Um encontro ao vivo com os Calexico pode ser sempre caracterizado como um belo tesouro. Mesmo sem ser das experiências musicais mais abanadoras ou intensas, a verdade é que o projecto norte-americano é dotado de uma aura encantadora que os coloca a jogar num campeonato único. Sempre discretos e sem necessidade de muito dizer sobre eles, os Calexico são aqueles eternos viajantes que fazem a afortunada visita sempre que aparecem. A belíssima música que criam e executam rapidamente conforta quem a ouve e traz em qualquer um de nós o viajante forasteiro que está cá dentro.
Com um gosto variado e ecléctico, o som dos Calexico vai de encontro aos sons que tão bem casam o jazz, o country, a música de conjunto mariachi, o cumbia e muitas outras sonoridades quentes da América Latina e logo nos dão ideias de sair de casa só com uma mochila. Com uma década de carreira consistentemente sólida apesar do pouco mediatismo que geralmente recebem, os norte-americanos regressam com Edge of The Sun, um esforço menos árido, mais etéreo e mais suave, como uma agradável onda de claro que entra pela porta dentro num dia de verão intenso. Continuam assim a tendência deixada por Algiers (2012) e vão evoluindo numa paleta sónica que cada vez mais dominam.
Onde Algiers acabava por ser menos ambicioso e monótono, Edge of The Sun explora e ramifica-se, ao mesmo tempo que se mantém mais coeso e geralmente mais straight to the point do que o seu antecessor. Diga-se assim que o trabalho mais recente é uma colecção de canções mais variadas, mais distintas umas das outras, mas sem alongarem a sua presença por demais ou caírem um pouco na mesma ideia. Tudo isto com a familiaridade de um parente querido que já é tão presente e vital na música do conjunto. Uma melhoria, portanto.
Abrimos com Falling From The Sky e é precisamente familiaridade que encontramos. Uma balada ritmada, decorada da épica secção de sopros que de uma forma muito latina contrasta com o timbre muito americano de Joey Burns. Esperamos mais um bocado para encontrarmos outro velho amigo: Sam Beam, por estes dias mais conhecido por Iron & Wine, dá o seu contributo em Bullets & Rockets, um esforço que puxa mais para os lados do rock n’ roll e dotado da atmosfera predominantemente mais nocturna que se vê neste disco. É um dos temas mais carregados que a banda fez recentemente e volta a provar que Calexico e Iron & Wine é sempre uma boa aposta.
Depois do momento mais country de todo o disco, a muito bem disposta e diurna When The Angels Play, chega-nos Tapping On The Line e de novo o mistério do deserto à noite toma conta da hostes. Numa das canções mais diferentes que o grupo fez até hoje, somos convidados à fogueira para ouvirmos o sussurrar de um conto de mistério e incerteza enquanto uma intuitiva linha de guitarra nos acompanha, imutável do início ao fim. Chega-nos Cumbia De Donde e agora levantam-nos para um pequeno bailarico incitado pela calorosa simbiose que resulta do dueto de Burns com a bela voz da cantora Amparo Sanchéz. A canção que mais se diferencia das restantes, pelo seu tom e cadência, bem como pela sua total entrega a uma sonoridade que mais se distancia da banda a nível de quilómetros (mas não de espírito).
Edge of The Sun tem como pontos fortes a variedade e a boa gestão dos seus trunfos e ideias. Assume-se como um disco que se deixa escutar e vai se revelando a sucessivas audições, que acabam sempre por ser prazerosas e leves ao ouvido. Para além de grandes canções como Tapping On The Line e Cumbia De Donde, temos ainda o matreiro e aventureiro instrumental Coyoacan, a valsa tropical que é Moon Never Rises e a faixa que põe o disco a dormir, Follow The River. Provavelmente uma das melhores composições que os Calexico fizeram nos últimos anos. O equilíbrio entre esta nova atmosfera mais sonhadora e nocturna e o som quente e encardido de sempre foi aqui alcançado e colocado de forma engenhosa como um resumo daquilo que é a inteireza do trabalho de que faz parte.
Assim se fez mais um disco e assim se ouviram mais belas e agradáveis canções. Os anos passam e os registos continuam a ser sucessivamente bons. Os Calexico talvez poderão vir a ser aquela banda que não vai ser lembrada por terem deixado para trás discos icónicos e, francamente, não precisam disso. O que faz deste grupo tão bom é o constante gosto (e bom gosto) que demonstram ao fazer música. Derivados do sentimento, da sensação e de imagens que podem ou não ser as nossas, estes rapazes vão fazer-nos contentes enquanto continuarem a visitar-nos, em disco ou em pessoa. Até lá, vamos aguardando pacientemente. Não há pressa…
Nota: 7,8/10
*Este artigo foi escrito, por opção do autor, segundo as normas do Acordo Ortográfico de 1945.