Era uma noite de quinta tipicamente movimentada no Cais do Sodré. Naquela que parecia ser apenas mais uma soirée de boémia lisboeta, a Rua Cor de Rosa estava pronta a receber mais um Jameson Urban Routes, o habitual micro-festival a calhar entre os fins de outubro e inícios de novembro com o que de melhor tem a cena da música underground nacional e internacional. Com a edição passada bem presente na memória, na qual a Jameson trouxe ao estimadíssimo Musicbox nomes como Future Islands e Memória de Peixe, o público não perdeu tempo a fazer fila à porta do recinto com antecedência distinguível, carregando a promessa de entrada gratuita e em expectativa por alguns dos mais promissores sons que por cá se cantam.
O primeiro deles, passadas as confusões da entrada e admirada a especial decoração à la Jameson para a noite, veio de Caldas da Rainha e tem progressivamente vindo a estabelecer o seu espaço no alternativo português. São os Cave Story e tomam o palco do Musicbox de rajada, perdendo pouco tempo com apresentações e formalidades. Aquém a alguns problemas de som, cruzes que carrega quem abre a noite, o trio das Caldas deixou uma performance energética e de atitude arrojada, circulando pelo ainda limitado repertório que constitui o seu EP, Spider Tracks. Contagiando o público com a sua musicalidade, o colectivo provou ser manifestamente melhor ao vivo que em estúdio – talvez porque, deambulando em extensas jams e solos entre músicas, deixem passar mais da sua habilidade técnica e coesão, em detrimento das suas apenas aceitáveis composições, ora lembrando uns Thee Oh Sees no seu mais abrasivo, ora uns Strokes no seu mais melódico.
Bem melhores em todas as frentes foram os Galgo, próxima banda a subir ao palco do Urban Routes. Tal como os Cave Story, não fazem esforço por esconder as suas influências: uns Foals da década passada são os mais instantaneamente reconhecíveis, bem como certas divagações floydianas e uma aptidão rítmica tão explorada pelo prog rock. Mas, ao contrário dos colegas, os Galgo são munidos de uma irrepreensibilidade técnica, melódica e criativa que permeia o seu mais recente lançamento, EP5, e que, mais que em algumas das suas recentes performances, brilhou de forma inenarrável a noite passada, entre as quatro paredes directamente abaixo da Rua do Alecrim. Entre jams improvisadas, mudanças de assinatura e inesperadas acelerações/abrandamentos de tempo, tudo encaixava na deliciosamente esquizofrénica música dos Galgo, decerto um dos nomes a apontar para futura referência da música que por aqui se faz (aqui fica também um elogio em especial para a Joana Batista, baterista da banda e, na humilde opinião deste redactor, a estrela em ascensão desta noite no Musicbox).
Por último (em termos de concertos, pelo menos), o mais antecipado. Como se a presença dos colegas Éme e Iguanas não o denunciasse, teríamos performance da Cafetra, e não de qualquer artista: as irmãs Júlia e Maria Reis, vulgo Pega Monstro, que recentemente têm contraído dos fãs uma espécie de título de princesas do lo-fi português, atraíram considerável multidão para o insuficiente espaço do Musicbox. Ainda que de poucas palavras e com uma postura que denunciava a sua manifesta timidez em palco, as manas Pega Monstro deram um concerto com muito de místico à mistura: por um lado, os temas do disco novo, Alfarroba, estavam lá, revestidas do punk hostil que sempre as caracterizou; por outro, era com enorme ímpeto que Júlia e Maria incorriam em segmentos daquilo que, com um pouco menos de finesse, se poderia chamar “barulho”: arrojados turbilhões de distorção, delay, reverb e pratos, nos quais saltava à vista a versatilidade vocal das manas, bem como a sua aptidão para a criação de verdadeiras paredes de som. A reacção do público era concordante, desde efusivos saltos e pequenos moshpits nos primeiros (Branca, Amêndoa Amarga e Estrada arrancaram especiais aplausos) a momentos de pura contemplação nos segundos.
Tão rápido vieram como se foram, e o resto da noite ficou a cargo dos DJ sets de Piloosky e Magazino. Por qualquer padrão de comparação, foi graciosa a primeira noite deste Jameson Urban Routes que não mais que acabou de começar. Aos músicos, um ‘bem-haja’ pelas meritórias performances que foram embelezando a noite; aos festivaleiros, um ‘até já’, que ainda há muito para ouvir e admirar no Musicbox.