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Foto: página oficial de José Eduardo Agualusa no Facebook

José Eduardo Agualusa: a parede que caiu com ‘Teoria Geral do Esquecimento’

José Eduardo Agualusa é um escritor luso-angolano. Atualmente reside em Moçambique.

A sua obra no geral flutua na mistura entre a história de África que alimenta a ficção que escreve.

Com mais de vinte títulos, Agualusa tem visto o seu trabalho ser galardoado inúmeras vezes. Finalista do prémio Man Booker International em 2016, foi recentemente o vencedor do Prémio Internacional de Dublin, com o livro Teoria Geral do Esquecimento

Escrito em 2012, publicado pela D. Quixote, Teoria Geral do Esquecimento é uma imagem escrita de um retrato lúcido de um pós-revolução colonial.

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Foto: Leya

Ludo: a metáfora de uma África esquecida

O enredo principal gravita em torno de Ludovica Fernando Mano, uma portuguesa de Aveiro que se mudou para Luanda. Ludo, como é carinhosamente tratada, mudou-se para a então colónia portuguesa com a sua irmã e o marido da mesma.

Agualusa abre o livro com a nota prévia de que Ludo existiu realmente (o que entretanto, em entrevista, desmentiu) ainda que a história seja real.

A mudança ocorre algum tempo antes da revolução das colónias e o clima que se sente é de profunda tensão. Instalados num dos melhores prédios de Angola, quando rebenta a discórdia, o edifício é tomado de assalto.

Ludo, que entretanto perdeu o contacto com a sua irmã opta por ficar barricada no seu apartamento. Ergue uma parede no corredor e separa-se, durante 30 anos, do mundo lá fora. Vive para dentro, tentando sobreviver com o seu cão, Fantasma.

Esta é a história de uma mulher esquecida no alvoroço de uma nova promessa de vida, esquecida na liberdade, na igualdade. Uma mulher que o tempo perdeu e deixou para trás.

“Não pertencia a lado nenhum. Lá, onde nascera, fazia frio. Reviu as ruas estreitas, as pessoas caminhando, de cabeça baixa, contra o vento e o enfado. Ninguém a esperava.”

O autor subtilmente imprime em Ludo um trajeto de uma África que também ela ficou para trás, perdida no tempo, esquecida em promessas que não chegam.

Ode ao Esquecimento

Paralelamente ao enredo de Ludo, as restantes personagens interligam-se entre si, unidas pelo fio do esquecimento.

Jeremias Carrasco, um oficial português que ao ser capturado pelos guerrilheiros africanos é executado. Sobrevive e vai procurar a paz do recomeço com o povo Kuvale. Esperando o esquecimento que vêm da morte declarada, Jeremias tenta lutar contra os assuntos que deixou pendentes na sua vida anterior.

Monte, o temível assassino dos tempos revolucionários, agora desiludido pela viragem ideológica do poder instalado em Luanda. Ele próprio surge, no final do romance como símbolo de um sistema desvanecido, cheio de ‘pó’. Vive na esperança de não ser lembrado e o que passado de terror e de morte permaneça na penumbra.

“Certas pessoas padecem do medo de ser esquecidas. A essa patologia chama atazagorafobia. Com ele sucedia o oposto: vivia no terror de que nunca o esquecessem.”

Daniel Benchimol, um jornalista ‘colecionador de desaparecimentos’ contraria a tendência para esquecer que perpassa a obra. Pela investigação que advêm da sua profissão, Benchimol tornou-se perito em procurar pessoas quando parece já não existir esperança no encontro.

É nos sonhos que tudo começa

José Eduardo Agualusa revela-se com mestria neste romance. Lê-lo é perceber a história de um período de uma Angola sem rumo, de uma Angola esquecida.

A escrita é fluída e absolutamente cativante. Já a história parece exigir que se leia com a urgência de descobrir o que vem a seguir, de perceber o que aconteceu antes.

Percebe-se que o escritor é íntimo da sua produção e parece que ler este romance é assistir a um filme na tela. As palavras transformam-se em imagens (não fosse este livro originalmente um roteiro).

A dinâmica, quer entre as personagens quer entre as micro-narrativas é talvez o ponto melhor conseguido deste livro e que até hoje, não vi replicado em nenhum outro. Isto porque Teoria Geral do Esquecimento é uma história de violência etérea, crua e que revela o pior de raça humana, mas que ainda assim, abre frechas de onde brotam rasgos de delicadeza e de amor.

Agualusa consegue, por fim, uma obra complexa mas absolutamente poética. Um retrato ficcional da história angolana, polvilhada de recortes reais.

“Os dias deslizam como se fossem líquidos. Não tenho mais cadernos onde escrever. Também não tenho mais canetas. Escrevo nas paredes, com pedaços de carvão, versos sucintos.”