Que o Dia Mundial da Poesia chega no dia 21 de março já sabemos. Porém, as comemorações já se iniciaram e, para marcar este mês cheio de poesia, o Espalha-Factos tem partilhado contigo alguns poetas portugueses, numa mostra variada, que continuará a ocupar os próximos dias.
Com a importância desta efeméride para a cultura literária portuguesa, a homenagem aos nossos grandes poetas não podia ficar por aqui. Esta é a segunda rubrica dedicada à poesia, na qual todos os redatores da secção vão participar. As nossas editoras não são exceção e, por isso, contam-te agora quais os seus poemas preferidos de sempre.
Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer.
[…]
Eles não sabem nem sonham
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
António Gedeão, in Movimento Perpétuo (1956)
Juntamente com Lágrima de Preta, este é um dos poemas mais célebres de António Gedeão. Gosto de ambos e, por isso, a escolha foi difícil. Um pela sua mensagem em jeito de apelo à igualdade da raça humana, recorrendo ao que se assemelha a um relatório científico, elaborado através de uma experiência feita com uma lágrima de uma mulher de pele negra. Outro pelo alerta para a importância de sonhar!
O poeta, professor e químico português elaborou a comunhão perfeita entre a ciência e a poesia (ou a escrita, no geral), dois mundos em que me sinto confortável. Talvez, por essa razão, nunca mais me tenha esquecido.
Pedra Filosofal, consagrado pelo músico Manuel Freire, em 1969, tornou-se, por outro lado, um hino à liberdade, ao sonho e à sua ponte com a realidade. Genuíno, simples, realista e sensível, foi com este poema que o escritor se abriu ao mundo literário e nos mostrou a todos a importância de sonhar para alcançar algo melhor do que aquilo que já conhecemos.
Nele, António Gedeão associa o sonho humano à magia dos alquimistas, sugerindo que, à semelhança da mítica pedra filosofal, ele é capaz de transformar em ouro as fraquezas e as pequenas ambições humanas.
A escrita de Gedeão, tão harmoniosa e serena, sempre me fascinou. E para mim, enquanto sonhadora, este poema é uma lembrança de como de facto “o sonho comanda a vida”.
-Helena Moreira
7
Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
Mário de Sá-Carneiro, in Indícios de Oiro (1937)
Este é talvez dos poemas mais marcantes e definidores da poética de Mário de Sá-Carneiro. Enceta, em plena era de ouro modernista em Portugal, as reflexões (que serão queridas também a Fernando Pessoa) sobre o duplo eu, a fragmentação do ser, que se despersonaliza no encontro com o outro.
7, para além das questões marcadamente teóricas e presas a um dos períodos mais criativos artisticamente em Portugal, é ainda uma reflexão existencial. Na indecisão entre o que se é, o que se quer ser na relação com o outro. Para mim, este poema é uma lembrança de como ser é um trabalho em progresso, um trabalho múltiplo e onde provavelmente, não existe uma só resposta que dê corpo a quem somos.