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MUVI Lisboa'14 - (re)ver os vencedores e dizer adeus a um festival que (en)cantou

MUVI Lisboa’14 – muitos videoclips, duas biografias e um concerto fantástico

No segundo dia do MUVI Lisboa’14 houve uma notória melhoria na qualidade dos filmes que passaram pelo Cinema São Jorge, bem como a estreia da secção Canções Com Gente Dentro, onde o público pode assistir a videoclips fantásticos. A noite terminou com um excelente concerto do português David Santos, conhecido no mundo da música por Noiserv.

Canções Com Gente Dentro

Foram 19 os vídeos musicais que compuseram a primeira sessão da competição Canções Com Gente Dentro, todos eles realizados e/ou interpretados por artistas portugueses.

Alguns dos videoclips apresentados são até melhores que a música em si, servindo esta quase como um pano de fundo para uma curta-metragem. Night Drive dos Quest e Barba dos Pernas de Alicate são esses casos. O primeiro faz lembrar até um filme muito minimalista com uma música soft (que nem é nada de especial…) de fundo, enquanto que o segundo até tem uma melodia interessante, mas a história da rapariga do vídeo acaba por prender mais a atenção. Mas podemos ainda observar o contrário noutros temas, em que a canção da banda/artista não tem um videoclip que lhe faça jus. Poeta Falhado de Expeão e Pobre e Rico dos Batida são músicas excelentes, embora tenham estilos totalmente diferentes, mas cujas imagens que lhes dão vida não passam do mediano.

Os melhores trabalhos apresentados no Canções Com Gente Dentro de ontem, que aliaram um bom tema a um bom vídeo musical, acabaram por ser Zenith dos La FlagThis is maybe the place where trains are going to sleep at night de Noiserv, Belong dos Les Crazy CoconutsLittle Secret dos Stereoboy & Emmy Curl. Zenith é uma música instrumental de heavy metal que com os seus incríveis riffs conta a história de uma bailarina com uma personalidade obscura. Já This is maybe the place… acaba por ser um videoclip mais pessoal de Noiserv, já que este se filma sozinho a tocar os vários instrumentos que compõem a canção. Belong foi um verdadeiro momento de comic relief na sessão, graças a um pequeno filme muito divertido recheado de um humor non-sense e a interpretação eletrizante dos Les Crazy Coconuts. Mas o melhor de todos os trabalhos apresentados foi mesmo Little Secret, realizado por Mário Costa, onde as personagens principais do vídeo são… manequins, que sem qualquer movimento ou expressão facial contam uma pequena e engraçada história (que pode ser interpretada de várias maneiras).

Houve também espaço para música de intervenção, por parte dos TV Rural e Mão Morta. Os primeiros fizeram-se representar pelo tema Eles deram as mãos, uma melodia calma mas muito eficaz que apresenta uma espécie de documentário sobre manifestações como videoclip. Já os segundos tiveram o vídeo musical mais radical do dia, onde Adolfo Luxúria Canibal vai disparando sobre um padre, um banqueiro, uma advogada, uma deputada e uma residente no Palácio de Belém, ao som do desconcertante e apropriado tema Horas de Matar.

Little Secret

Oblivion – Paulo Segadães e Paulo Furtado (2014)

Antes do documentário sobre a vida e obra do músico português José Mário Branco, a Sala Manoel de Oliveira teve a oportunidade de ver uma curta metragem com pouco mais de dez minutos. Realizado por Paulo Segadães e Paulo Furtado, Oblivion é um pequeno filme magnífico, um verdadeiro espetáculo de luz e som, que conta a história de dois supostos ex-amantes que se perseguem e são perseguidos pelo fantasma do outro. Tem duas interpretações muito interessantes de Iris Cayatte e do próprio Furtado, que em Oblivion veste a pele do seu alter ego The Legendary Tigerman, e uma fotografia e realização estupendas, que, desde as cenas a preto e branco mais intimistas, às perseguições coloridas e explosivas a alta velocidade na estrada vão elevando a curta a um nível de excelência. E não podia faltar a grande banda sonora composta por Paulo Furtado, que assenta que nem uma luva em cada momento de Oblivion. Fantástico.

Nota – 10/10

Oblivion

Mudar de Vida: José Mário Branco, vida e obra – Nelson Guerreiro e Pedro Fidalgo (2012)

O documentário independente foi realizado há já dois anos e retrata a vida do músico português José Mário Branco, entrevistando não só o criador de temas como Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades e A Cantiga é Uma Arma mas também alguns dos nomes que o acompanharam ao longo da sua carreira.

Mudar de Vida está dividido em duas partes. A primeira conta como foi a vida de José Mário Branco na sua infância, adolescência e nos anos de exílio em Paris, com o auxílio de imagens de arquivo e canções que o músico compôs na altura. O testemunho, na primeira pessoa, do cantor português é cativante, pois conta como se apercebeu das atrocidades da ditadura e das ligações que a sua igreja católica tinha com ela. Depois disso tornou-se adepto do Partido Comunista (que o próprio referiu como uma “mudança de igreja“) e viu-se obrigado a sair do país, acabando por emigrar para França. Aí, começou a compor vários temas de intervenção e conheceu nomes como Luís Cília. Os vídeos antigos, alguns a preto e branco, que se recuperaram para o documentário são muito bem aproveitados, ao apresentarem o quotidiano dos portugueses em Paris e a forma como José Mário Branco ganhava inspiração para alguns dos seus grandes êxitos.

