O Espalha-Factos terminou. Sabe mais aqui.
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João Didelet: “É no teatro que eu nunca quero deixar de estar”

A peça Allo, Allo!, baseada na sitcom britânica com o mesmo nome, tem dado que falar. O Espalha-Factos foi agora ao Teatro da Trindade ao encontro de João Didelet, encenador e ator. Artista de referência em Portugal e em mãos com um projecto (de tamanha responsabilidade) tão apreciado pelo público, quisemos saber como o ator se sente na pele de René Artois.

Espalha-Factos (EF)João Didelet, além de teatro, participa em séries, novelas, cinema e faz também dobragens. O “desdobrar” do ator nestas múltiplas facetas, é necessário ou fá-lo por gosto?

João Didelet (JD):  É! Eu gosto de tudo o que envolve a interpretação e o trabalho de ator. Desde cedo sempre fui curioso, mesmo antes do Conservatório comecei a perceber que havia várias valências dentro da arte de ser ator e nunca recusei participar nelas. Aliás, até fiz questão, porque achava que era importante como processo de aprendizagem. Quanto mais experiências tivesse, acho que mais eu crescia como ator. Depois claro que também o facto da necessidade.

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EF: Mas em qual dos cenários se sente melhor?

JD: A minha escola é o teatro. É no teatro que eu nunca quero deixar de estar. Acho que, por exemplo, sempre que faço televisão, e felizmente têm-me aparecido sempre projetos de teatro, faço um esforço para estar nos dois sítios ao mesmo tempo. Houve uma única vez que não fiz isso e depois não gostei. Senti-me mal, faltava-me qualquer coisa. O teatro tem um encanto especial, é um facto. Pelo menos para mim, estou a falar da minha experiência. Agora, é difícil. Digamos, se o teatro é a mãe ou a terra, depois os outros serão outros elementos. Também preciso deles para viver e não estou a falar para viver numa questão monetária, porque é um facto que às vezes as pessoas dizem: “Ah faço televisão só por questões monetárias”. Não é verdade! Eu quando estou muito tempo sem fazer televisão, e já aconteceu, depois também sinto falta daquela agitação, daquela resposta imediata que é necessário dar em televisão. Ou quando estou muito tempo sem fazer cinema, que acontece mais vezes do que eu gostava, também sinto falta. É outra atmosfera, é outro ritmo. Portanto, é difícil. Digamos que na base de tudo está o teatro.

“(…)há mais público para teatro do que nós pensamos. Às vezes também temos que ir à procura dele”

EF: Sabemos que os portugueses não vão com muita frequência ao teatro e ao cinema. Qual a sua opinião sobre a adesão dos portugueses às manifestações da arte em geral?

JD:As coisas às vezes não são simples de analisar. Eu acho que há um lado que é a formação, e aqui estamos a falar de escola. E, felizmente, começa a criar-se o hábito das escolas levarem as crianças ao teatro, porque só assim é que se consegue formar público. O mesmo acontece, por exemplo, com o futebol. Todos os miúdos vão praticar futebol e os pais vão ver. Portanto acho que nós para aprendermos a ler, temos de aprender em crianças. Tudo depende da formação. Depois, há uma responsabilidade por parte de quem faz teatro também de pensar no público. E com isto não estou a dizer que temos de fazer um trabalho acessível ou só fácil. Acho que temos de ver o teatro de uma forma, há se calhar teatro mais acessível, há teatro menos acessível e todo é necessário. Tudo faz falta! Eu vejo, às vezes, um teatro mais hermético como uma espécie de balão de ensaio. Nós temos de testar coisas, de testar novas ideias e se calhar nem toda a gente conhece o ‘bê-á-bá’, há certo público que não está interessado naquilo, mas é preciso esse teatro existir como experimentação, para pôr questões. E depois, se calhar, daí vamos tirar ensinamentos e desenvolver noutros sentidos. Portanto, acho que a questão da falta de público tem a ver com isto um bocadinho. Ultimamente, o que tem acontecido e pelas minhas experiências aqui com a Yellow Star e também já um bocadinho antes quando trabalhava aqui com o Teatro da Trindade, é que há público para teatro. E há mais público para teatro do que nós pensamos. Às vezes também temos que ir à procura dele. Ir à procura dele com os temas, ir à procura dele divulgando, criando histórias que lhes interessam. Portanto, às vezes acho redutor. São ideias que se criam: “Ah, o povo português não vai ao teatro!”. Mas depois temos uma sala cheia, como esta noite. Já fiz outras peças com as salas cheias e, felizmente, aconteceu-me isso várias vezes ao longo da vida. É um mito que está a ser quebrado!

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EF: Sei que já trabalhou em vários teatros e companhias, mas, em 1996, interpretou William Shakespeare, dirigido por João Perry, também aqui neste teatro. O Teatro da Trindade é uma referência para si?

JD: Olhe para a sala! [risos]. O que é que tem? Não sei. É daqueles teatros que me inspiram, sinto-me feliz aqui. E fiz muitas coisas, felizmente. E acho que já passei por todos os espaços, desde a sala principal que foi a última a chegar, fiz na Sala Estúdio, fiz ali no bar com um café-concerto… E pronto, também felizmente fiz aqui muitas peças. É um teatro que eu gosto muito! Sinceramente, gosto muito! Acho que é uma sala magnífica. É grande, mas consegue ser aconchegante. As pessoas não estão assim tão longe. Tem história. É um sítio onde eu me sinto bem.

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EF : Allo, Allo! é uma peça apenas para divertir?

