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SBSR, dia 17: ouro maciço num dia vintage

Arrancou ontem a 20.ª edição do Festival Super Bock Super Rock, com um alinhamento a premiar mais a música eletrónica, mas nada contra isso. Tame Impala, Massive Attack e Disclosure foram os agitadores da noite.

Ainda nem são seis da tarde por isso há muita gente ainda a chegar, a por pulseiras, a tomar o banho depois da praia, a preparar as bebidas para tentar entrar no recinto. Os concertos começam tardito, em festivais ingleses por esta hora já os cabeças de cartaz vão no encore, passe o exagero, mas permite-nos passear um pouco pelo terreno, amplo e bem organizado. Há borlas em todas as barraquinhas e o sol vai-se pondo no Meco, deixando toda a gente mais lânguida.

Com esse estado de espírito, Erlend Oye parece perfeito para nos embalar rumo ao por do sol. Sem a outra metade dos Kings of Convenience mas acompanhado de outros dois músicos (haveria um terceiro elemento que vindo da Islândia ficou perdido no caminho) e com guitarras e flautas desfiam temas delicodoces, ternurentos e incrivelmente fofinhos como o próprio Erlend. O intérprete, grande fã do público português, apresentou alguns dos novos temas a editar num disco em outubro, cantou em italiano e deu espaço ao seu flautista para uma canção em islandês.

Erlend Øye 1

Entretanto, no palco maior do evento, coube aos norte americanos Vintage Trouble a missão de inaugurar o dia. A banda liderada pelo energético vocalista Ty Taylor trouxe o seu blues rock banhado em soul raçuda ao Meco e não deu tréguas aos festivaleiros presentes.

Iniciando o espetáculo de rompante e com uma energia e vivacidade contagiante, rapidamente estes Vintage Trouble, desconhecidos da maior parte do público, tiveram o recinto a seus pés. Tema atrás de tema, incentivo atrás de incentivo, estes senhores bem vestidos galvanizaram a plateia à medida que debitavam temas do seu único álbum. Destaque para Nobody Told Me e Run Outta You, que incitaram momentos de autêntica loucura. Sem dúvida, a grande surpresa da noite e um começo perfeito para o dia. Nem sequer faltou uma subida do endiabrado vocalista até à torre de som. Apesar de forma pouco ortodoxa, é preciso dizer: Os Vintage Trouble pintaram o caneco.

Cloudy pop e moshes catitas

Rumo ao anoitecer, no Palco Super Bock Super Rock enormes nuvens de algodão doce se perfilaram para receber a eletrónica pop dos Metronomy com os temas do recente disco Love Letters. Impecavelmente vestidos e alinhados naquele cenário de sonho – todos os instrumentos estão dentro de estruturas brancos que emanam luzes coloridas – e com uma boa quantidade de fãs a cantarolar letras na ponta da língua foram intervalando entre temas do mais recente disco e do aclamado English Rivera. Bonitas coreografias, muito groove e teclados em barda levaram até um final fantástico com um tema antigo do seu primeiro disco, You Could Easily Have Me, que abriu espaço para alguns fãs mais entusiasmados levantar alguma poeira no mosh mais inesperado do dia. Catita!

Metronomy 10

Terminada a pop açucarada dos britânicos, a antecipação divide-se agora em duas frentes: Tame Impala estão prestes a subir ao palco Super Bock, enquanto o inglês Jake Bugg se prepara para dominar o Palco EDP. Relativamente pontuais na sua hora de chegada, os australianos que trazem na bagagem dois álbuns, começam bem com Be Above It, do aclamado Lonerism. A multidão, já mais vasta que antes, aplaude em êxtase o desfile de temas que percorreu essencialmente os melhores momentos dos dois discos. O rock psicadélico de Why Won’t You Make Up Your Mind fez com que o público cantasse em plenos pulmões até as partes instrumentais enquanto a banda pontualmente respondia a este carinho com alguns “Thank you” e “You are fucking awesome Lisbon“.

Maioritariamente introspetivos, os Tame Impala são aquela banda que “toca para si”. Aparte das intervenções entre músicas, a interação e o carisma foram postos de lado, deixando as projeções psicadélicas tomar o protagonismo. Um dos melhores momentos do eficiente espetáculo foi a versão mais ritmada de Endors Toi, que teve direito a um alongamento e alguns jams que levaram os festivaleiros mais fãs deste género de música ao céu. Para fechar, que se feche em grande. Apocalypse Dreams foi o momento mais delirante do festival até ao momento. Uma cornucópia de teclados e guitarras que se misturam num caldo psicótico e esquizofrénico banhado em distorção.

