Já terminou o Cumplicidades, o festival que tinha como principal objetivo aproximar a dança a todo o público. Entre espetáculos, uma instalação, workshops e palestras também se promoveram percursos de dança. O Espalha-Factos acompanhou dois percursos onde a dança tem uma forte presença.
Nestes percursos ninguém dançou. Não era esse o objetivo. Nos passeios a jardins e espaços de ensino, Ezequiel Santos, o programador do festival, pretendia mostrar espaços onde já se dançou e onde isso ainda é uma referência. Num primeiro percurso percorremos jardins, num segundo fomos recebidos em escolas onde a dança tem uma forte componente.
A dança nos jardins
Ao longo da sua história, a dança tem procurado conjugar-se com os espaços verdes. Já foram vários os bailarinos a utilizarem a natureza como palco. O Percurso Jardins mostrou um pouco essa realidade.
O passeio iniciou-se no Jardim Botânico. Este era um espaço onde se faziam encontros de dança nos anos 90. O Jardim do Príncipe Real também fez parte da rota, mas a visita foi mais prolongada no Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian. Este espaço guarda a memória do Ballet Gulbenkian com a sala de ensaios no seu subterrâneo ou o auditório exterior onde Anne Teresa De Keersmaeker atuou pela primeira vez em Portugal.
A Tapada da Ajuda já foi palco de coreografias de Madalena Victorino. Por isso, o percurso teve obrigatoriamente de passar por lá. Diário de um Desaparecido filmado em 1992 pela RTP era uma coreografia que se procurava conjugar os corpos dos bailarinos com a natureza.
Os espaços de ensino
Escola Superior de Dança
O Percurso Bairro Alto começou pela Escola Superior de Dança. O objetivo deste passeio era conhecer os espaços de aprendizagem dos bailarinos e entramos mesmo no sítio certo.
A Escola Superior de Dança foi criada em 1983 e deslocou-se em 1993 para a sua atual residência na Rua da Academia das Ciências. A escola está instalada numa antiga empresa metalúrgica e os vestígios são bem visíveis. Com cerca de 200 alunos, a escola foca-se sobretudo no ensino da dança contemporânea. O Cumplicidades deu a oportunidade de tirarmos os sapatos e sentirmos o que é estar num estúdio de dança, de passarmos por salas de musculação, alongamentos, de guarda-roupa ou pelo Gabinete de Massoterapia e sentirmos um ambiente onde se aperfeiçoa a aprendizagem da dança.
Na visita também foi feito um convite. A escola tem um centro de documentação e informação que está acessível a todos e onde entre livros, revistas e vídeos se pode conhecer melhor a dança.
Escola de Música do Conservatório
Ainda nem estamos bem na Rua Caetanos e já ouvimos o som dos instrumentos dos alunos da Escola de Música do Conservatório. A paragem neste edifício é obrigatória. A música e a dança têm uma relação inseparável.
A fachada do edifício anuncia inevitavelmente as recentes manifestações. Os problemas de infiltrações, os tetos a cair e as paredes a ruir obrigaram ao encerramento de 10 salas, que tem condicionado o funcionamento da escola.
Os problemas advêm da necessidade de obras no edifício. A escola tem 180 anos e começou por estar instalada em Benfica. Nos anos 80 do século XIX passa para a Rua dos Caetanos, nomeadamente para um Convento de Frades. As últimas intervenções de fundo remontam aos anos 40 e algumas obras nos anos 60. Agora o edifício ressentiu-se e a Câmara Municipal de Lisboa foi obrigada a encerrar 10 salas.
Depois de marchas e manifestações de alunos, docentes e pais da escola, o Governo anunciou uma verba de 43 000 euros para obras urgentes e a garantia de um projeto para obras de fundo. As obras já começaram nas salas onde os tetos estavam a cair e têm o prazo de 90 dias para estar prontas.
Nesta escola com ensino integrado são visíveis as condições frágeis do edifício. No Salão Nobre, onde no momento ensaiavam dois alunos e já foi sítio de audições, está como foi construído no início do século XX. Mas ainda resta o teto pintado por José Malhoa, nesta que era a antiga igreja do convento.
Só neste ano, devido à falta de espaço, foram canceladas 25 audições e a Biblioteca encontra-se encerrada para que possa servir de sala de aula.
Mas ainda resta muito motivação e alunos que querem aprender música, que será de certeza conciliada com a dança.
O fim do percurso pelo Bairro Alto fez-se até ao Bar Frágil, um local de encontro de bailarinos, e pelo Interpress onde já esteve instalada o Fórum Dança e agora está a Companhia Clara Andermatt.
Nos outros dois percursos promovidos pelo festival, os participantes tiveram a oportunidade de entrar no Teatro da Trindade e na Culturgest ou ainda de recordar a passagem da companhia Ballets Russes de Diaghilev no início do século XX e de visitar espaços de apresentação alternativos para os coreógrafos portugueses dos anos 80.
Fotografia de Beatriz Ferreira