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A Escolha do Rei: Noruega rumo aos Oscars

As produções cinematográficas sobre a Segunda Guerra Mundial parecem cada vez mais uma constante no cinema moderno – advém daqui, claramente, a noção do fascínio pela guerra. O campo de batalha é o espaço de eleição, espaço esse que agora é um depósito de metáforas, o local privilegiado para dele extrair todo e qualquer significado (dramático ou político) que desejarmos.

Em A Escolha do Rei, afastados desse campo de perdição, acompanhamos três dramáticos dias de Abril de 1940, em que o rei Haakon da Noruega (Jesper Christensen), perante a invasão alemã, deverá escolher entre a sua rendição ou a morte. Candidato da Noruega para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, tendo chegado à última lista de pré-selecionados, a película de Erik Poppe foi também distinguida na secção Panorama do Festival de Berlim.

O realizador demora largos minutos a ajustar o espectador, bem como a definir onde centrar a sua narrativa. A divisão tripartida do filme é logo estabelecida e somos situados temporalmente pela interpelação a ecrã negro com locais, datas e horas. A viagem acompanha a fuga da família real por entre diferentes residências e Poppe tenta cedo fazer com que a audiência sinta compaixão com personagens que ainda não conhece. Não é fácil apagarem-se as luzes e sentir que recuámos imediatamente quase 80 anos.

Karl Markovics (como Diplomata Bräuer) e Jesper Christensen (como rei Haakon)

A personagem do rei Haakon é o centro do filme – o elemento que guia a narrativa. Quando nos afastamos dele, e especialmente nas cenas em que somos levados para o campo de batalha, tudo parece em queda-livre, desnecessário e inacabado. Alternamos entre cenas de guerra e o gabinete do enviado alemão (Karl Markovics) em que este tenta um resolução pacífica da rendição e que lá para o final ainda simula um descargo de consciência nazi (era mesmo necessário?).

O filme prepara a sua audiência durante um hora, estabelecendo o seu terreno emocional, para tentar uma verdadeira cena dramática. O realizador exige um certo rigor para entender o seu rei, estabelece o seu tom e, ao passar dos primeiros 60 minutos, presenteia-nos com a fase mais conseguida d’A Escolha do Rei. É mesmo a despedida da família real que nos prova a sua eficácia, com uma sequência sóbria e sem histerismos. Depois deste momento tudo nos soa mais maduro. Num golpe de suspensão tensional, paramos no meio de uma estrada, numa paisagem nevada e perigosa. Aqui Haanok assume um carácter reflexivo, pensa sobre o ser pai – no sentido monárquico e familiar.  Também a meio do caminho perdeu o seu filho, que lhe fica distante e diferente – aqui, sim, estamos perante alguma sinceridade.

O guião, que cai no erro de gerar sub-enredos desnecessários, é construído de forma meticulosa. A ideia que paira no ar é clara: Poppe põe em destaque esta composição do ciclo da vida, pela recorrente presença e relevância que atribui às crianças, através do dilema entre o rei e o seu herdeiro e a dupla imagem do rei em posição fetal. Existe esta clara intenção de nos impor a fragilidade que o medo gera e o poder imagético de um idoso tão perdido como uma criança.

Jesper Christensen é sem dúvida exemplar, sem excessos ou prestações exacerbadas; instala-se num registo lento (como toda a película) e não espera para se revelar, abre-se desde início – somos nós que chegamos “atrasados”. Anders Baasmo Christiansen segue, infelizmente, uma outra linha, tendo precipitações e inconsistências. O contraste dos dois leva-nos quase a suspirar num pedido de paciência.

Anders Christiansen (como Olav, herdeiro do trono) e Jesper Christensen (como rei Haakon)

Esta é realmente uma produção de grandes dimensões, que rivaliza com aquelas de Hollywood, mas bem mais lenta e ponderada. Cometendo os seus erros – que lhe tiram grande parte da reflexividade que em instâncias procura ter – é, efectivamente, mais pertinente e sem a menor dúvida um grande vencedor quando olhamos para filmes recentes do mesmo género (refira-se O Jogo da Imitação ou A Rapariga que Roubava Livros).

O final é demasiado brusco, para o que é uma condução pausada, mas revela um toque capaz. A última cena, que surpreende pela destreza, por se manter fiel ao próprio rei, compensa o espectador pela forma como o guião tenta “encher” o espaço dramatúrgico. Somos, durante toda a película, assaltados pela ideia de que Poppe encontra boas ideias e instantaneamente as descarta, recusando segui-las.

A Escolha do Rei pede, talvez, uma excessiva paciência que muitos não estarão dispostos a oferecer – afinal existem ideias inacabadas e diálogos corrosivos -, mas é no seu rei que encontra a sua salvação. Aqui há um resto de alma, um feixe de luz, que é, ultimamente, a razão para continuar até ao fim. Vislumbramos uma boa oportunidade, que conta uma história importante para a Noruega, não fossem as tentações mais fortes.

5/10

Ficha Técnica:

Título: Kongens nei (A Escolha de Rei)

Realizador: Erik Poppe

Argumento: Rosenløw-Eeg e Jan Trygve Røyneland

Elenco: Jesper Christensen, Anders Baasmo Christiansen, Karl Markovics

Género: Drama, Biografia, História

Duração: 127 minutos