JD: [risos] Sim! Eu acho que o humor tem sempre qualquer coisa. O humor existe no ser humano. O ser humano é um ser inteligente, logo o humor é uma coisa pensada. E ao ser pensada, pode ser para entretenimento, mas também não é assim tão vazio quanto isso. Portanto, esta peça, sim, é para divertir. Mas também fala de coisas. Digamos, há o ponto de partida dos autores. Eles pegarem no Allo, Allo!, era a sério, mas o ponto de partida deles foi uma brincadeira: um gozo aos filmes da Segunda Guerra Mundial. Isto é, aos maus filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, porque havia uma série de arquétipos e eles pegaram nesses arquétipos e ainda os ampliaram mais e mostraram as parvoíces que existiam. Mas ao mesmo tempo, subjacente a isto, acho que também há uma certa crítica à guerra, o que depois as pessoas depois fazem, transformam e a maneira como têm de sobreviver. Ainda por cima estamos a viver uma altura complicada. E pode parecer de propósito, mas não. Isto é uma pura coincidência e, infelizmente, aconteceu. Pode ter aqui um certo sarcasmo se pensarmos o que é a guerra. Porque a guerra não é isto que está aqui que estamos a ver em palco, evidentemente. Mas isto é, digamos, o eco da guerra. E há umas coisas absurdas que a guerra traz atrás de si, mas esse não o cerne da questão. Acima de tudo é divertir!

“Estamos a entrar em guerra? Eu gostava que não, mas por um lado também não podemos ficar parados e a ver pessoas inocentes a ser atacadas”

EF : Estaremos então perante um novo cenário de guerra?

JD: Eu não quero ser pessimista. Desde a Segunda Guerra Mundial que acabou, temos tido várias crises. Tivemos quase a entrar em pré-guerras, foi a Guerra Fria e houve aquela crise dos mísseis de Cuba. O planeta tem estado sempre em conflito, em pequenos conflitos. Nunca se resolveu a questão palestiniana e israelita… O Médio Oriente é sempre uma questão complicada por causa dos interesses do petróleo. Estamos a entrar em guerra? Eu gostava que não, mas por um lado também não podemos ficar parados a ver pessoas inocentes a ser atacadas. Porque é que não atacam forças militares? Porque é que vão aos que estão a ver um espetáculo? Porquê? Pode do outro lado, se calhar, são n justificações, mas não sei… Espero que não entremos! Mas provavelmente vai acontecer.

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EF: Como se sente na pele de René Artois?

JD: Sinto-me bem, muito obrigada [risos]. Eu digo uma coisa no princípio da peça, que é uma brincadeira e que passa despercebida, que é: “Aqueles que tenham estado mais atentos nos últimos 33 anos sabem que este é o meu café”. A primeira emissão da série foi há 33 anos, quando o René começou a ser conhecido do público e há 33 anos eu era espetador assíduo do Allo, Allo!. Portanto, é um misto, estou a gostar muito mas, por outro lado, é uma responsabilidade muito grande, porque faz parte da nossa memória coletiva. Naquela altura não havia muitos canais, ou havia RTP 1 ou RTP 2, não havia nem SIC nem TVI, nem FOX e, logo, criava-se ali um imaginário comum. Ao mexer nesse imaginário comum é preciso fazê-lo com cuidado. De resto sinto-me bem, o René é um grande malandro! [risos].

EF: Sendo também encenador nesta peça, como surgiu a ideia da adaptação para teatro de uma série britânica com o sucesso de Allo, Allo! ?

JD: Foi uma coisa engraçada, no aniversário do Paulo Sousa Costa [também encenador], um amigo ofereceu-lhe o livro e disse-lhe: “ Por que é que não fazes isto?”. O Paulo leu, falou comigo e eu fiquei todo entusiasmado. Começámos a pensar quem poderia traduzir. Eu nunca tinha experimentado, mas disse-lhe: “Deixa-me eu começar!” Comecei a partir pedra naquele inglês que é sempre muito rico em trocadilhos, que em português nem sempre resultam, daí a necessidade da adaptação. Mas fui construindo esse trabalho e fiquei satisfeito.

 “Desde que estamos na Yellow Star, é o melhor arranque de sempre em termos de público”

EF: E procurou manter-se fiel ao argumento original? Pergunto isto, porque na série as personagens são de várias nacionalidades, mas recorre-se apenas ao sotaque para serem distinguidas. Na peça acontece o mesmo?

JD: Fui o mais fiel possível ao texto, mas tive de fazer opções, tive de adaptar! Entre todos, achámos que se fossemos pôr todos com sotaques, isto seria uma cacofonia, tornar-se-ia cansativo. Então fizemos o quê? Pusemos os alemães e os franceses a falar português, com uns “Ya e “Allez! Vite!” O capitão Alberto Bertorelli fala em italiano e o polícia Crabtree é também como na série original. Durante os ensaios fomos mudando coisas, isso faz parte do trabalho.

EF : Que feedback lhe tem dado o público? A peça está a ter o sucesso que esperava?

JD: Desde que estamos na Yellow Star, é o melhor arranque de sempre em termos de público. As pessoas aplaudem, saem bem dispostas. Há boas críticas! Já começou a ser um pequeno sucesso, espero que venha ser um grande sucesso!

EF : Ponderam algumas atuações fora de Lisboa?

JD: Ponderamos sempre. A Yellow Star gosta de sair de Lisboa. Não nos podemos queixar de faltas de apoio. Vamos tendo alguns apoios, mas apenas em certos sítios, por exemplo, o Holiday Inn, depois no Porto, onde também já temos tido até apoios de alguns hotéis e de um ou outro restaurante. Mas é um grande risco, com um elenco deste tamanho! A nível autárquico falta-nos algum apoio e podiam facilitar-nos mais a vida, fazendo acordo com um restaurante ou com um hotel! Gostaríamos de poder sair mais, para que mais pessoas nos vissem.

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Fotografias de Mariana Godet

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