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‘The Rake’s Progress’: a ópera voltou ao São Carlos

Orquestra, canto, dança, representação, figurinos e cenários são elementos que se envolvem num ambiente que faz da ópera um espetáculo muito completo. Foi em busca desta junção que nos dirigimos ao Teatro de São Carlos para assistir à peça The Rake´s Progress de Igor Stravinsky. A ópera voltou ao São Carlos e nós presenciamos o amor do libertino Tom e da eterna apaixonada Anne, com uma orquestra comandada por Joana Carneiro

Faltavam cinco minutos para o espetáculo começar e a sala começava a ficar composta. A orquestra afinava os últimos acordes num enlace de sons que já fazia prever a excelência da composição de Stravinsky. As luzes apagam-se, o pano abre e surge um casal apaixonado rodeado de um cenário bucólico de Rui Horta.

Um casamento que tinha tudo para dar certo, entre Tom Rakewell (Tuomas Katajala) , um jovem sem recursos, e Anne Truelove (Ambur Braid), apoiada pelo seu pai Truelove (Nuno Dias), sofre um abalo. Tom recusa uma proposta de trabalho do pai de Anne, mas recebe a herança de um tio desconhecido. A notícia é dada pela misteriosa figura de Nick Shadow (Luís Rodrigues) . Iludido com as promessas de Shadow, Tom parte para Londres, prometendo a Anne que teria a cidade “a seus pés”.

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Na capital inglesa, Tom entrega-se a uma vida boémia. O bordel de Mother Goose (Catia Moreso) marca o início da sua libertinagem. Entre os sedutores vestidos de lantejoulas, o encorpado roupão em padrão tigresa da dona do bordel e umas garrafas de vinho, o protagonista fica submerso em dívidas. Na esperança de remediar a situação, Shadow planeia um casamento ao seu amo com Baba, a turca.

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Movida pela voz do coração, Anne viaja até Londres, onde se reencontra com Tom. A jovem vem a saber que o seu amado já está casado. Este não é um casamento fácil. Baba, a turca não é o verdadeiro amor de Tom e ela sabe disso. Com um aspeto invulgar e uma atitude autoritária, Baba assume-se como protagonista do momento em que o coro entra em êxtase nas costas da plateia.

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O casamento desfaz-se e Baba é leiloada. Entre os outros objetos, Baba é a licitação mais alta. Inconformada com a sua situação decide voltar aos palcos. Mais uma vez surge entre o coro, que se destaca pela coordenação dos movimentos ao ritmo da música e que eleva a personagem ao estatuto de diva.

“Minha querida,  / Uma senhora prendada nunca deve ter medo /Eu vou voltar para os palcos/ Onde as maneiras e a riqueza governam.”

Baba, a turca

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A miséria de Tom leva-o à beira da sua própria sepultura. Num momento de grande tensão, o protagonista joga o seu destino com o diabo. Numa difícil batalha, a voz de Anne leva-o à vitória. A morte do diabo provoca a loucura do jovem.

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Num hospício, Tom julga-se Adónis à espera da sua Vénus. Anne não esquece Tom e como prova disso decide visitá-lo. O jovem é já um caso perdido e Anne é forçada a abandoná-lo.

“Não nos encontraremos de novo, meu amor/ Mas não penses que eu me esqueço de ti.”

Anne Truelove

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Ao longo da peça, houve elementos cénicos determinantes. Um deles foi a rampa. Ao longo da ópera, a queda de Tom vai sendo acompanhada por a desmontagem de uma rampa em várias direções. Num cenário que se construiu com linhas muito direitas, a rampa assumiu um papel de destaque na quebra da estética da cenografia.

O desenho de luz também deve ser destacado, pois foi bastante intenso no jogo de cartas entre o diabo e Tom. As intermitências provocadas pelos vários holofotes carregaram a intensidade das decisões de Tom nesta batalha.

A orquestra comandada por Joana Carneiro foi outra das essências do espetáculo. Um breve sorriso à orquestra ilustrou a grande confiança que a maestrina depositou nos músicos que estavam à sua frente. A batuta de Joana tornou-se uma espécie de varinha de condão que acionou o talento irrepreensível dos músicos. Os instrumentos de cordas foram os que mais se destacaram ao longo de The Rake’s Progress, bem como o cravo, que intervinha de forma pertinente nas intervenções de Nick Shadow, conferindo maleficência à personagem.

The Rake’s Progress é o exemplo de uma história de amor sem final feliz. As decisões de Tom levaram ao fracasso do que podia ser uma vida de sucesso.

O senso comum classifica a ópera como um espetáculo ultrapassado e aborrecido. Nada disso! A energia transmitida em palco e a inovação dos elementos da cenografia e do desenho de luz tornou o The Rake’s Progress do Teatro de São Carlos uma boa opção na hora de visitar uma sala de espetáculos.

Fotografias de Carmo Sousa/TNSC

Escrito por João Patrício e Teresa Serafim