Repleto de balões vermelhos, o teto do primeiro andar do Cinema São Jorge preconizava uma noite terrífica. À porta da sala Manoel de Oliveira, os cinéfilos, os geeks do terror e os curiosos formavam uma fila que chegava à parede oposta e se alongava até ao topo das escadas. A enchente adensava o ar e, dentro da sala, que ao olhar parecia estar completa, o ambiente manteve-se efusivo.
A sessão inicou-se com um aterrador sorteio de três bilhetes oferecidos pela patrocinadora oficial EasyJet e seguiram-se as entregas dos prémios MOTELX.
Para a entrega do prémio Melhor Longa de Terror Europeia 2017/Mélies d’Argent, subiu ao palco o júri constituído por Kim Newman, Rogério Samara e Íris Cayate que anunciaram o vencedor Cold Hell de Stefan Ruzowitsky. Foi elogiada a figura da sua heroína e o argumento pertinente para atualidade, que aborda a realidade de um refugiado na Europa, o islamismo e o extremismo.
Na competição para A Melhor Curta de Terror Portuguesa, o júri composto por Carlão, Maria João Bastos e Lorenzo Bertuzzi, entregou o prémio a Thursday Night de Gonçalo Almeida e fez uma menção honrosa a Depois do Silêncio de Guilherme Daniel.
Antes do visionamento do filme It, a organização do MOTELX reuniu-se em palco e homenageou Alejandro jadorowsky, o “mestre vivo”. As luzes diminuíram a intensidade, o público aplaudiu e deu-se início ao filme mais esperado da noite.
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Outros filmes de destaque do último dia
My Friend Dahmer – 7/10
(Secção Serviço de Quarto)
Primeira longa-metragem do dia de encerramento do MOTELX, My Friend Dahmer é um biopic baseado na novela gráfica homónima de John Backderf, amigo de juventude do serial killer americano Jeffrey Dahmer nos anos 70.
A fita de Marc Meyers é impressionante pela maneira como retrata o seu protagonista, um adolescente com predileções estranhas, sem nunca nos atirar à cara, até aos créditos finais, que virá a tornar-se um assassino. É acima de tudo uma dramatização de uma adolescência que tinha tudo para ser normal, mas onde tudo apontou para um caminho mais negro.
O óbvio e grande realce do filme é Ross Lynch, no papel principal; Lynch quebra totalmente com a sua imagem de estrela do Disney Channel, e numa performance que nos leva ao desconforto torna-se a revelação do ano.
Tiere / Animals – 6/10
(Secção Melhor Longa Europeia de Terror)
Produção suíça, austríaca e polaca na competição de Melhor Longa Europeia de Terror do festival, Tiere é um enigmático mindbender com toques subtis de humor, que facilmente o torna uma das fitas de mais difícil análise da programação deste MOTELX. A inspiração Lynchiana na obra de Greg Zglinski é muita óbvia, e logo desde o primeiro momento que Tiere promete desafiar-nos.
Qualquer mistério é sempre um bom convite, o problema é que Tiere parece oferecer os seus twists e momentos de maior incredulidade como se não tivessem qualquer propósito que não o de nos confundir.
É a audácia simplesmente pela audácia, de apresentar algo diferente e distorcido, e, ainda que sendo um produto cinematográfico satisfatório, não é um enredo que incite a uma revisita.
Housewife – 6/10
(Secção Serviço de Quarto)
Um ano depois de apresentar o aterrorizador Baskin, o turco Can Evrenol regressa ao MOTELX para apresentar a sua segunda longa-metragem, Housewife, desta feita em língua inglesa. Com um início inquietante e um desfecho tão sádico como o de Baskin, é pena que a nova fita de Evrenol nunca chegue ao nível de qualidade da anterior.
A ambição está aqui, mas o destino a que se pretende chegar é acidentado e nunca parece suficientemente coeso. Rodar o filme em inglês pode ser uma boa estratégia para aumentar a visibilidade do mesmo, mas nenhum dos atores parece natural a falar a língua, um problema distrativo e que nos leva a questionar se rodar o filme em turco não teria sido melhor.
No fundo, Housewife redime-se por ter sempre presente a marca retorcida e psicologicamente agressiva que Baskin já antes tivera; Evrenol tem ideias para dar e vender, todas elas magnéticas na sua perversão, mas queríamos que Housewife tivesse sido mais que um filme decente com um clímax doentio. Queríamos que tivesse sido mais como Baskin.
Tragedy Girls – 6/10
(Secção Serviço de Quarto)
Última fita do 11.º do MOTELX, Tragedy Girls revelou-se ainda uma última agradável surpresa, numa edição do festival que tanto nos deu para rir. Uma comédia sobre duas adolescentes (Brianna Hildebrand e Alexandra Shipp) que raptam um serial killer (Kevin Durand) e começam a perpetrar macabros assassinatos em seu nome no liceu, tudo isto enquanto gerem contas nas redes sociais em que cinicamente apoiam as famílias das vítimas e aumentam a “reputação” do assassino?
Tragedy Girls é trash no seu melhor, e ainda assim tem muito para dizer sobre a atual geração que vive para os conteúdos web. Cada risada que damos é em jeito de paródia, mas chegamos ao final e entendemos que, retirado todo o exagero, são estas dinâmicas sociais de liceu que operam hoje em dia. Até lá, temos Hildebrand e Shipp são fantásticas na sua sátira, e o sangue que corre consegue ofender os mais sensíveis.
Nunca se leva muito a sério, e nem nós o levamos, mas Tragedy Girls foi o encerramento perfeito para uma grande celebração do terror.
Texto de: Gonçalo Silva e Gonçalo Medeiros Borges