Já tínhamos saudades. Depois de um 2013 que só poderá ficar para a história como um autêntico annus horribilis, devido à total ausência de sinais de vida musical de um B Fachada então dedicado exclusivamente à paternidade, eis que nos vemos, finalmente, perante um novo álbum do cantautor. O registo é, como mandam as obscuras leis que regulam a mente do artista, homónimo, e apareceu assim, de repente e sem aviso, nas malhas da internet na manhã do dia 29 de Julho, para gáudio dos fãs do barbudo trovador.
E se provas faltassem para justificar esse mesmo gáudio, o mês e meio que passámos a ouvir exaustivamente (e quase exclusivamente) as canções deste B Fachada versão 2014 deveria servir para atestar a qualidade soberba do mesmo. É que este disco não só cala os possíveis cépticos dos talentos deste Fachada pós-sabático, ao afirmar-se como um sucessor de pleno direito da linhagem de LPs e EPs criada pelo português entre 2007 e 2012, como também se atreve a ser, avançamos já nós, uma das suas melhores obras até ao momento e um dos grandes discos deste ano.
E fá-lo dando um passo em frente na direcção traçada por Criôlo, disco do Verão de 2012 que pôs meio Portugal (ok, talvez um pouco menos) a bailar com a sua pop de dança feita de sintetizadores escorregadios e ritmos quentes e suados vindos dos trópicos de além-mar. Neste B Fachada reencontramos esse lado mais festivo (e, quiçá, mais acessível) do cantautor, com as seis canções que compõem este LP a demonstrarem uma forte apetência para a pista de dança e para a farra até altas horas da noite.
Contudo, se em Criôlo eram os sintetizadores e as caixas de ritmos a ditar, de forma quase despótica, o rumo das canções, neste novo disco são os samples, “roubados” a clássicos da música nacional (Zeca Afonso e Vitorino, por exemplo, passam por aqui), que se assumem como actores principais; a forma como Fachada, qual dj, recorta, desconstrói e reconstrói estes pequenos pedaços analógicos da cultura pop portuguesa para formar a espinha dorsal destas composições cria um constante, e deliciosamente esquizóide, diálogo com a tradição e o passado, ao mesmo tempo que desenvolve uma sonoridade completamente virada para o futuro.
Nas letras, porém, não encontramos surpresa nenhuma; seja a versar sobre o zeitgeist cá do burgo das tourigas nacionais e das tragédias académicas à beira-mar, ou a caricaturar os colonialismos e os Tarrafais mal resolvidos e o Portugal das putas e do vinho verde, Fachada mantém toda a sua genialidade e reafirma-se enquanto letrista de excepção do panorama musical português, ao mesmo tempo que, com um impressionante confessionismo, acrescenta mais uns pós à sua mística “autobiográfica”, deixando, ainda assim, espaços suficientes para que continue a ser impossível distinguir o Bernardo (autor) do B (personagem).
E sobre os pontos altos do disco, o que dizer? Pois bem, a verdade é que é difícil encontrar uma falha que seja em qualquer uma das seis faixas deste B Fachada. Desde a música de feira e carrinhos de choque em esteróides de Dá mais música à bófia ao tripanço perfeito de 5 minutos de surrealismos de arredar as cadeiras e as mesas e dançar como se a nossa vida dependesse disso de Pifarinho, passando pela terna e respeitosa hommage a Zeca de Já o tempo se habitua e pelo meio sexual meio dançante hipnotismo de Crus, todas as canções foram feitas por medida e encaixam de forma perfeita no alinhamento.
Teclados do chinês, samples esquizofrénicos e sirenes tresloucadas, tudo cabe na synthpop com cheiros afro-tropicais deste B Fachada, álbum que, sendo de Verão, foi feito para nos enfeitiçar os ouvidos e as ancas durante o ano inteiro. Se dúvidas restassem da genialidade de B Fachada, este 13.º registo de originais só vem confirmar que estamos perante um dos grandes nomes da música feita nesta ocidental praia lusitana, digno descendente de uma linhagem onde estão Zeca, Zé Mário, Fausto, Godinho ou Variações. E este disco, não sendo o mais audacioso do cantautor (porque para isso sempre teremos o FMI do séc. XXI de Deus, Pátria e Família), é corajoso o suficiente para reclamar por inteiro essa herança. Habemus Fachada.
Nota final: 9.5/10
*Este artigo foi escrito, por opção do autor, segundo as normas do Acordo Ortográfico de 1945.