transformado numa espécie de Cast Away com zombies onde Wilson, a famosa bola de volley, é aqui interpretada pelo sempre incrível Denis Lavant. Um filme de terror reflexivo sobre a solidão e a perseverança.