Tame Impala 9

Quando pensávamos que tinha chegado ao fim, Kevin Parker e companhia felizmente desenganaram-nos e prosseguiram um pequeno jam improvisado digno do melhor psicadelismo dos anos 60. Para trás apenas fica a impressão que o concerto poderia ter sido melhor se o som não saísse tão bidimensional, não sendo por vezes possível distinguir corretamente os instrumentos vários da voz. A curiosidade para ver esta banda num espaço fechado cresce.

Entretanto, ainda foram numerosas as pessoas que abandonaram o espaço para se dirigirem a Jake Bugg, que tocou para uma plateia relativamente numerosa enquanto debitava temas dos seus dois discos. Avancemos agora para as 23h45. Os ecrãs estão montados e os instrumentos preparados. Está na hora de os Massive Attack provarem porque é que Portugal teve saudades deles.

Falar alto de boca fechada

Dotado com um novo e eletrizante desenho de palco, o duo britânico liderado por Robert “3D” Del Naja e Daddy G apresenta-se com vários vocalistas ao longo da hora e meia em que agraciaram o festival com o melhor concerto do dia. Os primeiros quinze minutos foram dedicados à exposição de novo material, que revela a direção mais pesada e elétrica da banda, num estilo que quase lembra o rock industrial de uns Nine Inch Nails.

Ao longo de todo o espetáculo, a consciência social esteve em evidência, com os ecrãs atrás da banda a transmitir mensagens crípticas e bombardear os nossos sentidos com imagens de cariz político e de revolta que provocaram uma sinestesia ativista nos presentes. A música ora cerebral, ora etérea dos Massive Attack serviu como pano de fundo para uma eficiente e essencial palestra de consciência social. A banda que manteve a boca mais fechada foi aquela que mais alto falou.

Inertia Creeps, Angel, Risington, Butterfly Caught, entre outras, serviram de banda sonora para a difusão de mensagens políticas fortes. Abordou-se o consumismo, a vigilância, a liberdade, o culto excessivo da imagem, as questões do Médio Oriente. Ninguém esteve a salvo dos Massive Attack, de Justin Bieber e Van Gaal até a Passos Coelho e… o BPI e a EDP. A banda até foi mais longe e projetou em português várias das passagens que incluíram no espetáculo.

Massive 12

Musicalmente e visualmente, banda está no seu maior nível. Os velhos clássicos estão retrabalhados e ganharam agora uma nova força, uma nova roupagem que criou momentos absolutamente eletrizantes. Os Massive Attack souberam reinventar-se e fornecer um espetáculo eficiente e mexido, desmarcando-se um pouco do seu estatuto original de serem uma banda com uma sonoridade muito chill e estática. O que não significa que não tivessem existido momentos desses. A inevitável Teardrop levitou e embalou uma plateia visivelmente alegre, enquanto os temas do mais recente Heligoland surgiram como pontos mais cândidos do concerto. Destaques para Babel e Paradise Circus, interpretada na incrível voz de Horace Andy.

O último tema a desfilar da encore da praxe foi o grande clássico de 1991, Unfinished Sympathy. O brilhante tema fechou com chave de ouro o melhor concerto da noite e com certeza um dois maiores vencedores desta edição do Super Bock Super Rock. A destacar mais pela estranheza fica a pouca intervenção de Daddy G, que só por três ocasiões se apresentou em palco, uma delas só para tocar, algo que poderá estar relacionado com o facto da banda ter ignorado, de certa forma, alguns dos temas do catálogo anterior. À parte disto, o regresso dos Massive Attack será para recordar.

Massive 9

Para o fim, ficou a pop de dança dos britânicos Disclosure, que já se tornaram num sinonimo de verão. Em formato live, os dois irmãos interpretaram os temas provenientes do muito bem sucedido disco de estreia, Settle. Tendo como pano de fundo uma miríade de projeções e efeitos visuais coloridos, o duo lançou-se a White Noise, When A Fire Starts to Burn, You & Me, Help Me Lose My Mind e outras, num espetáculo competente e sem surpresas, que serviu para dar um passo de dança mais descontraído. Mesmo com um problema que privou o palco de som durante uns bons minutos, a banda manteve a descontração e conseguiu cativar os mais resistentes que foram presenteados com a ultra bem sucedida Latch. Foi bom o passeio.

Alexandra Silva e André Franco
Fotografia: Cátia Duarte Silva