De 25 de fevereiro a 1 de março, a poesia de Alexandre O´Neill enche o palco do Teatro São Luiz. João Reis e Ana Nave percorrem as palavras de um dos maiores poetas portugueses do século XX em Portugal, Meu Remorso.
Já há algum tempo que Ana Nave e João Reis tinham o desejo de fazer uma peça com poesia de O´Neill. Os dois atores tiram agora o projeto da gaveta com ajuda de Maria Antónia Oliveira, responsável pela dramaturgia. Em catorze momentos, são representados vários poemas, crónicas e prosa de O´Neill.
Numa peça em que todos os textos são de O´Neill, João Reis esclarece que, “o objetivo não é tanto o culto da personalidade, mas da obra.” A sua “vidinha”, os seus amores, a relação conflituosa com Portugal e as palavras são algumas das abordagens em palco.
A palavra acaba por dominar ao longo da peça. As folha de papel no chão ou os vídeos construídos por Patrícia Sequeira e Duarte Elvas estão em cena para destacar a palavra de O´Neill.
Para Ana Nave, a palavra em palco fala claramente para o público português. Os poemas de O´Neill têm algo que só a nossa alma lusitana compreende. “Só nós, portugueses, é que percebemos este sentimento, esta sátira, este amor e esta ironia. É um código nosso. É genético e por isso também a atualidade do Alexandre O´Neill, que nós hoje interpretamos, conseguimos encontrar na poesia e na prosa dele.”
Portugal, Meu Remorso não é um espetáculo de teatro convencional. Não existem personagens, não existe uma narrativa, existem as vozes de O´Neill nos seus poemas. João Reis revela que este tipo de processo em teatro é mais demorado, mas muito mais desafiante. A cumplicidade com Ana Nave tornou a construção da peça mais fácil. Os dois partilham o gosto pela poesia de O´Neill e o seu espírito de liberdade. Para a atriz, “criar este espetáculo foi também exercer um pouco da liberdade que o O´Neill procurava expressar na sua poesia e na sua prosa”. João Reis também se arrisca a nomeá-lo como “uma espécie de cavaleiro solitário. ” O´Neill andava em busca de uma liberdade em si e no mundo, que o distanciou do próprio movimento literário em que participava, o surrealismo.
Dois atores da mesma geração juntam-se e relembram as palavras de um poeta muito incompreendido no seu tempo. Esta é também uma tentativa de anular o esquecimento de alguém que marcou o século XX. Por isso, lançam-se palavras de um “Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo“, segundo a análise de um O´Neill ora mais irónico ora mais emotivo.
Em Portugal, Meu Remorso fala-se do quotidiano em forma de poesia. A simplicidade é a principal característica na exposição das palavras. Não há grandes exageros na expressividade e nos movimentos. Se O’Neill fala d’ “Este país do monólogo/ Do fala-só“, João Reis e Ana Nave criam uma peça onde a interação e a comunicação entre os dois é fundamental.
Em palco, os dois atores transformam-se num O´Neill que fala para um Portugal que nunca chegou a ouvir as suas palavras com muita atenção. Vai ter essa oportunidade nos próximos dias no São Luiz.
Fotografias de José Frade