O Espalha-Factos terminou. Sabe mais aqui.
IMG_2579
Foto: Catarina Veiga

World Press Photo 2016: A abrir os olhos do mundo no Museu da Eletricidade

A 59.ª edição da exposição World Press Photo chega hoje ao Museu da Eletricidade e permanece em Lisboa até 22 de maio. Entre os vencedores, está o português Mário Cruz

“Este é o melhor do jornalismo visual”. Quem o diz é o o comissário da exposição, Sander Zwart. Das 82.951 imagens em concurso, restam 150 fotografias nas paredes do Museu da Eletricidade. São três meses de avaliação e para o comissário o concurso é um incentivo à liberdade da imprensa. “Olhem em volta e explorem”, é o conselho dado por Zwart a quem visitar a exposição.

IMG_2625
Sander Zwart, comissário da exposição, esteve presente na apresentação em Lisboa. Foto: Catarina Veiga

O ano da crise dos refugiados

O tema deste ano é claramente dominado pela crise humanitária dos refugiados. De acordo com o comissário da exposição, este tema preenche 20% da exposição. Logo a fotografia vencedora mostra um pai a passar um bebé para o outro lado da fronteira entre a Sérvia e a Hungria. Hope for a new life foi obtida por Warren Richardson, em agosto passado, quando o fotógrafo acompanhavam um grupo de refugiados. A cena foi captada quando fugiam da polícia.

Mas há mais, desde as fotografias de Sergey Ponomarev do New York Times, que mostram a chegada dos refugiados a Lesbos, o projeto de David Guttenfelder na Coreia do Norte ou a fotografia de Mauricio Lima, que mostra o tratamento das queimaduras de um rapaz de 16 anos.

Entre as fotografias vencedoras, está o ensaio fotográfico do português Mário Cruz sobre escravatura de crianças no Senegal e na Guiné-Bissau. O fotojornalista esteve toda a apresentação rodeado por cinco das suas fotografias. A preto e branco, Talibes, Modern Day Slaves mostra os abusos sofridos por crianças nas daaras, escolas islâmicas.

Tudo começou em 2009, na Guiné Bissau, quando Mário Cruz estava a fotografar as eleições presidenciais ao serviço da Agência Lusa. Na altura, ouviu histórias de crianças que estavam a desaparecer. Supunha-se que fossem enviadas para o Senegal para serem escravas. Em 2015, volta a investigar o caso e descobre um sistema criminoso e corrupto, onde há tráfico de mais de 50 mil crianças dos cinco aos quinze anos.

Apercebe-se que não havia imagens que retratassem a realidade no interior dos talibes. “Uma das coisas que me deixou profundamente triste, mas que ao mesmo tempo me fez perceber a urgência de documentar esta realidade, foi precisamente isso”, afirma. Não foi uma decisão fácil de tomar. No contacto com ONGs locais ou com a Human Rights Watch, apercebeu-se como ia ser difícil fotografar e ter contacto direto com essa realidade. Mas evidenciou que era absolutamente necessário e avança. A maior dificuldade foi mesmo o acesso. Se os talibes se encontram facilmente nas ruas e só na região de Dakar são mais de 30 mil, o que se passava com estas crianças era algo escondido.

“Eu não podia estar a condenar o que estava a ver” – Mário Cruz

“A minha presença neste sítio era estranha e com uma máquina fotográfica ainda mais estranha era”. Fala de um equilíbrio que teve de ter no local. “Eu não podia estar a condenar o que estava a ver. Eu não podia estar a reprovar tudo aquilo, porque para além de colocar a minha vida em risco, iria estar a prejudicar o meu trabalho, que era passar a mensagem e contar a história daquelas crianças.”

Sobre as crianças que encontrou, fala de um exemplo. Quando se encontrava perto de um grupo de talibes, em Saint-Louis, no norte do Senegal, encontrou uma criança entre os 15 e os 16 anos, que lhe disse que já não tinha medo de morrer. “Já não se lembrava de onde é que vinha e não sabia quem são os seus pais. Sabia que todos os dias, independentemente de ter ou não o dinheiro que era imposto pelo guardião, sofria abusos físicos”, recorda.

IMG_2659
Depois da publicação do seu trabalho, já muitas crianças foram resgatadas. Foto: Catarina Veiga

O seu trabalho foi publicado na revista Newsweek. Depois do anúncio do World Press Photo na categoria de Assuntos Contemporâneos, muitas crianças foram resgatadas e levadas para a Guiné Bissau.

Uma das maiores reações foi a do Governo senegalês, que se comprometeu a criar uma campanha de sensibilização com as suas fotografias e que vai percorrer todo o país. “Acho que é uma maneira muito boa de começar esse diálogo, porque uma das coisas que acontece e contribui muito para o aumento desta realidade é precisamente a indiferença do Governo e a do povo senegalês, por não acreditar que aquilo é possível.”

IMG_2665
Com 28 anos, Mário Cruz teve a sua primeira máquina aos 10 anos e há quatro anos que se dedica a projetos pessoais. Foto: Catarina Veiga

É sem dúvida o tipo de jornalismo que pretende continuar a fazer. A fotografar desde os 18 anos pela Agência Lusa, encontra no fotojornalismo uma forma de chamar a atenção para temas que nem sempre estão no foco noticioso diário. “Com isto não quero dizer que tenha de fazer trabalhos que tenha de pôr a vida em risco, como neste caso, ou com uma complexidade desta dimensão, mas será sempre [o trabalho que quer fazer] sobre temas que são ignorados ou escondidos.” 

A exposição pode ser vista de terça-feira a domingo, das 12h às 20h. A entrada tem o valor de 2 euros.