Quando se pensa no inicio do cinema nacional, geralmente pensa-se nos anos de ouro do cinema português. Em clássicos como A Canção de Lisboa, O Leão da Estrela, O Pátio das Cantigas e outras obras protagonizadas por nomes tão característicos como Vasco Santana e António Silva. No entanto, tal facto ignora filmes que foram realmente os primeiros a ser feitos em Portugal. Entre eles encontravam-se os documentários mudos de Aurélio Paz dos Reis, cujo estilo se assemelhava muito ao dos captados pelos próprios irmão Lumière.
O Hollywood, tens cá disto deste mês vai assim observar umas das melhores obras portuguesas feitas durante a era do cinema mudo: A Dança dos Paroxismos. Esta primeira obra do realizador Jorge Brum do Canto só teve uma única exibição após ter sido completo, sendo que depois só voltou a ser exibido ao público em 1984, graças à cinemateca portuguesa.
“Num país qualquer, em época indeterminada, havia gente feliz”.
Inspirado pelo poema Les Elfes de Leconte de Lisle, a narrativa segue um cavaleiro, chamado Gonthramm, que procurou em vão pelo Santo Graal e que agora regressa para a sua noiva Galeswinthe. No entanto, para chegar ao seu país de origem precisa de passar pelo reino dos Silfos, espíritos que o tentam a juntar-se a eles para toda a eternidade. É uma história simples. Mas é apoiada por um ambiente fantasmagórico e um estilo inspirado pelo vanguardismo francês.
Canto protagonizou a sua própria obra, no papel de cavaleiro. Devido às limitações do projeto, teve ainda de desempenhar os cargos de Editor e de Diretor de Guarda-Roupa. Devido às características do cinema mudo, todas as performances são exageradas, o que se enquadra perfeitamente com a história mítica que é retratada. Apesar de todas as limitações enfrentadas pela produção e tecnologia que estava disponível no país, Jorge Brum do Canto demonstra uma maior consciência acerca do efeito que a edição poderia ter na audiência do que grande parte dos realizadores de filmes portugueses seguintes viriam a ter. Ainda mais impressionante é que o realizador tinha apenas 18 anos.
As teorias de edição de Sergei Eisenstein são visivelmente aplicadas, à medida que os cortes se vão tornando cada vez mais rápidos em alturas de maior tensão. Da mesma forma, o uso extensivo de “Fades” é aplicado em momentos nos quais a noção de realidade e propósito de Gonthramm parece estar em risco. Paroxismos usa assim filmagens dinâmicas, graças a Manuel Luís Vieira, e uma edição criativa para se elevar para além de um mero exercício cinematográfico. Certas cenas são até filmadas da mesma forma com que Sam Raimi viria a filmar os seus filmes de terror, com panorâmicos agitados da floresta que são captados e editados de forma a aumentar a tensão. Só há um momento em que as limitações técnicas sobrepõem a escala da história: Quando um reino debaixo do mar é descrito e apresentado, mas é óbvio que a câmara capta uma mera miniatura. Esta cena poderia ter funcionado melhor se o reino não tivesse sido mostrado sequer.
A Dança dos Paroxismos pode estar disponível no youtube, no entanto, não tem ainda qualquer lançamento em DVD ou Blu-Ray. Outro problema é o de não haver nenhuma banda-sonora oficial. A maior parte dos filmes mudos eram acompanhados por um músico ou uma orquestra, e sendo assim, qualquer pessoa interessada em ver o filme terá de arranjar a sua própria banda-sonora pessoal.
A qualidade desta obra até faz ponderar o quão influente poderia ter sido no cinema português se tivesse tido uma maior exposição. Infelizmente, a produção de Jorge Brum do Canto não era ao mesmo nível que as produções nacionais que seriam mais tarde feitas com o apoio do Estado Novo. Sendo assim, não se pôde assegurar um lançamento em maior escala. No entanto, permanece uma pequena cápsula de tempo do que “poderia ter sido”. Um exemplo de que não se pode limitar a perceção do que é o cinema português a uma única ideia. Que este não pode ser resumido apenas a comédias ou a obras “lentas”.
A Dança dos Paroxismos prova que já desde o seu início, o cinema Português pode adquirir muitas formas diferentes e que não são precisos muitos recursos quando há imaginação.
Ficha técnica
Título: A Dança dos Paroxismos
Realizador: Jorge Brum do Canto
Argumento: Jorge Brum do Canto
Elenco: Jorge Brum do Canto, Maria Do Carmo, Machado Correia, Maria Emília Vilas e Maria Manuela Varela
Género: Fantasia
Duração: 44 minutos