No fim de semana em que a Companhia Nacional de Bailado subiu ao Porto, o Espalha Factos acompanhou a estreia do seu novo espetáculo Programa Reportório. Dando importância a quem fez da dança o que ela é, a CNB apresenta um espetáculo que não só homenageia grandes nomes da dança, como também cria uma verdadeira lição do que é fazer história na dança.
Quatro grandes nomes da dança que marcaram pela sua contemporaneidade. A leveza, a simplicidade e a estética clássica de Balanchine, o rigor, a energia e a harmonia de Keersmaeker, a cumplicidade, abstração e desenho de Forsythe e por fim a sensualidade, intensidade e precisão de van Mannen. Tudo concentrado em quase duas horas de espetáculo que sabem a pouco. Uma forma de viver e reviver obras que são verdadeiros manifestos, de descoberta para uns e de recordação para outros.
Serenade, de George Balanchine
Balanchine dispensa apresentações, mestre da dança e visionário do ballet clássico. Defensor da musicalidade e da importância visual da dança para cativar o público, em todas as grandes obras deste artista russo há um fascínio e um deslumbramento impressionante.

A primeira imagem de Serenade é inesquecível. Todo o corpo de baile, as 17 bailarinas, estão em cena paradas e alinhadas. Seguimos o primeiro compasso musical, deixamo-nos envolver pela calma que todo o azul causa. Sincronizadas todas as bailarinas começam a movimentar o braço que têm elevado. A leveza destas musas envolve e serena o público.
Serenade é uma peça que veio inovar e reinventar o ballet, não fosse essa a visão de Balanchine. A criação de quadros de imagens que ficam gravados eternamente na memória são a sua característica e a CNB conseguiu desenha-los tal como devia.
Grosse Fuge, de Anne Teresa De Keersmaeker

Saímos do bailado clássico e entramos bruscamente no mundo contemporâneo da belga Anne Teresa De Keersmaeker, uma das coreógrafas mais aclamadas da crítica e criadora de um movimento único. Grosse Fuge é uma peça forte e intensa que requer uma energia imensa e uma capacidade de concentração muito grande por parte do intérprete, não só pelas constante saídas e entradas de cena como pelos tempos e contratempos, pela coreografia em cânone ou pelas trocas e mudanças bruscas do próprio movimento.
Aqui temos aquilo que a caracteriza: muito trabalho de chão, saltos que quebram com a barreira espacio-temporal, graciosas piruetas e espalhafatosas quedas. Entre corridas e suspensões os bailarinos vão se movimentando por todo o palco nos seus fatos clássicos de colarinhos brancos.

A harmonia da música clássica contrasta com os movimentos bruscos, mas ao mesmo tempo combina com todas estas mudanças de energia, onde há um constante renascer de movimento e de pessoas.
Herman Schmerman, de William Forsythe
O dueto do norte-americano William Forsythe é pela primeira vez apresentado pela CNB. Miguel Ramalho e Tatiana Grenkova interpretam Herman Schmerman, dois jovens talentos promissores e com um futuro que se espera brilhante. Assim que os dois bailarinos da entram em cena, há uma fusão e um diálogo entre os dois corpos.

Um homem e uma mulher, ambos de saia amarela, estão ao mesmo nível, são iguais. É certo que inicialmente pensamos numa cena cómica e muita gente não consegue suster o riso, mas na verdade é um solo sério sobre dança e sobre o que ela transmite. Este coreógrafo contemporâneo diz que a dança não tem que ter qualquer significado ou história e o trabalho sobre o abstrato, preocupando-se com a estética, a dinâmica da peça e o impacto da mesma.
Há uma necessidade simbiótica entre o par, percebe-se a cumplicidade entre eles. Nesta virtuosa peça há espaço para o clássico e para o moderno, para trabalho em par e individualmente. As linhas e as torções que estes dois corpos com uma técnica exímia desenham originam uma vontade de ver mais e mais. Precisão e elegância, preocupação cénica, harmonia musical são partes integrantes das ideia de Forsythe são bem cumpridas neste dueto.
5 Tangos, de Hans van Mannen
Diz-se que são precisos dois para dançar o tango mas van Mannen vem mostrar que o conjunto pode funcionar muito melhor. Entre a sensualidade latina que o tango exige e a técnica e a precisão clássica, 5 tangos é uma peça intensa , sobre paixão e atração. Sempre em pontas as bailarinas entram num jogo de dominar e deixar ser dominada nesta dança carnal com o seu par.

Dividido em cinco momentos como o próprio nome indicada, existem três partes em duetos e duas delas que fogem à regra. Um solo de Carlos Pinillos onde a virilidade e a masculinidade do homem é celebrada de uma forma orgulhosamente ousada. E um momento incrível em que Filipa de Castro comanda sozinha todos os homens e os conduz num dos momentos mais interessantes, sensuais e onde a luta entre sexos tem um nítido vencedor.

Depois da descentralização e de proporcionar ao Norte a oportunidade de ver em primeira mão este espetáculo, o Programa Reportório da CNB estreia dia 5 de fevereiro no Teatro Camões em Lisboa pelas 21h.