A rubrica A Recordar, iniciada em 2012, está de volta ao Espalha-Factos. Vamos voltar a relembrar atores e atrizes que tenham marcado a sua época, mas que caíram em esquecimento ou não foram suficientemente reconhecidos. Percorreremos atores de diversas décadas, até à atualidade. Falaremos da sua vida, carreira, papéis mais icónicos e do legado que deixaram.
Mulher do cinema, de negócios e da moda. Os anos 20 foram dela, e o seu nome ficará para sempre associado à personagem de Norma Desmond do clássico Crepúsculo dos Deuses. Ela é Gloria Swanson e merece ser recordada pelo Espalha-Factos.
Gloria Josephine Mae Swanson, nasceu a 27 de março de 1899. Natural de Chicago, passou por Porto Rico, California, Nova Iorque e Portugal, pelo cinema, pela política e pela moda, e ainda teve tempo para se dedicar à família, com três filhos e seis casamentos.
Filha de pai militar, mudou várias vezes de casa, e por isso passou muito tempo em Porto Rico, onde aprendeu espanhol. Aos 15 anos chega ao grande ecrã, depois de uma tia a ter levado aos estúdios da Essanay, em Chicago. Apenas como figurante, participa pela primeira vez no filme The Song of the Soul, e mais tarde em muitos outros, entre eles, A Estreia de Charlot, de Charlie Chaplin. Aos 17 anos muda-se para a California, para participar nas comédias de Mack Sennet, onde integrou o grupo das suas Bathing Beauties. Por opção, Swanson decide distanciar-se dessa imagem.
Com a mesma idade, casa-se pela primeira vez, com o ator americano Wallace Beery. Um mau começo, pois, segundo o que a própria relata na sua autobiografia Swanson on Swanson, ele viola-a na noite de núpcias, e no ano seguinte, quando descobre que ela está grávida, obriga-a a tomar uma bebida que a faz abortar. Dois anos depois separam-se, e Gloria volta a casar, desta vez com o presidente da Equity Pictures Corporation, Herbert K. Somborn, com quem teve a primeira filha. No mesmo ano (1919), assina um contrato com a Paramount Pictures e começa a trabalhar com o realizador Cecil B. DeMille. Durante os três anos seguintes participa em diversos filmes de DeMille, entre eles, o que contém a famosa cena “The Lion’s Bride” com um leão verdadeiro: Why Change Your Wife?
O sucesso de Gloria Swanson começa a crescer, assim como a sua influência em Hollywood. Não só pelas suas performances, como também pelo seu estilo sempre exuberante e charmoso, Swanson torna-se uma das estrelas mais requisitadas de Hollywood. Estamos em 1922 e com mais um casamento terminado – Somborn acusou-a de ter (muitas) relações extraconjugais -, Gloria adota uma criança a quem dá o nome de Joseph. Seguem-se mais participações em filmes mudos, com especial destaque para Madame Sans Gêne, uma comédia romântica sobre Napoleão Bonaparte, realizado em França por Léonce Perret. Neste país, Henri de la Falaise é o tradutor de Gloria, com quem acaba por casar.
Em 1927, junta-se à United Artists, e começa a sua carreira como produtora independente. Estreia-se com The Love of Sunya – uma história sobre uma mulher que tem visões do futuro -, que acaba por ser um fiasco pela falta de experiência e qualidade técnicas. Aconselhada a voltar para Hollywood, Gloria mostra o seu caráter ambicioso e com o objetivo de ter a sua própria “Gold Rush”, avança para um novo projeto independente. Com o apoio de Raoul Wash, Gloria conseguirá finalmente afirmar-se com A Sedução do Pecado. Este filme de 1928 foi o remake de Rain (1923), um filme polémico que continha cenas demasiado obscenas para a época, o que dificultou a vida a Wash e Swanson. Depois de diversas críticas e de um telegrama que tenta impedir o remake, de algumas alterações feitas ao guião e ao nome das personagens, o filme avança. Com Lionel Barrymore e a própria Gloria nos papéis principais, A Sedução do Pecado torna-se o primeiro – e único – filme independente de Gloria Swanson a ter sucesso, que lhe viria a trazer uma nomeação para o Oscar de Melhor Atriz Principal.
