50 Sombras, a comédia musical, chega hoje, dia 16 de abril, a Portugal, com estreia no Teatro Tivoli BBVA em Lisboa. Uma paródia ao bestseller de E. L. James, 50 Shades of Grey, que se centra no pacato clube de leitura das amigas Pam, Carol e Bea, que acaba por ser revolucionado pela escolha do livro erótico. “Pam desfruta as cenas tórridas do livro, enquanto a ingénua Carol tem dificuldade em encontrar a sua “deusa interior”. Em conjunto, imaginam Anastacia Steele, Christian Grey, Kate, Joseph e Elliot e dão-lhes vida em cenas… sim, essas cenas!…”
O palco ornamentado por uma moldura recheada de piropos, convites indecentes e desenhos sugestivos é o suficiente para começar a criar expetativas até Ruben Madureira aparecer de robe e aquecer o ambiente para, logo de seguida, meter ordem na sala e explicar as regras do espetáculo: os telemóveis são proibidos e, quem apanhar alguém a cometer a terrível infração de preferir o ecrã à realidade do teatro, corre o risco de levar “tau-tau” do parceiro do lado. Mas, mais importante, é essencial que o público se deixe levar numa aventura que promete música, sensualidade e bom humor: tudo por amor ao prazer.
“Então, andam à procura de prazer? Eh lá, tantos pecadores!”
Para quem já viu a adaptação cinematográfica e, sobretudo, para quem já leu os livros, é necessário estar ciente de que se trata de uma desconstrução da história original, de que nos é apresentado um imaginário muito particular. “É como se estivéssemos a ver o que elas (as três mulheres do clube de leitura) estão a ler e o que vai na cabeça delas, como estão a interpretar“, declara o encenador. Pam (Catarina Guerreiro), Carol (Marta Andrino) e Bea (Rita Cruz) entram em cena e entre um livro de receitas e um romance light, a mais ousada das três apresenta o hype do momento: o primeiro livro de uma trilogia que promete acordar a “deusa interior” de qualquer mulher – e, tendo em conta que a da inocente Carol parece estar em coma profundo, nada melhor do que uma incursão pelos prazeres do sadomasoquismo e de “uma relação banal” entre uma virgem e um homem composto por 50 sombras.
Sissi Martins é a doce e virginal Anastasia Steele, ansiosa por preencher o “vazio” dentro de si. Com a mesma magia que as personagens da Disney, mas inevitavelmente mais ousada (ou, pelo menos, mais perversa) que as princesas, a menina Steele confidencia com a sua voz de ouro, capaz de atingir as notas mais incríveis, os seus desejos e as suas preocupações mais íntimas. A atriz diz que não foi fácil entrar na personagem, mas que já tinha lido o livro “antes de saber que ia entrar no projeto” e que acabou por haver uma desconstrução da parte do encenador de uma jovem “pura, simples, torná-la um bocadinho mais cómica, inofensiva”. Sente que embora o processo tenha sido longo, os objetivos foram ultrapassados e, a verdade é que é impossível não soltar gargalhadas perante a expressividade de Sissi.
Por outro lado, Pedro Pernas, a colaborar pela terceira vez num musical UAU, representou o lado apático de Christian Grey de forma exímia e, na altura certa, soube surpreender com todo o seu poder e energia sexual num espetáculo musical que homenageou o rock n’ roll português e que deixou o público a pedir mais, mesmo depois de ter sido tramado à grande e à portuguesa – e quem lá esteve há-de confirmar e dizer que foi bom!
Quanto às voyeuristas, Pam, Carol e Bea fizeram lembrar as três deusas que acompanham Mégara no videoclipe da música I Won’t Say I’m in Love, da banda sonora do filme da Disney. Destacou-se a Marta Andrino com a sua inocência deliciosamente divertida e a ginástica de Catarina Guerreiro, que alternou entre a mais experiente das leitoras e Kate, a amiga de Anastasia Steele, versada em álcool e “bardamerdas”.
Ainda assim, não posso deixar de referir o poder de expressão corporal de Rita Cruz numa cena de dança tão sensual quanto cómica. De qualquer forma, Ruben Madureira teve a sorte e, sobretudo, o talento de representar uma versão portuguesa de Joseph, com um sotaque nortenho bastante vincado e as características mais peculiares e hilariantes deste mundo e do outro. Às tantas, começa a desejar-se que Anastasia Steele se renda ao carisma do dragão, até porque Kate sabe de uma curiosidade bastante interessante acerca dos homens do norte.
