O Espalha-Factos esteve presente na segunda edição do MIL, realizada no fim-de-semana de 4, 5 e 6 de abril. Assim, o MIL traz de volta música portuguesa e internacional aos mais emblemáticos bares do Cais do Sodré, em Lisboa. Muitos nomes subiram aos palcos do Lounge, Espumantaria do Cais, Europa, B.leza, Tokyo, Sabotage, Rive Rouge, Viking e Musicbox.
O MIL abre as suas portas à música no dia 4 de abril, com um concerto de abertura particular. Os Boogarins apresentaram o trabalho que tinham realizado na semana anterior. A premissa era que toda a música produzida era gravada apenas com um iPhone. O resultado foram cinco dias e cinco músicas: dois open calls com público aberto (mas previamente inscrito), instrumentistas ou não, e três bandas convidadas: Paus, Capitão Fausto e The Legendary Tigerman.
Concerto de Abertura (4 de abril)
O espetáculo começa com a exibição de cinco vídeos filmados no decorrer dos cinco dias de residência artística em Lisboa, correspondentes às músicas criadas durante esse tempo. O público foi assim apresentado ao ambiente vivido no estúdio durante os cinco dias. Conheceu um pouco do processo de criação usado, tanto com as outras bandas, como com os participantes da open call.
De seguida, iniciou-se o concerto, em que os Boogarins se apresentaram ao público português com ternura e saudade. Para além de algum do seu repertório habitual, conseguimos ouvir, tocadas ao vivo, as músicas feitas em conjunto com os artistas portugueses. De destacar a música com os Paus, que surpreendeu pela positiva. Com um toque influente, e transparente, do tipo de som a que Hélio Morais, Fábio Jevelim, Joaquim Albergaria e Makoto Yagyu sempre nos habituaram, a fusão das duas bandas foi sublime e surpreendente.
Os Boogarins têm o condão de criar como que um mundo paralelo e envolvente para o seu público, marcado apenas por uma vibe simpática e genuína. A banda foi assim os anfitriã de uma abertura calorosa e também desconcertante, mas apenas por ser o único concerto da noite.
Dia 5 de abril
O dia começa cedo para o público do MIL, com concertos a iniciar-se às 18h30. Apenas às 20h se nota a presença dos espectadores em força, ao esperar na fila que se formou pelos Boogarins à porta do Musicbox longos minutos antes da hora de início do espetáculo.
Não dá para ver Boogarins, vamos para o Sabotage ver Candeleros, uma banda de cumbia e folclore afro-caribenho, a que valeu a pena assistir. A banda apresentou-se afável e pôs a mexer todas as pessoas no bar. Sem dúvida alguma, fez esquecer das suas razões quem lá estava apenas porque não conseguiu entrar em Boogarins, e não desiludiu quem foi a saber para o que vinha. Foi um dos concertos mais arrebatadores do festival, pela música e pela surpresa. Mostra, acima de tudo, que o MIL não se faz só de música cantada em português e que o seu ponto diferenciador é, exatamente, trazer a bares lisboetas sonoridades diferentes, de vários pontos do mundo, mantendo a sua coerência e coesão.
De destacar, um pouco mais tarde, está o concerto de Nerve, no Viking. O rapper e produtor Tiago Gonçalves apresentou algum trabalho do seu mais recente EP, Auto-sabotagem, que não tinha sido ainda lançado no dia do concerto. O público, fiel, ouviu e pareceu aprovar as novas músicas, repletas duma crítica interventiva de autorreflexão, a que o artista sempre nos habituou. Ouviram-se também algumas das mais conhecidas músicas do álbum Trabalho & Conhaque ou A vida não presta e ninguém merece a tua confiança e temas mais antigos. Nerve pediu várias vezes às pessoas que o assistiam que se “pusessem à vontade”, desafiando os espectadores a soltarem-se durante o concerto e metendo toda a gente a cantarolar que “o diabo mora ali na porta em frente à porta em frente à minha” (do single já lançado do seu novo EP).
O segundo dia do MIL é marcado ainda pelo concerto de Chinaskee & Os Camponeses, a promissora banda lisboeta que sujou a pista do Rive Rouge de rock. Criaram uma atmosfera particular, emersa num som sujo, mas sempre agradável, tocando as suas músicas da maneira crua que faz os concertos memoráveis.
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Com variadíssimas opções, as after-hours acabam por nos levar de volta ao Sabotage onde a Lovers & Lollypops nos apresentou a sua showcase, com a assinatura adicional de Dino dos Boogarins. O músico ia entretendo, de vez em quando, o público ao microfone, com a boa disposição que lhe é inerente.
Dia 6 de abril
Do último dia de MIL é de destacar a atuação de Júlio Resende, pianista e compositor português. Por entre fados e improvisações, o músico transferiu os seus espectadores para um ambiente etéreo, que tomou a forma delicada que nem sempre se consegue imaginar a pisar um palco no Rive Rouge.
Mais tarde, deparamo-nos com Luís Severo (no Rive Rouge) que, acompanhado ora do piano, ora da guitarra, interpreta temas bem conhecidos do público. O concerto acaba com os temas Santo António, do seu primeiro álbum, e Amor e Verdade, do seu mais recente trabalho, ecoados pelos cantos conjuntos do piano, de Luís Severo, e de todas as pessoas que ao seu concerto assistiam.
A destacar como ponto alto da noite e talvez, para quem se arrisque a dizê-lo, de toda a edição do festival, está Bruno Pernadas. O músico apresenta uma sonoridade contagiante, cheia das parcelas dos membros da banda que o acompanha, todas elas fulcrais e indispensáveis, que só juntas daquela maneira formam um som especificamente coeso e completo. Revelaram-se, para além de óbvios músicos profissionais, verdadeiros performers que, mantendo sempre a especial fidelidade a sis mesmos, enchem os corações dum público eclético e variado. Foi o concerto do festival em que o à-vontade dos espectadores culminou no seu clímax: Ahhhhh foi o momento mais quente do MIL. Todos dançaram, da maneira mais solta que o festival recebeu.
No final, o público teve direito a vénia e a banda a uma ovação que, não fosse o público já se encontrar de pé e a dançar durante o concerto, teria levantado todas as pessoas presentes.
Para a despedida da edição de 2018 do MIL, fomos ao Rive Rouge ouvir Switchdance, DJ residente no Lux Frágil. Do Jardim de D.Luís, viajámos até aos arredores de Santa Apolónia, quando nem a presença habitual do Lux, João Botelho, faltou às after-hours do Rive Rouge. Como convidado especial para co-anfitriar a festa, juntou-se Moullinex, outro bem conhecido produtor português. Juntos, Switchdance e Moullinex acompanharam a madrugada dos resistentes do MIL, que se despediu tão repentinamente como começou.
No geral, o MIL fica marcado como um festival algo estranho, como demais já tínhamos visto na edição anterior. O facto de ser espalhado em bares do Cais do Sodré fá-lo simultaneamente perder e ganhar identidade. Perde identidade porque se perde com ele a sensação de unidade inerente à estadia vários dias num festival de recinto fechado, de onde só se sai para dormir e pouco mais. Por outro lado e pela mesma razão, o festival ganha identidade por ser formado por um ecletismo único, que vai desde o tipo de música que pode ser ouvida durante o mesmo, até ao próprio público que o compõe. É caso para dizer, “primeiro estranha-se depois entranha-se”.