Depois de assinar argumentos de obras bem reputadas como Uma Questão de Honra (1992), Moneyball – Jogada de Risco (2011) e A Rede Social (2010) – pelo qual venceu o Oscar de Melhor Argumento Adaptado –, Aaron Sorkin estreia-se agora atrás das câmaras, em Jogo da Alta Roda. O argumentista feito realizador assina também o guião, uma narrativa baseada em factos verídicos, sobre a ascensão e queda da autoproclamada “princesa do póquer”, Molly Bloom.
Em tempos esquiadora olímpica, Bloom (Jessica Chastain) vê-se obrigada a abandonar o desporto depois de uma devastadora lesão. Com o curso de direito em hiato, aceita um emprego em 2003 que a introduz a um novo empreendimento. Esse requer-lhe a mesma disciplina e motivação: gerir o jogo de póquer clandestino mais exclusivo do mundo. Bloom, que lidera uma mesa de jogo por onde passa a realeza de Hollywood, desfruta de uma década de sucesso e glamour até chegarem jogadores indesejados. Agora, a braços com a lei, só lhe resta um aliado, o relutante advogado de defesa Charlie Jaffey (Idris Elba), que precisa de acreditar que há mais em Molly do que os tabloides dão a ver.
Que não tenhamos dúvidas, esta é a praia de Sorkin: uma história real com eventos de fazer cair o queixo, algo tão sórdido que não podia ser ficção. E Sorkin manipula o material com precisão e eficácia, tecendo, acima de tudo, uma protagonista que nos vence pelo seu caráter e autodeterminação.
Uma heroína imperfeita, trazida para o ecrã numa perfeita interpretação de Chastain. Desde 2011 que a atriz tem vindo a colher os louros por performances que roubam os holofotes, mas nunca esteve tão bem como em Jogo da Alta Roda. Chastain. No filme, a atriz está no topo do seu jogo, com uma prestação total e completa num papel forte, ao estilo do que nos tem vindo a habituar à frente de fitas como 00:30: A Hora Negra (2012) e Miss Sloane – Uma Mulher de Armas (2016). Bloom por vezes surpreende-nos com a ganância, mas tais momentos breves são eclipsados pela sua noção de valor e justiça, e sem uma intérprete do calibre de Chastain, a conduzir-nos ao longo da montanha russa de reviravoltas da jornada, era difícil entrar na aposta. Numa jogada que vai de penthouses de grandes hotéis até à barra dos tribunais, talvez esteja na calha para Chastain mais uma nomeação ao Oscar, e, quem sabe, uma vitória nos Golden Globes já este domingo.
A guiar-nos por um enredo excêntrico, que talvez requeresse um pouco mais de arrojo, o esforço ainda assim é sólido, para um primeiro trabalho de realização de Sorkin. Como argumentista, dá as cartas todas, e dizemo-lo literalmente, com uma narração sempre presente de Bloom e em sequências ricas em exposição mas, afortunadamente, nunca enfadonhas.
A peculiaridade dos acontecimentos e a audácia da manobra narrativa triunfam aqui, e ainda assim, uma obra tão satisfatoriamente completa, como falha? Sorkin comete um pecado imperdoável nos últimos 20 minutos, ao transformar o seu primeiro grito cinematográfico num bocejo. Um grande momento de closure emocional acaba num melodrama barato, e marca o fim da astúcia e da inteligência emocional que vigoravam até ali. A obra nunca volta a ser a mesma, quase como se um outro Sorkin estivesse ao comando. Até o desfecho acaba por ser seco, não sendo o grande encerramento que meros minutos antes se antecipava.
Pese tudo, Jogo da Alta Roda não deixa de ser uma experiência cinematográfica de considerável valor e entusiasmo. O oscarizado argumentista está aí para a realização, se bem evitados os erros que desta feita cometeu, e ficamos no aguardo do que virá a seguir. O que fica, para já, é um quase êxito, abrilhantado sem travões por uma Chastain explosiva, que vai para lá de somente aproveitar um mero star vehicle, dominando-o e conquistando toda a aura da fita.
É soberba a esse ponto: Chastain é o filme.
7/10
Título original: Molly’s Game
Realização: Aaron Sorkin
Argumento: Aaron Sorkin
Elenco: Jessica Chastain, Idris Elba, Kevin Costner, Michael Cera, Jeremy Strong, Chris O’Dowd
Género: Biográfico, Drama
Duração: 140 minutos