Inês Silva, iniciou os seus passos no design de moda, no IADE, em Lisboa e mais tarde, no West London College. O percurso da criadora contou também com a passagem pelo estúdio de Lulu Liu, pela marca Micol Ragni e atualmente desenvolve a sua própria assinatura, Fair Retail, em Lisboa.
Apresentou pela primeira vez na ModaLisboa, em outubro de 2016 e a sua filosofia pauta-se por pilares assente em princípios de desenvolvimento sustentável, ecologia e um futuro gerido de forma mais equilibrada. Numa era em que a moda caminha a passos largos para o tecnológico, crescem em paralelo movimentos e grupos de pessoas cujo estas questões transportam para a vivência da moda, no seu percurso e discurso.
Espalha Factos – Como descreverias o ADN da marca Fair Retail?
Fair Retail – Uma marca jovem, com uma filosofia ética e princípios sustentáveis. Se bem que a minha abordagem à sustentabilidade é um pouco diferente do habitual, não se foca na tecnologia dos materiais, mas sim na gestão de recursos ao longo da produção. Por exemplo, tento que haja o mínimo desperdício possível dos materiais, em todas as fases: quer na fase de corte, quer nas costuras ou até na aplicação de acessórios. O meu critério de seleção dos materiais é a durabilidade, prefiro as fibras naturais, mas se existir uma fibra sintética que seja mais duradoura que a natural, opto por essa.
EF – Crês portanto que a ecologia e a sustentabilidade têm sido marginalizadas dentro da indústria da moda e que a tua marca tem vindo a explorar caminhos dentro deste tema?
FR – Penso que sim. Acho que cada vez mais as marcas deviam ter este compromisso. Atualmente a moda carrega um papel muito negativo, com questões como o contributo desta na poluição a nível mundial e cabe às marcas mudarem isso. É necessário que as pessoas comprem porque precisem, que gostem do que comprem e retirar um pouco o lado fugaz do consumo. Aquilo que eu tento na Fair Retail é através da comunicação que faço, transmitir a intemporalidade das peças, tentar acabar também um pouco com a ideia de que a moda é uma coisa descartável, barata, acessível e que não envolve uma série de recursos gigantes.EF – A marca H&M, por exemplo, desenvolve uma linha mais eco-friendly, a H&M consicious. O que achas da inclusão deste tipo de produto por parte dos “grandes grupos” da moda?
FR – Sinceramente, acho que há um lado bom e um lado mau. Começando pelo lado mau, acho que é um pouco hipócrita por parte de uma marca que produz milhares de peças por mês, dedicarem ao ecológico, ou pelo pelo menos a uma estratégia mais sustentável, 0,01% da sua coleção e com isso, através da comunicação obterem um enaltecimento à marca através desse mesmo lado.
No entanto, e tendo em conta a exposição e o tamanho de uma empresa como a H&M, o facto de se envolverem em ações ecológicas e sustentáveis, fazem conseguir chegar às massas um lado mais positivo, que as pequenas marcas por vezes não conseguem. Para o público que não tem contacto com este tipo de questões, o posicionamento de marcas como esta e a sensibilização feita, são algo que já vai chamar mais à atenção.

EF – Os grandes retalhistas de que falamos, produzem em regiões geográficas mais desfavorecidas (por exemplo: Índia, Bangaladesh, Tailândia e Indonésia), o que não só provoca um fosso social ainda maior do que o já existente como também consequências danosas ao nível ambiental. Que papel deverão ter as essas mesmas marcas no combate político a estas duas questões?
FR – É inaceitável que esses grandes grupos utilizem esse tipo de mão de obra, porque primeiro têm muito mais condições e recursos que lhes possibilitem a não utilização dessa mesma força de trabalho e depois porque creio faltar por parte da indústria, legislação que faça uma espécie de control check, no que diz respeito à origem dos produtos. Muitas das vezes esses países que referiste, de onde vêm as matérias-primas ou onde são produzidas as peças, não têm o mesmo tipo de leis laborais que as que temos na Europa.
O facto deste tipo de trabalho ser encomendado pelo Ocidente ao Oriente, é muito injusto, porque estamos não só a usar os seus recursos e mão de obra, como também estamos a poluir as suas terras, para termos produtos para nós, para alimentar o consumo à velocidade que o alimentamos. Esses produtos são quase sempre pagos aos seus preços locais, o que causa consequências terríveis em termos sociais não só para eles, como também para nós, porque de forma mais ou menos consciente, estamos a participar numa espécie de perpetuação da precariedade desses países, porque eles trabalham para nós, com as regras que o Ocidente dita, sem se conseguirem desenvolver. Tudo isto serve para produzirem nas quantidades que nós desejamos e quase sempre sem a qualidade necessária.
O que traz – esta produtividade em massa – consequências a nível ambiental, porque novamente torna a não existirem leis sobre – por exemplo – o fim dos produtos químicos e em algumas regiões, as águas chegam mesmo a estar intoxicadas com os restos de materiais provenientes de tinturarias.

