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‘Starboy’: sobredose de tragédia e anestésicos

The Weekend lançou esta sexta feira o seu opus magnum. Starboy é o nome do seu quarto disco e a escolha do calendário não poderia ser mais oportuna. Nesta Black Friday, negra é também a narrativa que Abel Tesfaye nos conta e o álbum é uma história de excessos e uma travessia dessensibilizante pela vida do cantor de Toronto.

Sexo, drogas e Ferraris

A primeira frase que ouvimos é sintomática de toda a experiência do álbum: “I’m tryna put you in the worst mood” e, naquilo a que se propõe, The Weeknd tem êxito. Na faixa-título do disco, Tesfaye apresenta-nos uma persona e é ao redor dela que todas as músicas gravitam. “O rapaz estrela” é a personificação das suas ânsias e a manifestação de um hedonismo entorpecedor. Essa ameaça, ele mascara-a com a ostentação da fama e adormece-a com substâncias inebriantes.

House so empty need a centerpiece / Twenty racks a table cut from ebony”, canta. Depois comenta: “We don’t pray for love, we just pray for cars”. Mas os diamantes e Lamborghinis não bastam e o canadiano admite a evasão proporcionada pelo álcool e pelas drogas. “Cut that ivory into skinny pieces” é um eufemismo da cocaína que dividia com a namorada e recorda as tentativas de mitigar os medos com um copo de licor: “Switch up my cup I kill any pain”.

Em entrevista recente com Zane Lowe, na rádio Beats 1, o cantor afirmou estar sóbrio mas admitiu que habitualmente subia ao palco embriagado, como forma de “acalmar os nervos”. As referências a estupefacientes são, no entanto, comuns e um elo de ligação entre as várias músicas. Em Party Monster canta “I’ve been poppin’ / Just took three in a row” e em Reminder relembra: “Faded off a double cup, I’m mixing up the potion”. “I’m actin’ reckless, baby / I’m about to lose it all / This liquor got me crazy / Mixed with that Adderall”, afirma em Rockin’, faixa onde também menciona o ecstasy.

THE TONIGHT SHOW STARRING JIMMY FALLON -- Episode 0578 -- Pictured: Musical guest The Weeknd performs on November 24, 2016 -- (Photo by: Andrew Lipovsky/NBC)
Convidado musical: The Weeknd atua no The Tonight Show, apresentado por Jimmy Fallon.

Como a personagem feminina do mini-filme M A N I A, que tornou público na quarta feira, as mulheres que descreve aparecem sempre iluminadas por uma luz misteriosa, que lhes dá traços de fantasia. São bailarinas, strippers ou acompanhantes de luxo, que lhe são aparentemente antagónicas, mas às quais não consegue resistir. Ao contrário dele, a elas satisfaz-lhes o cheiro do dinheiro e os seus amantes são os objetos que possuem.

Em False Alarm narra: “She always leaves the man she loves / But the diamonds are forever / She always seems to be alone / But the diamonds make it better” e a atitude da protagonista de Six Feet Under é idêntica: “She trying to live a life so fancy / She wanna pull up in a Bentley / She ain’t got time for lovin’ / Louis Vuitton, her husband.

Num intervalo narrativo, Lana del Rey aparece na curta Stargirl Interlude. Em diálogo com Tesfaye, a voz de Born to Die canta em falsete “I shouldn’t cry but I love it, Starboy” e ele responde: “I just want to see you shine / ‘Cause I know you are a Stargirl“. A cantora traz um melodrama próprio e a equipa, que já colaborou no disco Beauty Behind the Madness, funciona bem em conjunto.

Monstro da fama

Em Starboy, The Weeknd conta também a sua história de sucesso. Num perfil desenhado pelo The Wall Street Journal indicou recentemente que David Bowie foi uma das inspirações do disco e que o título foi uma adaptação da faixa Starman, da fase icónica de Ziggy Stardust. Mas antes de Starman, Starboy é um piscar de olho a Fame. Cantava Bowie, em 1975, sobre o vazio do estrelato: “Fame puts you there where things are hollow”. Na música Sidewalks, com abuso de afinação vocal digital, Tesfaye descreve a viagem “from homeless to the Forbes list” e Kendrick Lamar junta-se-lhe, saudosista da intimidade e da inocência da vida antes da fama.

Sobre trabalhar com Lamar, a voz de I Can’t Feel My Face afirmou, na mesma entrevista com a Radio 1, que “ele é um génio“. “Ele comprometeu-se mesmo“, acrescentou. “Conseguimos notar que ele se entregou completamente.”

Há uma sensação de tragédia que subjaz à história e se manifesta em Ordinary Life. Nela, The Weeknd calcula que a fama pode ser uma ameaça: “Like I’m James Dean, I’ma die when I’m young / Die when I’m young, die when I’m young”, preconiza. E ecoa um sentimento de niilismo espiritual: “Angels all singin’ in monestaries, yeah / My soul is buried in low Ferraris“.

Tesfaye canta 'Starboy' na cerimónia dos American Music Awards.
Tesfaye canta ‘Starboy’ na cerimónia dos American Music Awards.

Sonicamente, Starboy pede emprestada a sonoridade eletrónica dos anos 80, em faixas como Rockin’, Secrets, e na parceria com o duo Daft Punk, I Fell It Coming. Secrets copia o seu refrão da música Talking In Your Sleep, dos The Romantics, e tem amostras da música Pale Shelter, dos britânicos Tears for Tears. Com um elenco de produtores que inclui Max Martin, Cashmere Cat e Diplo, o disco é uma fusão de géneros: um híbrido coeso de pop, soul e R&B.

Em 2013, ano de lançamento do seu primeiro disco de originais, The Weeknd falou com a revista Complex sobre Kiss Land e afirmou ser “como um filme de terror”. Listou como inspirações, na altura, os cineastas David Cronenberg e Ridley Scott, que, nas suas palavras, “sabem capturar o medo“. Exemplo da forma como o artista incorpora essas referências do cinema é a música Party Monster, que funcionaria na perfeição como tema do genérico de um filme de horror.

Como os cineastas, The Weeknd mostra-se perito em resumir a ansiedade moderna. Starboy brilha por ser o epítome da disfuncionalidade de uma geração. Uma geração que, embora não partilhe com o canadiano o seu estilo de vida, tem com ele em comum um morfinismo de afetos. “I’m scared that I’ll miss you / Happens every time / I don’t want this feelin’ / I can’t afford love“, teme em Die For You.

O artista anunciou que tem planos para a criação de um livro de banda desenhada inspirado em Starboy: ideia que pretende apresentar aos estúdios da Marvel ou da DC Comics. O disco pode já ser ouvido em streaming em todas as plataformas e The Weeknd prepara-se para se fazer à estrada no próximo ano. A “fase 1” da digressão Starboy: Legend of the Fall arrancará em fevereiro de 2017.

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