Há exatamente sete anos, a frase “Winter is Coming” abriu portas a uma das produções televisivas mais marcantes dos últimos tempos. O lema da família Stark deu nome ao 1º episódio de A Guerra dos Tronos, que, a 17 de abril de 2011, chegou ao HBO sob a direção de Tim Van Patten.
De 2011 a 2018, o sucesso (progressivo) garantiu-lhe um lugar de alto destaque no universo da indústria televisiva. A série norte-americana ocupa o pedestal onde a colocámos graças a um conjunto bem arquitetado de elementos imprescindíveis à receita do sucesso. Os ingredientes chave? Um enredo complexo e fascinante; a aposta nos cenários e caracterização de personagens; um elenco à altura da interpretação exigida pelo trama e milhões de dólares investidos numa produção de topo.
Facilmente equiparada à febre de Harry Potter ou Senhor dos Anéis, A Guerra dos Tronos é indubitavelmente uma das produções mais influentes do momento. Para comemorar o aniversário da estreia, o Espalha-Factos realça 7 motivos pelos quais falamos de uma série que revolucionou o mundo em que vivemos.
1. O impacto económico e turístico
Seria de esperar que os estrondosos recordes de audiência de A Guerra dos Tronos se refletissem num elevado número de receitas. Considerada uma das produções mais caras do canal HBO, estima-se que o custo médio por cada episódio da última temporada rondou os 15 milhões de dólares. Segundo o grupo digital Dot, o lucro operacional por temporada é de 1,68 mil milhões de dólares.
Os números não mentem e, neste caso, não precisaríamos de nenhum Mestre da Moeda para perceber o que refletem. Sendo a HBO o epicentro, a magnitude do investimento em torno da série replica-se em inúmeros outros mercados, incluindo o audiovisual e gráfico; o de vestuário; videojogos; tecnologias associadas e, em grande medida, o turístico.
Afinal, King’s Landing nunca deixou de ser uma antiga cidade portuária da Croácia, repleta de sol, cor e motivos medievais. Considerado um dos destinos turísticos mais concorridos do Mar Adriático, Dubrovnik beneficiou de um crescimento anual de 10% no sector do turismo graças à série de David Benioff e Daniel B. Weiss.
Também a Irlanda do Norte recebe visitas anuais dos fãs mais curiosos, interessados em conhecer “a versão real” de inúmeros pontos de referência da série. Certas partes do percurso de Kingsroad; The Iron Islands, governadas pela Casa Greyjoy de Pyke; a cidade fictícia de Vaes Dothrak e o emblemático The Vale of Arryn são alguns dos cenários que ganham vida graças às paisagens irlandesas.
Segundo a produtora Northern Ireland Screen, que contribui para o financiamento da produção, a série trouxe quase 150 milhões de libras para a economia local, desde o início da sua realização em 2010. “Há dois anos [2014], apenas três operadores promoviam as [excursões] ‘Game of Thrones Experiences’. Agora temos mais de 25 operadores. Estas empresas também relatam que os negócios duplicam ano após ano, o que é tremendo. As pessoas vêm por ‘Guerra dos Tronos’ e ficam pela Irlanda do Norte!”, afirma Judith Webb (Diretora de Desenvolvimento de Experiências da NI Screen), em entrevista ao BBC News.
2. Novos horizontes para o marketing
O mundo da publicidade também se rendeu à tendência de A Guerra dos Tronos. A estratégia de marketing da maioria das propagandas publicitárias acaba por realçar o fator cómico do universo de Westeros, que prova ser uma boa referência a ser satirizada.
A participação de Kristian Nairn num anúncio do KFC em julho do ano passado é um dos exemplos preferidos do público. Simbolicamente, o ator voltou a vestir o papel de Hodor, numa recriação da cena “Hold the door” pronta a provocar o riso.
De um prisma mais ético (e polémico), um anúncio da Sodastream junta as personagens Septa Unella (Hannah Waddingham) e Ser Gregor Clegane (Thor Bjornsson), que se insurgem contra “o uso epidémico do plástico” no planeta. A “condenação” de um consumidor de garrafas de água pela sua compra remete-nos para a Walk of Shame de Cersei: uma das cenas mais marcantes da temporada 5, protagonizada pela atriz Lena Headey.