EF – De que forma verás a indústria da moda – então – a caminhar num sentido mais ecológico e sustentável?
FR – Vai ter que partir dos criativos e dos departamentos de comunicação, a visão do consumo de uma forma diferente. Já existe imensa oferta de produtos ecológicos e sustentáveis, duradouros, mas acho que as pessoas têm que refletir melhor sobre o seu papel como consumidores.
Por outro lado, canalização dessa atitude de consumo, tem que partir de nós criativos. Eu própria tive que me reeducar neste sentido, quer enquanto consumidora – porque passei a ser mais exigente – quer como designer, uma vez que o meu público-alvo está mais vocacionado para as questões da ecologia.
EF – E dentro do panorama nacional, como prospetivas a tua marca e de que forma crês que ela possa ser um incentivo a que a tua indústria faça as coisas de forma mais eco-friendly?
FR – O que eu tento fazer é uma coisa que penso ainda não existir, dentro das nossas fronteiras. O tipo de oferta de produto é algo ainda muito standard, existe pouco design de autor e o que tentei – através da Fair Retail – foi criar uma junção do melhor de dois mundos. Ao invés de criar uma marca pessoal, criei uma marca que seguisse estes padrões e que ao mesmo tempo, tivesse produto e assinatura de autor.
EF – Recentemente participaste no Greenfest, conta-nos como surgiu a oportunidade, o que foste apresentar e quais os teus objetivos.
FR – A Fair Retail está de momento a formar uma parceria com uma nova plataforma de e-commerce, chamada Fair Baazar, que comercializa produtos de moda e lifestyle, todos ecológicos. As duas responsáveis pelo projeto, convidaram-me a participar no Greenfest, onde existiam mais algumas marcas e fiz uma pequena apresentação das minhas peças, assim como as outras marcas presentes, todas sob a mesma filosofia da sustentabilidade.
EF – Em março deste ano e após a tua apresentação na ModaLisboa, o evento recebeu o Global Fashion Exchange. Qual o papel de uma semana de moda como a Lisboa Fashion Week, neste tipo de projetos?
FR – A moda funciona por contágio e se no sítio onde são apresentadas novas propostas, se fala, discute e se organizam atividades em torno destes assuntos, de forma a despertar o interesse das pessoas e consequentemente o seu envolvimento – por exemplo, na iniciativa de troca de peças de roupa feita no Global Fashion Exchange -, creio que isso são bons exemplos. Emprega-se a criatividade, desperta-se as pessoas no que toca ao tema da ecologia e considero muito importante que esta abordagem exista nestes locais e na fase que vivemos atualmente, onde as pessoas ainda não estão conscientes do que sucede com a indústria da moda, que se faz refletir quase sempre como um mundo bonito.

EF – O que pensas que a indústria da moda – nacional e estrangeira – e o público que assiste ao teu trabalho, possam aprender e apreender a partir daquilo que tu produzes?
FR – Aquilo que eu muito humildemente gostava, era mudar as perspetivas e as expectativas das pessoas em relação à roupa. Notem que não falo em moda, só mesmo de roupa, porque para todos os efeitos esta é um bem de primeira necessidade e essa necessidade tem que ser preenchida. Não quero dizer que toda a gente que faça moda, tenha que ter a mesma abordagem que eu, mas acho que as pessoas devem pensar primeiro em roupa e depois em moda.
Se calhar ainda me guio pelo mote “a forma segue a função”, pois pretendo que o consumidor seja mais consciente, exigente e posto isso, esse produto tem que cumprir a sua função. Claro que também tem que ser confortável e tem que ter valor emocional, não se cingindo apenas a uma tendência, que é o que – regra geral – as pessoas querem, de forma a poderem pertencer a uma elite “virtual”, à qual pensam que a moda está associada.
