Esta era daquelas noticias de que o mundo não estava a espera e muito menos precisava. Daquelas coisas que ninguém quer acordar e saber. David Bowie morreu segunda-feira, dia 11 de Janeiro de 2016, aos 69 anos e dias depois de ter lançado aquele que seria o seu último álbum, Blackstar, bem recebido pela grande maioria da critica e seus fãs de longa data.
Todo o lançamento deste álbum foi particular. Quando vi o cadáver de um astronauta no primeiro videoclip de promoção para Blackstar, a canção expansiva que abre o álbum homónimo, não podia deixar de pensar que seria um adeus definitivo a uma das marcas da sua carreira: deixar o Major Tom morto e enterrado de vez só pode ser agora visto como um prenúncio para o que ele sabia que estava para breve.
Depois foi o segundo videoclip, para a Lazarus em que Bowie surge deitado, de olhos vendados numa cama enquanto canta “Oh I’ll be free, Just like that bluebird”, o qual termina com ele a encerrar-se num armário. Mais um prenúncio que agora faz tanto mais sentido…
[youtube https://youtu.be/y-JqH1M4Ya8]
Mas Bowie não morreu. Como Lazaro, o final da sua carreira, ela mesma recheada de desaparecimentos, reaparições e renascimentos, Bowie vai renascer, não no sentido literal da palavra, mas em todos aqueles que ele influenciou e afectou durante as suas décadas de trabalho, ao longo dos quais ele próprio foi múltiplo e inesgotável.
Para um homem que já interpretou tantos personagens (aliás, será que alguma vez ele foi ele próprio em alguma gravação?), este será provavelmente o álbum em que Bowie não é Bowie, mas sim o autêntico David Jones, fruto dessa absoluta consciência de si mesmo, a mesma que lhe permitiu se abstrair completamente da sua pessoa e ser Ziggy Stardust, o Thin White Duke…
É essa multiplicidade que lhe permite ser tanta coisa para tanta gente diferente. Quantos artistas conseguem simultaneamente ser uma referência para a Pop e um herói para a gente alternativa? Afinal de contas, sem David Bowie não teríamos Lady Gaga ou o Kanye West, também não teríamos os Nine Inch Nails ou os LCD Soundsystem.
Ouvir o Blackstar é ouvir o derradeiro trabalho de alguém que, depois de interpretar tanta gente, agora interpreta-se a si mesmo, um mortal como qualquer outro, com uma vitalidade admirável de quem está consciente da sua mortalidade e faz questão de nos fascinar com o seu talento e gosto uma última vez antes do seu fim.
É um trabalho de alguém que está de tal modo consciente da sua morte, que faz por apresentar tudo o que sabe num último momento de inspiração, indo buscar elementos ao passado e ao presente, e abrindo um novo caminho para o futuro, sabendo ele perfeitamente que esse futuro não lhe pertencia.
Não vai haver substituto para ele, mas não é necessário também. Bowie não se esgota, porque o seu trabalho não acaba nele. Continua em todos os meios em que trabalhou, com os artistas com que colaborou em todos os que influenciou. E com o seu falecimento, ascendeu ao panteão onde justamente pertence: entre as estrelas.
[youtube https://youtu.be/4B5zmDz4vR4]