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Birdman: Um Artista em Decadência

O novo filme do mexicano Alejandro González Iñárritu chegou esta semana às salas de cinema portuguesas. Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) é já a obra com o maior e mais peculiar título do ano, e desta vez a capa do livro não engana: Birdman é também uma das mais peculiares e magníficas obras do cinema de 2015.

Birdman é uma comédia de humor negro que conta a história de um ator, famoso por ter interpretado um super-herói icónico, e que agora planeia uma aproximação a Broadway e montar uma peça de teatro, numa tentativa de recuperar os seus tempos de glória. Nos dias que antecedem a noite de abertura, o ator – Riggan Thomson (Michael Keaton) – luta contra o seu ego e tenta recuperar a sua família, a sua carreira, e a si próprio.

Birdman é uma obra completíssima. Uma obra que nos fala de uma infame peça de teatro, de um devaneio mediático e apresenta-se ainda como mentalmente esquizofrénica. Uma caracterização aparentemente absurda, mas só assim, recorrendo então a este jogo de palavras que parecem soltas ao acaso e sujeitas ao mero fado do aleatório, é que podemos introduzir um filme deste calibre.

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Alejandro González Iñarritu – realizador de obras bastante familiares como Babel e Biutiful – alia-se a Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris e Armando Bo e entregam-nos um dos mais inteligentes e originais argumentos do ano (quiçá mesmo da década). Um filme que aborda toda uma palete de temáticas e mixórdia, mas que nunca dispersa o suficiente para que se percam pelo caminho o desenvolvimento das personagens e até da narrativa, que vai mantendo sempre uma certa linearidade. Um filme que claramente nos quer transmitir certas mensagens acompanhadas de uma moral, mas que nunca é pretensioso ao fazê-lo.

Aliás, esta linearidade que falamos ajuda bastante a película de Alejandro, já que ao se propor a tratar temas tão pesados – como a atual escravatura do sujeito que se encontra constantemente agrilhoada à ideia da representação de um “eu aos olhos do outro” e à procura incessante dos efémeros momentos de viralidade – a linearidade da narrativa ajuda com que a mensagem chegue ao espetador, até àquele menos aberto a um certo tipo de cinema que se assume como anti-blockbuster e quase como uma paródia do género de super-herói que atualmente tem estado tão em voga no seio de Hollywood.

E é aqui, nesta forma simples mas eficaz de criticar, que o filme brilha. E que luz sai de Birdman! Primeiramente temos toda a exploração de um tema tão polarizador no seio da cultura norte-americana, o desrespeito da Broadway pelo que se faz por Hollywood e com isto, toda uma rivalidade entre Nova Iorque e Los Angeles. Uns vistos como snobs, outros como vis criaturas que anseiam por fama e dinheiro. De qualquer das formas, essas duas realidades vieram-se materializar e colidir na personagem de Michael Keaton, Riggan Thomson. E esta personagem não podia estar mais bem escrita e encarnada para este tema. Riggan revela-se, desde logo, um enorme egocêntrico atormentado pela fama e pela vontade enorme de criar arte num dos palcos mais exigentes de sempre: o teatro.

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E aqui temos, em Riggan Thomson, materializando todos os medos, angustias e lamurias da vida de um ator em decadência na atualidade. A asfixiante procura de relevância, nem que seja por um vídeo de YouTube que marca um milhão de visualizações por ter andado de cuecas em plena Times Square. O enorme peso de querer agradar os críticos, até aqueles mais odiosos, a demanda pela arte que pelo caminho é mais uma aventura para homenagear o seu próprio ego. Este rodopio de emoções e frustrações é completamente transmitido para o espetador com este filme. Desde a banda-sonora ruidosa e desconcertante aos gritos de Keaton no camarim, passando pelas voice off de uma criatura mítica sobrenatural que não passa mais do que vozes dentro da cabeça de Riggan.

É este aproveitar da narrativa e do argumento para fazer da mais pequena cena uma cena de sátira e crítica que faz de Birdman um dos melhores meta-filmes dos últimos tempos. Arte a falar de arte e do estado da arte na cultura em geral. E nisso, nas entre linhas, aproveita para fazer uma crítica a todos nós e à forma como as vivências dos momentos estão a acabar para serem substituídas por vivências virtuais pelo ecrã do telemóvel.

Agora ao nível das representações. Birdman é realmente extraordinário. Reúne nele três das melhores performances da mais recente Award Season e são eles, e a sua interação, que fazem com que este filme resulte. Primeiro, claro, temos a destacar Michael Keaton, ator principal que há muito não nos presenteava com tamanha performance e, continuando com o mesmo registo de conversa, temos Edward Norton. Ator secundário que roubou todas as cenas em que entrou. Norton está fantástico e deveria aproveitar este momento da sua carreira para se lançar, de cabeça, para papeis como este em produções como esta. Já o elemento mais novo e inexperiente deste trio, Emma Stone, entrega-nos – sem espaço para quaisquer dúvidas – a sua melhor performance até hoje realizada. A atriz brilha como Sam e finalmente dá provas de que não passa apenas de uma cómica atriz condenada a reinar em blockbusters e comédias menores como Zombieland e Easy A.

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Depois temos a parte técnica que complementa tudo o que foi dito anteriormente. Desde o som à imagem, a ideia de um rodopio constante, de uma asfixia e crescer de tensão são iminentes e recorrentes em toda a duração da película. O trabalho de montagem é fenomenal porque, aos olhos de todos nós, tudo parece ter sido feito num único plano sequência. Sim, acreditem, mais de 119 minutos num único plano sequência! Claro está, que isso não passa de uma pequena mentira criada por um dispositivo de ilusão chamado montagem. Mas este não cortar de cenas, este movimento constante da câmara aliado à frenética e caótica música, cria toda uma ambiência tão especial e única a Birdman. Uma ambiência própria que prepara o espetador para tudo o que se seguirá.

Em suma, começamos 2015 com o pé direito. Um dos favoritos aos Oscars, incluindo o de melhor filme, batalhando-o ferozmente com Boyhood. Birdman é uma grande surpresa no panorama atual cinematográfico e é uma sátira brilhante que estreou precisamente numa altura em que a sátira e o direito de as fazer foi posto em causa da pior forma. Birdman é um grande filme, o meta-cinema está vivo, a arte também e a liberdade artística nunca deveria ser posta em causa.

9/10

Ficha Técnica:

Título: Birdman : or (The Unexpected Virtue of Ignorance)

Realizador: Alejandro González Iñárritu

Argumento: Alejandro González Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris e Armando Bo

Elenco: Michael Keaton, Edward Norton, Emma Stone, Zach Galifianakis, Naomi Watts

Género: Comédia, Drama

Duração: 119 minutos