Enquanto marco na era do cinema mudo, Swanson teve mais uma oportunidade de mostrar o que valia com A Rainha Kelly, um filme sobre um príncipe que estava para casar com uma rainha, mas que se apaixona por uma estudante de um convento: Kitty Kelly (Gloria Swanson). Realizado por Erich von Stroheim, foi filmado na Europa e em África, mas o rumo que as filmagens e o enredo tomaram não agradaram Gloria, que dispensou Stroheim da produção. É também nesta altura que Gloria conhece Joseph P. Kennedy, o magnata da família Kennedy e pai de John Kennedy, com quem terá um caso (recordamos que nesta altura Gloria estava no seu terceiro casamento, com Henri de La Falaise). Kennedy estava ligado à produção cinematográfica e tornou-se o principal financiador dos filmes de Gloria. Com Erich von Stroheim fora de cena, Gloria e Kennedy pretendem não desistir de A Rainha Kelly, onde tinham investido muito. Com Gregg Toland na realização, fazem um final alternativo em que Kelly se suicidaria no seu palácio (até aí o final seria com Kelly a ficar à cabeça da direção do bordel da falecida tia), versão que foi apenas lançada na Europa e em África. Um breve trecho do filme aparece em Crepúsculo dos Deuses, como um dos antigos trabalhos de Norma Desmond.
A Rainha Kelly em Crepúsculo dos Deuses:
Separada do seu terceiro marido e depois do fiasco de A Rainha Kelly, Gloria Swanson e a United Artists atrevem-se no mundo do cinema sonoro. Além de What a Widow! (1930), Indiscreet (1931), Perfect Understanding (1933) e Music in the Air (1934), o mais importante e que serviu para voltar a pôr Gloria no topo foi The Trespasser, em que o papel principal a levou a uma segunda nomeação para o Oscar de Melhor Atriz. Entretanto, já Gloria se casara e divorciara pela quarta vez. Em 1938, e com a carreira estagnada, muda-se para Nova Iorque. Até chegar ao auge da carreia cinematográfica com Crepúsculo dos Deus em 1950, Gloria cria a Multiprizes – uma empresa de resgate a cientistas judeus-, dedica-se à escultura, ao teatro, ao ativismo político, ao design de moda (uma paixão antiga) e à televisão, com The Gloria Swanson Hour, um talk show que não passou da primeira temporada. Em 1941 participa no filme de Jack Hively, O Meu Pai é um Caso Sério.
Depois da recusa de Mae West, Greta Garbo e Mary Pickford para Norma Desmond, Gloria Swanson encarna a personagem que a iria imortalizar. Em Crepúsculo dos Deuses, realizado em 1950 por Billy Wilder, Gloria é Norma, uma atriz de filmes mudos esquecida e delirante, pronta para voltar à ribalta, que se apaixona pelo jovem escritor Joe Gillis (William Holden). O filme teve a participação de Erich von Stroheim como Max, o mordomo que suporta todo o enredo de ilusão em que vive Norma. Para este papel, que sem dúvida lhe era bastante familiar, Gloria aceitou de certo modo colaborar com as semelhanças entre ela e a personagem, ao ponto de usar as suas próprias peças de vestuário enquanto Norma. Crepúsculo dos Deuses tornou-se um clássico do cinema, e Gloria Swanson foi aclamada pela sua interpretação, que mais uma fez foi nomeada para um Oscar, que perdeu, para Judy Holliday.
A partir daqui, a sua participação na sétima arte perde-se por completo. Surgem diversas propostas, mas todas são rejeitadas por Swanson, visto as considerar apenas imitações de Norma. A sua última aparição no cinema é em 1975, com Airport 1975, realizado por Jack Smight.
Quando desiste de Hollywood, Gloria volta a apostar na sua outra paixão: o design de moda. Ainda antes, passa discretamente por Portugal, mais propriamente pela Praia das Maçãs. Chega a viver no nosso país (não se sabe bem durante quanto tempo apenas que por volta do início dos anos 80) antes de se mudar novamente para Nova Iorque. Entre design e promoção de moda, aparições em talkshows, os seus dois últimos casamentos – e o terceiro filho -, yoga, vegetarianismo e muitos (repito, muitos) vestidos, Gloria escreve Swanson on Swanson em 1980, a sua autobiografia.
Aos 84 anos, depois de regressar da sua casa em Portugal, Gloria morre no hospital de Nova Iorque, devido a um problema cardíaco.
Gloria Swanson não foi só Norma Desmond. Foi esta e muitas outras personagens, foi uma mulher de negócios, mãe, e um ícone em todo o tempo que viveu, fosse pelo seu cariz artístico ou pela imagem de extravagância que muito influenciou a moda das épocas. Apesar de todos os altos e baixos, nada abalou a firmeza e a ambição que tornaram de Gloria uma estrela de Hollywood.
“The stars are ageless, aren’t they?” (As estrelas são eternas, não são?), Crepúsculo dos Deuses (1950).