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O Que Está Por Vir: de luto pelo futuro

O Que Está Por Vir: de luto pelo futuro

Estreia hoje O Que Está Por Vir, o mais recente filme de Mia Hansen-Løve, 100 minutos de uma calma tristeza que muito ingenuamente tomaríamos por resignação, caso não prestássemos atenção suficiente à excelente interpretação de Isabelle Huppert.

Persistem no cinema de Hansen-Løve os contornos autobiográficos que a crítica já havia identificado e que a própria autora não esconde: em Eden, a sua obra anterior, o percurso de vida do protagonista refletia o do irmão da cineasta; já em O Que Está Por Vir, é possível relacionar a personagem principal, Nathalie, com a mãe da realizadora francesa, também ela uma professora de Filosofia. É, possivelmente, um detalhe que nos permite compreender a natureza orgânica e, desde o primeiro momento, credível deste relato – Hansen-Løve conhece, talvez com uma dolorosa precisão, essa tempestade em ponto pequeno de que fala o seu filme, e por isso não a faz pior do que ela já é.

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O Que Está Por Vir é a história de Nathalie (Huppert), que, como já o dissemos, ensina Filosofia a alunos do secundário; para além disso, tem uma erudição e uma “comodidade social” (chamemos-lhe assim) invejáveis, não fossem os imprevistos ataques de ansiedade da sua mãe idosa e poderia dizer-se perfeitamente consciente do seu futuro, que não seria mais que uma continuação da estabilidade que vive presentemente. É claro que para haver filme tem que haver rutura, e, subitamente, daquilo que é, emerge tudo o que está por vir. Num curto espaço de tempo, perdem-se as certezas que Nathalie tinha quanto ao seu casamento, a sua profissão e o estado de saúde da sua mãe; mas ela persiste. Nessa persistência está a marca de Hansen-Løve: não há histerias nem estridências desnecessárias, tudo flui com sinceridade diante da câmara; no entanto, há um gosto pelo humor negro e pela delicada composição de cada cena que imediatamente distinguem esta visão (que, com as devidas aspas, apelidaríamos de “naturalista”) da de um Linklater, por exemplo.

Outra particularidade deste filme: não há espaço para ingenuidades, tudo – incluindo a magnífica Huppert – é visto através de uma lente cínica, que desconfia da revolução, da novidade, da promessa. A cena em que um grupo de estudantes se reúne num protesto à porta da escola é sintomática desta “dúvida metódica” que a cineasta aplica sobre todas as personagens e situações: os alunos fura-greves acham a manifestação ridícula porque lhes parece uma coisa saída de ’68, e o filme regressará muitas mais vezes a este sentimento de um cansaço da repetição. Nathalie também se encontra numa espécie de purgatório, um fim da História onde, paradoxalmente, os mais brutais acontecimentos (a começar pelo seu divórcio) parecem não ter qualquer força de mudança, de síntese; tudo se procede com uma irritante tranquilidade que tende para a estagnação.

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O Que Está Por Vir é uma revolta muda, mas o seu silêncio nem sempre serve um propósito narrativo. Por vezes, torna-se evidente que o filme nada nos diz porque Hansen-Løve ainda não sabe bem qual o rumo que quer dar à sua história: multiplicam-se os pequenos enredos subdesenvolvidos e as personagens que não transcendem os seus próprios rascunhos (é o caso da figura da mãe de Nathalie, pouco convincente). Mas perdoa-se essa distração num filme cuja graciosidade oculta uma poesia profundamente elegíaca.

7/10

Ficha técnica
Título: L’ avenir
Realizador: Mia Hansen-Løve
Argumento: Mia Hansen-Løve
Elenco: Isabelle Huppert, André Marcon, Roman Kolinka
Género: Drama
Duração: 100 minutos

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