O legado de Manoel de Oliveira é incontornável na história do cinema português. No entanto, também as opiniões se dividem entre quem o considera um mestre da sétima arte e quem o critica por as suas obras serem demasiado “estáticas”. Apesar de ter iniciado a carreira com o relativamente acessível Aniki Bóbó, os trabalhos seguintes foram-se apoiando cada vez mais num “pacing” lento e num estilo de atuação mais teatral.
Um Filme Falado é uma obra que representa algumas das características mais associadas aos filmes de Oliveira. É aqui que nasce um filme pouco convencional acerca da comunicação que liga tantas civilizações. É um filme que observa o passado sob a perspetiva de um presente que um dia deixará de o ser.
A narrativa centra-se em Rosa Maria (Leonor Silveira), uma professora universitária de história, e a viagem que este faz até Bombaim, na Índia. A acompanhá-la encontra-se a sua filha, cujo nome parece uma piada por parte do realizador: Maria Joana (Filipa de Almeida). Ao longo do filme passam por locais como Marselha, Nápoles, Pompeia, Atenas, Istambul e Cairo. Durante o percurso, Maria vai fazendo perguntas à mãe sobre os locais. Por sua vez, Rosa responde sempre pacientemente à filha com a paixão por história que só uma professora poderia ter. Este é um pretexto para Manoel de Oliveira nos guiar numa jornada histórica.
A obra não pretende ser uma história acerca de personagens (pelo menos inicialmente). É sim sobre ideias. Acerca da extensão da comunicação entre diferentes culturas e línguas. Rosa Maria acaba por representar o realizador, e Maria Joana representa-nos a nós, os espectadores. Tal como o nome indica, todo o filme é uma jornada narrada. No final, as personagens aprenderão pouco mais acerca de si mesmas. Aprenderão apenas acerca do passado e da experiência de outras pessoas que encontram pelo caminho. Aprende-se o que se aprenderia numa viagem e nesse sentido o filme é muito pouco convencional.
No entanto, esta perspetiva é a meio do filme interrompida para se focar (durante cerca de meia hora) numa conversa de jantar entre John Walesa (John Malkovich), o comandante do navio; Delfina (Catherine Deneuve), uma empresária francesa; Francesca (Stefania Sandrelli), uma cantora italiana; e Helena (Irene Papas), uma atriz.
Os quatro têm uma longa conversa acerca da língua e humanidade. Esta conversa navega entre diferentes línguas e à medida que vai continuando, o papel da mãe e da filha na história vai-se diluindo. Mais tarde estas finalmente conhecem as figuras que discutem na mesa. Mas ao ter dedicado tanto tempo à conversa deles, Oliveira faz aquilo que no inicio do filme tinha estabelecido que não faria: passa o foco para personagens. Quando Rosa e Maria finalmente interagem com estas figuras, já conhecemos melhor a personagem de Malkovich do que elas.
Mas o maior problema desta obra é a sua conclusão. Apesar de fazer sentido dentro das temáticas introduzidas, a revelação final surge quase do nada e recorre a clichés que roçam o ridículo. Além disso, Oliveira nunca chega a conseguir lidar com o facto de a sua narrativa necessitar que as personagens passem para uma situação em que as suas vidas estão em risco. Aqui o ritmo da montagem não acelera como deveria. Nem Leonor Silveira ou Filipa de Almeida são capazes de explorar as emoções que pessoas naquela situação expressariam. Em si, o problema deste final é que Manuel de Oliveira não encontra realmente uma forma de o fazer funcionar.
Um filme é mais do que as suas ideias. Depende em grande parte da execução. Apesar de a ideia do realizador para o final pretender representar a fugacidade do presente e a forma como continua a ser afetado pelo passado, o realizador simplesmente não arranja forma de usar a linguagem do cinema do modo que esta sequência necessitaria. As consequências são um final muito pouco credível que de certa forma enfraquece todo o filme.
A fotografia de Emmanuel Machuel é relativamente simples. Representa o que as personagens vêem sem muito espaço para a subjetividade. Rege-se às regras básicas e pouco mais que isso. Mas essa é uma qualidade que funciona nesta história. Pelo menos até ao final, quando o filme segue um caminho que não é particularmente adequado. A fotografia deixa que o passado seja vivido da mesma forma que um viajante o percepcionaria.
Um filme Falado está longe de ser um filme perfeito. Mas é um filme que abre questões acerca da história, do passado e do presente. Que deixa Manoel de Oliveira expor alguns dos seus pensamentos durante uma hora e meia.
Em si, é um filme que pretende abrir questões muito particulares. E fá-lo de uma forma que Hollywood certamente não poderia.
Ficha Técnica:
Realizador: Manoel de Oliveira.
Argumento: Manoel de Oliveira.
Elenco: Leonor Silveira, Filipa de Almeida, John Malkovich, Catherine Deneuve, Stefania Sandrelli e Irene Papas.
Duração: 96 minutos
5/10
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