3. A invasão ao digital: referências e inside jokes
As referências à serie da HBO não ficam pelo marketing televisivo. Desde a sua estreia em 2011, o fenómeno rapidamente invadiu as plataformas digitais, repletas de conteúdo mediático relacionado com a crónica televisiva.
Dos famosos memes a rebuscadas teorias de fãs no Facebook; da fan art no Pinterest aos GIFs noTumblr, é no Twitter que a cobertura de cada episódio acarreta maior destaque. A cereja no topo do bolo? As célebres hashtags, que ocupam o topo dos trends quando falamos de A Guerra dos Tronos: tal é o caso de #RoastJoffrey; #YouKnowNothingJonSnow; #CatchDrogon; #TakeTheThrone ou #PrepareForWinter.
Também o YouTube sustenta um vasto arquivo de vídeos-resumo de episódios; análises e reações dos fãs; rúbricas “Por Detrás das Câmeras” e campanhas com a participação de variados nomes da indústria musical e cinematográfica.
Entre o vasto número de exemplos, destacamos “Guerra dos Tronos: O Musical” (2015). Produzido pela banda Coldplay, o sketch de 12 minutos junta os músicos britânicos aos atores do elenco na promoção do projeto de caridade Red Nose Day.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=zs7xO5P3Az4]
4. A Guerra dos Tronos no mundo académico
Em “Crónicas de Gelo e Fogo”, George R. R. Martin escreveu algumas palavras e pequenas frases em Dothraki e Alto Valiriano. Mas o verdadeiro génio da linguística por detrás do desenvolvimento das duas línguas foi David J. Peterson.
Peterson acabou por desenvolver de tal forma os dois idiomas, que decidiu coordenar um curso em Berkeley (Universidade da Califórnia) sobre a criação de línguas artificiais, intitulado “A Linguística de Guerra dos Tronos e a Arte da Invenção de Línguas ”.
O linguista norte-americano oferece ainda aulas através da Living Language e Duolingo, para qualquer curioso disposto a aventurar-se no Alto valiriano ou Dothraki.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=voitxBPRrBY]
O impacto da produção da HBO na vida académica vai para além da linguística. Desde a sua estreia, os auditórios das faculdades encheram-se de alunos interessados no estudo da Idade Média.
Várias instituições de prestígio como a Harvard University, Boston College, UC Berkeley e Virginia Tech viram o fenómeno da crónica televisiva como ferramenta de recrutamento. Ao alterarem os planos de trabalho dos cursos que oferecem, passaram a complementá-los com o universo medieval retratado pela série.
Na Universidade de Harvard, foi implementado o programa “A verdadeira Guerra dos Tronos: De mitos modernos a modelos medievais”. Racha Kirakosian, uma das suas professoras assistentes, comentou em entrevista à Time: “Quando leio épicos de versos medievais com os meus alunos, dizem: ‘Ah, isso é como em A Guerra dos Tronos!”. E acrescenta: “Não fará parte do nosso trabalho [enquanto professores] usar esse interesse e ir ao fundo da questão?”.
5. A série que inverteu as expectativas da audiência
Num equilíbrio perfeito entre o recuperar da época medieval e um toque de fantasia, viajamos pelo vasto universo de Westeros e Essos envolvidos no mítico e no histórico. Um enredo repleto de acontecimentos cruciais pertencentes ao passado gera uma história intrigante e desafiante, por vez difícil de acompanhar.
É esta singularidade da produção que nos prende ao ecrã, que nos leva a esboçar árvores genealógicas das famílias que retrata e que nos recebe nesse mundo fictício, no qual procuramos explorar os seus reinos, emblemas, nomes, lendas e costumes.
A Guerra dos Tronos reescreveu as regras de tudo o que se pode esperar de uma série de televisão, capaz de converter convenções impostas pelos conteúdos televisivos que sempre chegaram ao público.
A adaptação das crónicas literárias A Song of Ice and Fire revolucionou a conceção antiga de série, originando uma vaga de produções televisivas sobre fantasia e dramas medievais. Maureen Ryan, redatora de crítica televisiva do Variety, reflete sobre esta influência a longo-prazo: “As pessoas vão roubar e tirar pedaços emprestados durante anos e anos. Acho que será difícil criar um espetáculo tão amplamente visto e falado como este, mas isso não impedirá ninguém de tentar”.
