A última obra lançada da saga A Song of Ice and Fire reintroduz muitas das personagens de que o leitor sentiu falta em A Feast for Crows, bem como introduz o ponto de vista de muitas outras. A quinta parte da história de George R. R. Martin apresentou uma narrativa complexa, embora um pouco complicada de acompanhar em certos pontos, encerrando ainda assim com a promessa de muitos pontos de viragem na história.
(Aviso: esta crítica poderá conter spoilers, seja para os livros, seja para a série televisiva produzida pela HBO)
Em A Dance With Dragons (em Portugal: A Dança dos Dragões + Os Reinos do Caos) a ação debruça-se sobre as personagens que não apareceram anteriormente e ainda nos apresenta a novas personagens. Na segunda parte desta obra muitos personagens de A Feast for Crows voltam a reaparecer. Fazer uma crítica a esta obra em particular levou-me muito tempo de elaborar, visto que quando terminei de ler, existia muito a refletir e muito para digerir.
Uma das qualidades e defeitos da obra é o facto de esta acompanhar o ponto de vista de várias personagens, mais especificamente de dezasseis. Por um lado, isto introduz-nos a novos pontos de vista, permite-nos conhecer novas personagens e ainda permite que saibamos o percurso de outras personagens relevantes que não têm capítulos individuais ao longo da narrativa. Por outro lado tal torna a narrativa mais complicada de acompanhar e introduz personagens que, no fundo, poderão não ter grande importância para a narrativa principal.
As personagens cujas histórias são das mais relevantes desta narrativa são Jon, Daenerys e Tyrion. Os dois primeiros encontram-se em posições delicadas descobrindo que ser líder não equivale a ser amado e que existem tradições e mentalidades que não são facilmente mudadas.

Jon, agora líder da Night’s Watch, tenta criar uma trégua entre os selvagens e os seus irmãos de modo a que estes lutem contra o inimigo comum: os Outros. Ao mesmo tempo o jovem tenta-se manter o mais neutro possível no que toca a assuntos do reino, contudo a presença de Stannis na muralha começa a colocar a neutralidade da Muralha em causa. No seu último capítulo, ao fim de muitas controvérsias que arranjou enquanto líder da patrulha, ele aparentemente é esfaqueado até à morte por três dos seus irmãos numa cena que, pessoalmente, me apanhou de surpresa. Acho que neste livro Jon sentiu realmente o peso de estar numa posição de liderança, bem como, perto do fim, começa cada vez mais a ser empurrado para conflitos que, tendo em conta o seu juramento, não deveriam ser da sua conta.
Daenerys neste livro vê-se completamente tramada (isto é dizer pouco) a governar Mereen. Para mim foi bom finalmente ver esta personagem a ser empurrada para uma situação da qual ela não consegue sair com um golpe de sorte. Ela vê-se confrontada com os inimigos que pilhou e deixou para trás em Astapor e Yunkai, vê-se ameaçada com a possibilidade de uma guerra civil, uma doença começa a erradicar uma boa parte do seu povo e os seus dragões estão cada vez mais descontrolados. Isto faz com que ela se sinta cada vez mais sozinha, apesar de estar rodeada de pessoas que querem o melhor para ela. A meu ver, o que aconteceu com Dany na arena de Daznak poderá provocar nela uma grande mudança, especialmente tendo em conta o facto de que ela domou Drogon após este ter interrompido uma série de lutas bastante gráficas numa arena de Mereen. O que fará a khalessi a seguir? Resta-nos esperar para ver.

Tyrion foi, mais uma vez, a minha personagem favorita de todo o livro. Na primeira parte da sua história o anão, devastado pelas suas ações antes de abandonar King’s Landing, embarca numa viagem para encontrar Daenerys Targaryen. Durante a sua viagem Tyrion recorda-se da sua vida anterior ao mesmo tempo que lida com o facto de ter assassinado o seu pai, bem como com a memória de Tysha, sua anterior esposa. Pelo caminho descobre que Aegon Targaryen (filho de Rhagar Targaryen e Elia Martell, presumidamente morto durante a rebelião de Robert) está vivo e tenciona reclamar o trono de ferro que lhe pertence por direito. Entretanto o caminho do anão funde-se com o de Jorah Mormont, bem como com o de uma anã de nome Penny. A jovem é uma personagem muito similar ao Duende (não só em tamanho), no entanto muito diferente ao mesmo tempo. A relação dos dois é interessante, visto que mostra um contraste entre a inocência dela e o realismo de Tyrion; apesar disso, eu não vejo Penny a ter um papel particularmente relevante na história. A dada altura, apesar de Tyrion ser atirado para uma posição mais frágil ao ser vendido como escravo a determinada altura, no final vemos que o anão ainda tem em si a capacidade de jogar o jogo a seu favor.