Já o segundo segmento do filme regista o pós-25 de abril e como José Mário Branco regressou a Portugal e ingressou no mundo do teatro, cinema e política. Seguindo mais de perto os passos que o músico tomou, os realizadores Nelson Guerreiro e Pedro Fidalgo entraram no seu lar e conseguem captar bem a (grande) personalidade que este tem, com muitos momentos nostálgicos, emotivos e por vezes até cómicos. Enquanto iam registando a vida e obra de José Mário Branco, os co-realizadores aproveitaram também para mostrar a evolução de Portugal na segunda metade do século XX, já que o músico viveu sempre de muito perto os momentos mais importantes desta altura. Mudar de Vida: José Mário Branco, vida e obra é portanto um documentário muito bem conseguido, que o grande cantor português já merecia e que é aconselhável àqueles que quiserem (re)descobrir a vida, a obra e o seu tempo.

Nota – 8/10

Boa e Velha Freda (Good Ol’ Freda) – Ryan White (2013)

Sem dúvida o filme mais esperado do dia (quiçá do festival) que andava na boca de muitas pessoas que iam passando pelo São Jorge. Boa e Velha Freda é um documentário sobre os 11 anos em que Freda Kelly foi secretária dos The Beatles.

Agora com quase 70 anos, Freda conta como foram os anos que passou com a maior banda de sempre, uma ideia que partiu da própria de modo a honrar o falecido filho que nunca ouviu a história e mostrar ao neto que a sua avó viveu grandes momentos na vida. O primeiro contacto que teve com os Beatles foi ainda na altura em que a banda tocava no mítico Cavern Club. Começou a frequentar com regularidade a taverna e tornou-se muito próxima de John, Paul, George e, mais tarde, Ringo. Pela altura em que Brian Epstein se tornou manager dos Fab Four, Freda foi contratada como secretária oficial da banda e começou então a seguir de muito perto a vida pessoal dos Beatles.

O documentário não acrescenta muito ao que já se sabe sobre a vida e a carreira da banda de Liverpool, apenas mostra alguns dos acontecimentos mais marcantes dos Beatles de uma nova perspetiva. Freda Kelly, sempre com um discurso muito animado e saudoso, conta como o seu trabalho se foi tornando mais e mais cansativo à medida que a Beatlemania aumentava de proporções, mas partilha também alguns episódios muito engraçados que vivia com os quatro Beatles e com as suas respetivas famílias. As paixonetas, a relação maternal com a mãe de Ringo Starr, os despedimentos relâmpago que observou ou ordenou na sua carreira… são apenas algumas das histórias divertidas que a secretária vai narrando e que faz o público gostar cada vez mais dela.

Há também alguns momentos mais comoventes, nomeadamente aqueles em que, em lágrimas, Freda se recorda dos muitos amigos que teve naquele altura mas que entretanto foi perdendo, como John Lennon, George Harrison, Brian Epstein e as mulheres de Ringo e Paul. O realizador Ryan White filma ainda um pouco da vida atual da sexagenária, entrevistando a sua filha e mostrando-a a brincar com o neto. Mas é pena que White não tenha mostrado o que aconteceu a Freda após os anos 60. É certo que a sua vida voltou ao normal, dedicou-se mais à família e continuou a trabalhar como secretária, e não justificava documentar esse período, mas seria bom ficarmos com uma ideia de como se adaptou a um trabalho mais calmo, porque se divorciou, como acompanhou as carreiras a solo de cada Beatle, etc. A verdade é que Boa e Velha Freda não deixa de ser um divertido documentário sobre um quinto Beatle do qual pouco ou nada se sabia.

Nota – 8/10

Showcase com Noiserv

Este homem faz magia!“, ouvia-se alguém sussurrar. “É um génio!“, dizia outra pessoa na sala. Foi muita a admiração que se teve por Noiserv desde o momento em que tocou a primeira música até à conversa final com o público, na segunda sessão do Showcase do MUVI Lisboa’14. Aquele que é um dos melhores e mais originais músicos portugueses da atualidade subiu ao palco e, perante uma boa plateia, tocou os seus temas mais conhecidos (incluindo This is maybe the place where trains are going to sleep at night que havia passado à tarde na competição Canções Com Gente Dentro) em versões ligeiramente diferentes mas igualmente incríveis. Foi um concerto emocionante, onde se pôde observar como o músico constrói as suas músicas com diferentes instrumentos e com uma mestria e concentração assinaláveis.

A grande surpresa que o público teve foi a faceta de entertainer apresentada por Noiserv que, embora tenha uma grande profundidade e emoção das suas canções, se mostrou um rapaz normal e muito divertido. Houve muitos momentos de galhofa entre cada música graças ao humor com que contava histórias sobre como realizou alguns dos seus videoclips ou sobre o que significava a sua música Today is the same as yesterday, but yesterday is not today. Sempre com um discurso muito terra a terra, foi respondendo a algumas questões do público, que queriam saber as origens do seu nome ou se preferia tocar dentro ou fora de Portugal, e afirmou que não deixa de parte a possibilidade de fazer um trabalho totalmente em português no futuro. No final da sessão, houve ainda tempo para o público fazer fila não só para felicitar ou pedir autógrafos ao músico, mas também para comprar os álbuns que Noiserv trazia numa malinha para vender.

Foto: @noiserv a aquecer a plateia no @muvilisboa #noiserv #muvilisboa