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Crítica: Another One, de Mac DeMarco

É sempre com uma inverosimilhança cativante que se nos apresenta o amável ‘parvo’ do circuito indie de nome Mac DeMarco. Das inúmeras entrevistas, performances e deambulações várias que circulam pela internet, aquilo que mais se retira da figura deste astro do underground é que é uma adorável caricatura do rapaz inconsequente apaixonado pelo rock, que só se imaginaria concebível no enredo de um qualquer romance idealista.

Foi do estoicismo desta personagem, aliás, que Macbriare construiu a sua carreira no mundo da música, proclamando imunidade às preocupações da vida e demonstrando a simplicidade de escrever pérolas pop uma a seguir à anterior, nota por nota, acorde por acorde, com a precisão milimétrica de quem de um molde se servisse.

Foi esta a fórmula implementada por Mac DeMarco nos seus dois últimos trabalhos, o alegre 2 e o harmoniosamente descontraído Salad Days (sendo o primeiro EP Rock ‘n Roll Night Club dotado de um macho swagger provocador e uma produção lo-fi bem mais confrontacional) e, foi com base neste mesmo modelo, que o canadiano partiu para este autoproclamado mini-álbum, Another One. Como se fossem os vencedores propensos a mudar de estratégia… Infelizmente para DeMarco, a curta duração deste quase-CD deixou a desnudo as fragilidades composicionais e estruturais trazidas à mesa, mesmo que o disco não vá fazer má figura junto daqueles que já são seus fãs.

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 Another One não nos chega como o inventor musical da roda, nem sequer no universo solarengo e reverberado de Mac DeMarco.  Ao abrigo de um ou outro tom de country, previamente encontrado apenas nas piores instâncias de 2, não há nada que se ouça aqui que não se possa ouvir melhor em Salad Days. É ao antecessor, então, que Another One vai buscar os momentos de maior inspiração: os sintetizadores da faixa título espelham os vagueios introspectivos de Passing Out Pieces ou Chamber of Reflection e a abertura de The Way You’d Love Her lembra os doces timbres de Blue Boy, enquanto que o riff principal de Without Me é quase uma reinvenção daquele de Goodbye Weekend.

Não que isto seja um problema para DeMarco – a sua música nunca foi sobre alcançar novos horizontes, como não resistia a lembrar ainda no tempo de Salad Days. “A little Beauty and the Beast chorus there”, rematava, referindo-se ao refrão emprestado em Let Her Go. Se soa bem, então o objectivo foi alcançado.

E que não se diga, neste caso, que o objectivo não foi alcançado, ainda que só parcialmente. Cada uma das faixas melhor conseguidas deste mini-disco é munida dos belíssimos arranjos a que DeMarco já acostumou, com destaque para as progressões acórdicas em No Other Heart e Without Me e as calorosas melodias de Another One e The Way You’d Love Her. Para cada uma destas, no entanto, está outra que peca por comparação, afundando o apreço global do disco. My House By the Water serve o seu propósito de encerrar a lista de faixas num tom alegre, mas sofre por falta de desenvolvimento e estagna já nos segundos iniciais.

Da mesma forma surge Just to Put Me Down, cujos quatro acordes repetidos à exaustão beiram o inaudível às redondezas do primeiro minuto. De resto, A Heart Like Hers estilhaça-se à medida que Mac DeMarco (que nunca gozou da melhor voz) tenta a sua sorte com os tons mais agudos, e I’ve Been Waiting for Her incorre na mediocridade, perdendo-se um pouco em meio a uma produção uniforme, acordes familiares e pouca dissidência.

Também as letras de DeMarco, algo à semelhança das próprias melodias que escreve, escusam uma análise demasiado aprofundada ou erudita: Another One é, afinal, um álbum de canções de amor. Vale a pena relevar, não obstante, a nuance de contradição que se veio a apoderar da música do artista. O mini-disco aborda o amor por uma perspectiva de decepção, de abandono ou desencanto, como o reminiscente de uma relação passada ou aquele que nunca chegou a ver o seu afecto correspondido. Não deixa de ser intrigante, então, o facto de que quando Mac canta “Her heart belongs to another/And no other heart will do”, ele o faça de forma tão descontraída, como o terceiro que relata acontecimentos com o desapego natural que lhe cabe.  Este paradoxo repete-se prolificamente ao longo do disco, desde os versos da faixa-título (“Who could that be knocking at her door?/Must be another one she loves”) aos que acompanham a alegre melodia de The Way You’d Love Her. Talvez o motivo da sua indiferença seja melhor encapsulado nesta última, em que DeMarco repara: “The river keeps on rolling”.

O resultado pode não ser o mais impressionante, mas não é com Another One que Mac DeMarco se irá ver livre das legiões de fãs que cultivou com 2 e Salad Days. Nem tão pouco será desta que se perderá a esperança na mais idolatrada nova estrela do indie. Novos e melhores álbuns virão, e o mini-LP de DeMarco será lembrado pelo que ditou o seu batismo: mais um na sua lista de lançamentos, destinado a dar-nos algo que roer enquanto esperamos pelo próximo.

Nota final: 6/10