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Sveva-Casati

Autor do Mês de fevereiro: ‘Mister Gregory’

Mister Gregory é o primeiro romance de Sveva Casati Modignani com um protagonista masculino; contudo, continua impregnado de força feminina, embora seja sobre a vida de Gregorio Caccialupi, um homem de 85 anos, “complexo, terno e fiel aos seus princípios, sedutor, esquivo e sempre irresistível”.

Gregorio passou a sua infância no Delta do Pó, uma pequena localidade italiana, cujo principal meio de subsistência reside na agricultura. Pobre, mas relativamente feliz, nunca pensou ver a sua vida a desmoronar-se. No entanto, após o diagnóstico de tuberculose à sua mãe e o seu internamento no Hospital de Ferrante Josti, que a levou a afastar-se da sua família, o pequeno Caccialupi prometeu a si próprio que um dia seria rico.

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A história de como Gregorio se tornou Mister Gregory, o dono de uma cadeia de hóteis por toda a Itália (e como, subitamente, acabou por perder toda a sua fortuna) é contada através de diferentes retrospectivas, sem qualquer ordem cronológica. Aliás, a narrativa começa na Casa de Repouso Stella Mundi, na província de Breschia, e leva-nos de seguida ao Grand Hotel Delta Continental, o primeiro hotel que o protagonista adquiriu no fim da II Guerra Mundial e onde celebra todos os anos o seu aniversário, a quatro de outubro, com uma companhia muito especial.

“Constatou com prazer que nada mudara naquela sala. Ainda havia os pequenos divãs e as poltronas de fins de século XIX, com as almofadas de penas de ganso e, nas paredes, as preciosas gravuras que reproduziam a Milão de outros tempos.”

Para se compreender Gregorio, é importante falar sobre a sua mãe. Isola era uma mulher muito bonita, de traços aristocráticos, que não pertencia ao campo, o que ficou provado depois de adoecer e se deixar conquistar por um mundo diferente. É por causa deste acontecimento que o seu filho jura conhecer o que há além do Delta e, sendo a origem da promessa, a sua mãe não deixa de o acompanhar em memória ao longo de toda a sua jornada, mesmo nos relacionamentos que vem a ter. Penso que se aborda um pouco o complexo de Édipo, uma vez que Caccialupi se sente como que apaixonado pela sua mãe e acaba por a procurar em todas as mulheres com quem se envolve amorosamente. Contudo, é muito interessante acompanhá-lo nas suas aventuras: no primeiro emprego, nos trabalhos que fez a seguir, na sua primeira aquisição e, claro, nas suas paixões – o seu primeiro amor, Florencia, uma mexicana de 16 anos, que volta a encontrar anos mais tarde em condições inconvenientes; outros amores fugazes ou platónicos, como Peppina Ruotolo, uma imigrante napolitana, e Mena da Pizzaria Bela Napoli; a sua primeira e única mulher; e o seu último e derradeiro amor. Uma história de vida recheada de vicissitudes, mas também muitos sucessos.

“Quantas tinha ele amado? Quem se lembra?, pensou. Eram atrizes, bailarinas, secretárias, jornalistas… tentava sempre evitar mulher casadas. «Não desejar a mulher do próximo» era a recomendação que lhe ficara da infância, quando lhe tinham levado aquela que lhe era mais querida.”

A relação de Greg com Don Salvatore Matranga constitui um dos pontos mais interessantes deste romance. Primeiro, porque a história de Matranga nos permite conhecer um pouco da Lei Seca. Depois porque faz lembrar a máfia italiana (e somos quase reportados para o fascinante universo d’O Padrinho), onde existe um sentimento de união familiar muito grande. Além disso, a entrada em cena de Nostalgia é também relevante e fonte de entretenimento, uma vez que a miúda de sobrancelhas negras e fartas, é sem dúvida das mulheres mais determinadas de todo o livro, embora seja por vezes um pouco infantil, o que de certa forma até lhe acrescenta uma certa graça. Penso que a passagem em que a jovem Gia afirma ser como as florzinhas frágeis mas obstinadas que, mesmo quando as pisam, levantam a cabecinha, é qualquer coisa de memorável.

Em resumo, é a história de um homem excecional contada por uma escritora exímia, que nunca se esquece das mulheres lutadoras, porque, afinal, por detrás de um grande homem, está sempre uma grande mulher. Sobre o poder do sonho, a força do amor e a importância de nunca desistir, mesmo quando já se tem 85 anos e tudo parece ter-se perdido.

Para os curiosos, a Porto Editora disponibiliza as primeiras 16 páginas aqui.