6. Mudança de perspetivas: entre o moral e o imoral
O enredo da série está orquestrado de forma a conhecermos os dramas e conflitos interiores de cada personagem. Relacionamo-nos com a especificidade de cada uma, o que contribui para que A Guerra dos Tronos não se afaste, de todo, dos debates éticos predominantes no mundo atual.
São personagens como Arya Stark ou Cersei Lannister que nos fazem questionar sobre a conceção que temos do bem e do mal, entre a linha ténue que separa o moral do imoral.
Nas redes sociais e outras plataformas, é comum os fãs discutirem a ambivalência de valores como a honra, justiça e fidelidade. Num debate criado no Quora, vários utilizadores da plataforma digital admitem que a série norte-americana alterou a sua maneira de pensar e ver a vida:
“Algo que a série também enfatiza é que nem tudo é o que parece. Já não vejo o mundo entre o ‘preto’ e o ‘branco’; ‘certo’ ou ‘errado’. Estou certo de que [GoT] mudou muita coisa em mim e na maneira como penso”.
Outro fã reflete sobre este perigo da perspetiva: “Se há algo que GoT nos ensina é que não existe o lado bom ou o lado mau. Não há nada para além da pura maldade ou da pura bondade. Ninguém é o vilão nesta história: no início poderíamos pensar serem os Lanninster, mas todas as ações do clã de Casterly Rock tiveram os seus motivos”.
Também a autoridade conferida pelo poder se torna questionável neste contexto. Há quem vá mais longe no debate político e defenda que a série nos apresenta um universo paralelo, repleto de semelhanças com o nosso.
E, de facto, muitas das peças do puzzle encaixam. Falamos de um enredo que retrata uma “cegueira coletiva” face a acontecimentos de extrema relevância; governos alvos de conspiração; prepotência da religião; a existência de uma muralha que restrinja a entrada de povos diferentes nos Sete Reinos; e políticos astutos sedentos de poder – tal é o caso de Petyer Baelish (Aidan Gillen), uma das mais personagens mais controversas do trama.
7. A face emotiva
Depois de assistir a sete temporadas, é quase inevitável sentirmos afeto pelas personagens que sempre acompanharam o desenrolar do enredo. Não só porque se acompanha o crescimento e mudanças de vários elementos do elenco ao longo de 7 anos, mas porque muitas vezes os fãs sentem que fazem parte dessa evolução: “Acho que, no geral, a série fez-me despedir da minha inocência. Não por toda a nudez que envolve, (…) mas por me consciencializar do que as pessoas são capazes e quais são as realidades ásperas da vida”, comenta um utilizador do Quora.
Para além disso, a afeição imediata que desenvolvemos por certas personagens acaba por ser abalada quando as vemos perder a vida no trama. No mesmo debate da plataforma digital, um fã da crónica televisiva reflete sobre o seu impacto emocional, sempre que o enredo sofre uma reviravolta estrondosa:
“Não viveste nada até teres pousado os livros várias vezes, completamente destroçado… E, de alguma maneira, sentires o mesmo quando vês a adaptação no ecrã, mesmo que já estivesses à espera”.
Entre tantas formas de revolucionar o mundo em que vivemos, A Guerra dos Tronos não podia deixar de fazer tremer as estatísticas dos registos civis. Em 2013, o Instituto Nacional de Estatísticas Britânico revelou que a Rainha dos Dragões inspirou o nome de 241 bebés, registados com o nome Khaleesi (“mulher do khal”, em Dothraki). O mesmo aconteceu com o aumento de registos do nome Arya e Tryion – outras duas personagens acarinhadas pela (maioria da) audiência.
O que se segue?
A um ano da estreia da 8ª temporada da série televisiva – e a última que veremos estrear – todos os olhos estão postos nas crónicas literárias que a inspiraram. Vários leitores especulam que George R.R. Martin esteja em Nova Iorque com o seu editor, por já ter terminado a escrita de “The Winds of Winter”. O lançamento deste sexto capítulo fora prometido pelo escritor em 2016, o que não sucedeu. Ao que tudo indica, restam dois livros para que Martin finalize a série literária: “The Winds of Winter” e “A Dream of Spring”.