No ano de 1955, um projeto ambicioso uniu um grupo de fotógrafos alemães, na cidade de Amsterdão. Partilhavam o desejo comum de lançar o trabalho então “guardado em prateleiras” a uma audiência mundial, culminando na criação do World Press Photo Contest.
A criação de um simples concurso levou à constituição de uma organização não-governamental sem fins lucrativos, atualmente conhecida por realizar a maior e mais prestigiada distinção anual de fotojornalismo do mundo.
A cerimónia de entrega de prémios da 61ª edição do concurso internacional realizou-se na passada quinta-feira (12), pela primeira vez na mesma cidade onde, há 60 anos, se esboçava o projeto. “Crise na Venezuela”, da autoria de Ronaldo Schemidt, é a fotografia vencedora deste ano, conquistando também o primeiro prémio na categoria ‘Spot News Single’.
Este ano, a seleção fez-se a partir de um amplo conjunto de 73.044 imagens, tiradas por 4.548 fotógrafos de 125 países. Para além do processo de nomeação das fotografias, 6 projetos foram também premiados dentro de cada uma das 8 categorias do concurso.
A exposição internacional dos trabalhos distinguidos passa por Portugal de 27 de abril até 20 de maio no Hub Criativo do Beato, graças a uma parceria da VISÃO com a Galp e a Câmara Municipal de Lisboa. Enquanto a data não chega, o Espalha-Factos dá-te a conhecer as cinco fotos nomeadas deste ano, que concorreram com “Crise na Venezuela” ao lugar mais alto do pódio.
A grande vencedora
A 3 de maio de 2017, a cidade de Caracas voltou a ser palco de uma concentração protestante contra o governo de Nicolas Maduro, que acabara de anunciar a convocação de uma nova Assembleia Constituinte. Face à despótica decisão do presidente, os líderes e simpatizantes da oposição saíram às ruas da capital venezuelana: preconizavam “o fim da democracia” no seu país e exigiam eleições presidenciais antecipadas.
Sob uma chuva de armas químicas incendiárias e explosões, Ronaldo Schemidt capta em fotografia o corpo de José Victor Salazar Balza em chamas, na sequência de violentos confrontos entre manifestantes e forças policiais.
Diretamente da câmara de Schemidt, chega-nos o retrato de um estudante de 28 anos que prefigura uma verdadeira “tocha humana”, cujo resultado final lhe valeu o lugar vencedor do World Press Photo de 2018.
Cerca de um ano depois do auge de protestos que testemunhou no seu país, Schemidt – fotojornalista venezuelano da agência de notícias France-Presse – chega às bocas do mundo ao receber a prestigiada distinção.
Para lá de um concurso de fotografia
Desde a criação do World Press Photo até aos dias de hoje, são de notar as alterações na panorâmica fotográfica trazidas pelo progresso de seis décadas. A arte de fotografar passou a estar enraizada em inúmeras outras áreas, vendo crescer à sua volta técnicas inovadoras do captar imagem.
A World Press Photo acompanhou todos os passos do desenvolvimento, ao expandir e moldar a experiência de fotojornalistas, storytellers e audiências à escala internacional.
As fotografias selecionadas pelo painel de júris do concurso internacional despoletam um certo efeito emotivo e metafórico, aos olhos de quem as observa. Mas para além das (previsíveis) emoções que evocam, devem ser vistas como mecanismos de denúncia das vicissitudes que assolam o nosso planeta e retratos realistas daquilo que somos enquanto seus habitantes.
“Crise na Venezuela” é um claro exemplo disso. A grande vencedora do World Press Photo deste ano é mais do que “…uma fotografia clássica, (…) [de uma] energia e dinâmica instantâneas” (segundo as palavras de Maddalena Herrera , presidente do júri do concurso).
E Schemidt – o primeiro a observá-la antes de qualquer um de nós – confirma-o: “Esta fotografia representa a terrível situação de um país, o meu, em desgraça: refém de uma espiral de violência política e social”.
Entre o polémico e o contestável, a World Press Photo não deixa de valorizar o trabalho de quem se dedica à fotografia enquanto elemento difusor de ideais. Todos os anos, são divulgados os trabalhos de fotógrafos dispostos a retratar um mundo despido de efeitos e máscaras, contribuindo para a memória coletiva que todos partilhamos e que todos devemos preservar.