Entre uma linguagem quente, suficientemente picante e marinada com uma panóplia de palavrões, que sabe tão bem ouvir dizer em voz alta sem constrangimentos nem preconceitos, Angela Eckart e Filipe Rico enchem o palco de movimentos sensuais e sugestivos. Aliás, Rico (Elliot Grey) chega a mostrar bem mais do que os seus dotes para a dança e para a representação – mas o que acontece no teatro, fica no teatro. Nas palavras de Sissi Martins, o encenador António Pires, o diretor musical Artur Guimarães e a coreógrafa Paula Careto “conseguiram realmente reunir uma equipa boa e dar o trabalho deles de uma forma muito simples, fácil e eficaz”. Não existem cenas demasiado escaldantes nem jogos perigosos, a não ser os saltos de Filipe Rico e as voltas que Madureira dá à Sissi Martins numa das cenas mais hilariantes; contudo, preparem-se para gemidos, uma banda ao vivo, um bocadinho do Festival da Canção, uma referência ao Titanic e muita dança do ventre, em virtude das contorções de que o público não vai conseguir escapar com tanta vontade de rir.
“(Os ensaios) correram lindamente e foi uma perfeição trabalhar com o António Pires”.
Findo o espetáculo e com a barriga a doer, ainda foi possível uma pequena conversa com Sissi Martins, a protagonista desta comédia musical original e refrescante. Os ensaios “correram lindamente e foi uma perfeição trabalhar com António Pires“, cujo trabalho de encenação, a par com a direção musical e a coreografia, permitiu ao elenco divertir-se muito em palco. “Espero que [esse trabalho e toda a energia positiva] vá passar para o público!”. No que diz respeito à leitura do livro que deu origem a 50 Sombras, Sissi confessa que há quem tenha lido apenas passagens e há quem não tenha lido de todo. A própria revela que adora a história: “eu sou fã da trilogia”. Quando interpelada sobre que idade tinha quando se deixou encantar pelas 50 Sombras de Grey, a atriz respondeu bem disposta que foi mais ao menos há três anos. “Portanto, vou fazer 31, façam as contas”, acrescentou com um sorriso.
Sobre a sua cena preferida, diz que tem “um carinho muito especial pelo final do primeiro ato”, em que instala a dúvida sobre o que é o contrato, mas realça que se diverte muito a ouvir os colegas, porque é o primeiro e único momento em que sai de cena “para poder apreciar o espetáculo”. “Porque é a única cena que eu consigo ver de fora”, acrescenta. Sobre percalços diz que, em ensaios, acontecem algumas “quedas e coisas assim” e refere um problema técnico no seu micro aquando de um momento em que a projeção de voz era essencial. Nervos não há muitos, “já é uma coisa natural” e, apesar de no início haver algum nervosismo, é normal, porque “estão a aquecer e ao mesmo tempo” sentem que estão um bocadinho nervosos, mas estão a tentar descomprimir. Mas o maior medo de todo o elenco, nas suas palavras, “foi perceber se isto não iria chocar. Será que as pessoas vão achar graça? Será que vão reagir bem, mal? E desde dia 13 que estamos a fazer ensaios abertos e está a correr bem. As pessoas riem muito, divertem-se muito”.
“É mais caro do que ir ao cinema, mas é uma experiência real”.
Para finalizar, as expetativas para hoje, dia 16 de abril, é que “as pessoas se divirtam, que passem a informação aos amigos, aos inimigos, aos pais, aos avós, aos tios”. “Que tenhamos esta sala diariamente cheia, porque acho que as pessoas que fizeram este espetáculo merecem que tenhamos público”, afirma, apologista das “vindas ao teatro”. “Venham ao teatro, porque o teatro é a essência de uma cultura e, cada vez se perde mais a cultura disso, de ver espetáculos, de ir ao teatro e ver concertos. Não há maior apelo do que pedir às pessoas para virem, porque eu acho que elas se divertem. Ok, é sempre um bocadinho mais caro, é mais caro do que ir ao cinema, mas é uma experiência real, portanto compensa”.
Bombasticamente divertida, sexy e musical, 50 Sombras ficará em cena, no Teatro Tivoli BBVA, até dia 30 de abril, de quarta a sábado, às 21h30, e domingos às 16h30, e volta ao palco nos dias três e quatro de julho, às 21h30, no Coliseu do Porto.