Premido a fundo o botão reset, Homeland regressa para a sua quarta temporada como uma sombra do que foi nos seus primeiros dois anos e nos poderosos episódios finais da terceira season: um thriller psicológico sem travões suportado no cruzamento entre as mentes e contextos caóticos de Nicholas Brody e Carrie Mathison. Os criadores optaram, bem, por colocar, de forma sistemática, ambos em situações-limite, arriscando com isso um prazo de validade encurtado para a existência dos dois e da própria série enquanto televisão essencial.
A possibilidade narrativa de Brody abeirou-se do fim quando, no término da segunda temporada, a sua reputação ficou irreversivelmente destruída e se tornou um homem em fuga, distante dos principais acontecimentos ficcionais. Há 12 meses, Homeland recomeçou como uma série algo absente. Havia Carrie e Saul para doze episódios, mas não havia matéria suficiente para Brody. Por conseguinte, a sensação omnipresente foi a de que este se arrastou em círculos até que a outra linha de enredo o pudesse alcançar e envolver. Tudo a pensar num terceiro terço de temporada explosivo e comovente, num grande acto de redenção pré-morte, desvalorizando na cabeça dos espectadores um set-up demasiado longo. Uma tentativa em parte bem-sucedida, não fosse o facto de a série se ter esquivado ao seu próprio adeus em dezembro passado, voltando a cometer o mesmo vício.
Nos dois primeiros episódios do seu quarto ano, Homeland sabe a um epílogo mental, como se alguém tivesse desligado a televisão após o desaparecimento definitivo da série e acompanhássemos agora a nossa própria imaginação do seu futuro. Uma imaginação a partir de um enredo esgotado e de mentes (99% delas) não pertencentes a argumentistas brilhantes.
Há algum tempo, os criadores afirmavam que um dos atributos-chave de Homeland é o ritmo frenético e antecipado dos acontecimentos – sem quebras de inteligência – para contrariar uma certa previsibilidade inescapável. Agora parecem faltar ideias novas, quantidade suficiente delas para saltar de ação em ação de forma vantajosa. O caráter mimético, não sobrenatural, deixa pouco espaço para um twist que vire do avesso o tabuleiro do jogo.
A solução poderá passar por sangue fresco de peso no elenco – a introdução de Quinn, uma das melhores personagens, na segunda temporada serve de paradigma. A estreia de Sandy Bachman (Corey Stoll) no primeiro episódio desta quarta temporada apontava para essa possibilidade, porém a personagem sobreviveu uns breves 40 minutos – num dos tais atos de velocidade vertiginosa aludidos atrás. Apesar de o tom negativo (relacionado com o alto padrão qualitativo a que nos habituou), a série continua a ser competente com fogachos de excelência.
Que Homeland humanize mais uma vez o Médio Oriente através da introdução de uma personagem local com bom-senso – o sobrinho do terrorista Haissam Haqqani -, é demonstrativo da consciência social patente na série, assim como o impacto viral do YouTube no universo ficcional é um detalhe que reforça a verosimilhança e a quarta parede.
De qualquer modo, é em Carrie (através da sempre soberba Claire Danes) que este par de episódios encontra a sua alma. A protagonista surge mais sombria que nunca, ordenando o ataque com drones que leva à morte de 40 civis e exprimindo insensibilidade ao saber da consequência dos seus atos. A cena final do primeiro episódio em que, ao ver-se no espelho, limpa sangue da face e coloca baton é um modo de nos dizer que a personagem está diferente ou que, pelo menos, quer aparentar estar diferente.
O segundo episódio reitera a transformação e expõe claramente a causa da mesma. Quando Carrie tenta afogar a bebé na banheira, depois de viajar com ela até à antiga casa de Brody e de enunciar que ainda não o esqueceu, quer apagar o maior souvenir da sua dor. A filha viva é a maior recordação do seu falecido amado. É um empecilho no seu trabalho, a droga em que, desde sempre, entorpece a mágoa. O seu sentido moral, antes vincado, está mais ausente na precisa altura em que Quinn (num intrigante estado de stress pós-traumático) e Saul (descontente com o comercialismo do setor privado em que agora trabalha) o elevam, por isso a balança de Homeland persiste equilibrada, cinzenta.
Fazer-nos sentir que ainda não conhecemos a personagem principal, fazer-nos duvidar dela, é uma bela e aberta jogada. O seu “I’m fine” em repetição no fecho do segundo episódio é a mentira que quer repetir até à verdade, a persona que quer vestir para os outros. Carrie é um avião solista no escuro, pena imensa que seja guiada por uma série em piloto automático.
Notas:
–The Drone Queen: 7/10
–Trylon And Perisphere: 7/10