Duas outras personagens que mereceram a minha atenção foram Theon Greyjoy e Quentyn Martell. Voltar a ver Theon ao fim de dois livros foi um choque: a sua tortura às mãos do bastardo Ramsay deixou-lhe marcas físicas (dedos arrancados, cabelo branco, cheiro nauseabundo) e psicológicas, a ponto de se ter esquecido do seu próprio nome. Ou seja, vi um homem completamente quebrado. Muitos dos capítulos desta personagem passam-se em Winterfell e à medida que Theon começa aos poucos a lembrar-se de quem é, sentimos os remorsos que o assombram por ter traído e destruído a vida daqueles que o acolheram como família. Apesar de estar claramente amedrontado em todos os seus capítulos, Theon acaba por conseguir escapar das garras de Ramsay, levando consigo Jeyne Pool (uma amiga de Sansa Stark, que sob a falsa identidade de “Arya Stark” é obrigada a casar com Ramsay) reencontrando-se com a sua irmã Asha.
Relativamente a Quentyn Martell, depois de ver a forma como a sua irmã mais velha Arianne Martell o referia no livro anterior, esperava encontrar uma personagem mais forte e mais inteligente do que aquilo que me foi apresentado. Não é que não tenha gostado desta personagem, contudo esperava mais dele, tendo em conta o sucesso da sua missão de chegar a Daenerys. Os seus dois últimos capítulos mostram-no envolvido num plano seu que envolve tentar domar os dragões de Dany (visto que, aparentemente, os Martell da sua linhagem têm em si parte do sangue Targaryen); conforme esperado o seu plano corre horrivelmente mal, e o jovem acaba queimado vivo pelos dragões, que depois lançam o caos numa Mereen já cheia de conflitos.

Quanto às outras personagens algumas relevantes na história não têm muitos capítulos (Arya só tem dois, Jaime só tem um, Cercei tem dois, Bran só tem três, etc.). Entretanto, de repente, na narrativa surgem os pontos de vista de personagens tais como Sor Barristan, Jon Connington, Melisandre, entre outros. Apesar de não serem personagens aborrecidas, não achei que acrescentassem muito à história, alguns deles servindo como um pretexto para acompanhar o ponto de vista de outras personagens ou eventos em determinados locais (por exemplo, o percurso de Stannis a uma altura é contado do ponto de vista de Asha Greyjoy; Barristan coloca-nos a par do que se passa em Mereen após o incidente na arena com Daenerys, etc.).
Referirei brevemente o percurso de algumas personagens que a meu ver mereciam mais “tempo de antena” nesta narrativa: Arya continua a aprender a ser uma assassina na House of Black and White e faz um progresso notável; Bran já chegou ao Corvo de Três Olhos e começa a aprender e a explorar novos poderes; Jaime poderá ser capaz de estar cara-a-cara com Lady Stoneheart (ou Catelyn Tully) no próximo livro; Daavos vai a caminho de Skaagos para encontrar Rickon Stark e Victarion Greyjoy está a caminho de Mereen para encontrar Daenerys e desposá-la em vez do seu irmão Euron.

Não poderia fazer uma crítica a este livro sem referir este momento em particular. A caminhada de Cercei pelas ruas de King’s Landing foi dos momentos mais poderosos que li ao longo desta narrativa. A personagem arrogante que conhecemos melhor em A Feast for Crows é humilhada e completamente quebrada ao ser obrigada a percorrer as ruas do reino completamente nua como forma de ser perdoada pelos pecados que confessou. A rainha regente sentiu-se completamente desprotegida e humilhada pelo povo, quebrando eventualmente. Tal deixou-me, por um lado com pena, por outro satisfeita pelo golpe que esta situação teve no seu ego arrogante.
Creio que a frase “o melhor fica para o fim” se aplica bem no caso deste livro. De facto foram os últimos capítulos que nos deixam chocados e num verdadeiro cliffhanger até ao próximo livro: além da “morte” de Jon Snow, do caos que prevalece em Mereen, e de vários confrontos que estarão para acontecer, há que dar destaque ao assassinato de Kevan Lannister por Varys, a Aranha. Num reino onde crescem as tensões entre várias casas que cada vez mais desconfiam umas das outras a morte de outro dos patriarcas da família Lannister promete fazer rebentar uma bomba cujo fuso apenas precisava de ser aceso.
A Dance with Dragons não é tão fácil de ler como os três primeiros livros, apesar de ser mais interessante do que o quarto livro. Certamente trouxe mais ação do que A Feast for Crows, contudo, acho que muitas personagens não mereciam o “tempo de antena” que tiveram, outras simplesmente mereciam maior destaque, mas não o tiveram. O melhor deste livro chega perto do fim com uma série de cenas que deixam o leitor com um grande “cliffhanger”. Agora resta-me esperar que os ventos do inverno se apressem a chegar.
Nota final: 8/10