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História da Minha Morte: a vida, o pecado e o tédio do séc

História da Minha Morte: a vida, o pecado e o tédio do séc. XVIII

Vencedor do Leopardo de Ouro no Festival de Cinema de Locarno, História da Minha Morte de Albert Serra é a demonstração máxima de que algo de mal se anda a passar na cabeça dos jurados destes festivais. Um prazer para os olhos mas igualmente um teste à nossa paciência.

Casanova abandona o seu palácio para passar os seus últimos dias de vida numa pequena residência do nordeste da Europa. Aí vai entrar numa vida muito imoral e de reflexão sobre vários temas, junto do seu fiel servo Pompeu, e acaba mesmo por se encontrar com o Conde Drácula.

Com uma sinopse destas pensamos claramente que estamos perante um filme de reflexão sobre o pecado e as diferenças sociais entre os pobres e os ricos do século XVIII, envolto em surrealismo (a história partiu de um sonho, a principal fonte de inspiração de vários artistas surrealistas). Mas este História da Minha Morte perde muito pois Albert Serra vai-se esquecendo qual o principal objetivo da sua obra e prolonga-a durante umas intermináveis duas horas e meia de duração. Até seria possível reduzi-lo para a agradável marca da hora e meia, sem ter de dispensar qualquer momento da narrativa. Porquê?

Em primeiro lugar, há uma enorme quantidade de planos fixados nas paisagens campestres. Alguns deles são maravilhosos, parecem quadros num museu e embelezam o filme graças à sua fantástica fotografia. Mas tornam-se cansativos a dada altura porque, vamos lá a admitir, não vamos ao cinema para ver paisagens mas sim para nos identificarmos com novas personagens, para assistirmos a uma boa história e para nos entretermos. E isso é muito difícil num filme cuja narrativa para frequentemente para os cenários serem filmados.

Para além desta fixação em filmar o espaço do seu filme, Albert Serra faz ainda questão de nos bombardear com longas cenas de diálogos entre personagens. Não é que eles sejam fracos, se fossem ditos numa forma mais dinâmica poderiam mesmo tornar-se engraçados. Mas todo aquele dramatismo teatral que faz com que cada interveniente demore meio minuto a articular uma simples resposta é muito desinteressante, perdemo-nos nas falas e esquecemos qual era o assunto em discussão.

Esta conjugação de fatores faz de História da Minha Morte algo incrivelmente denso. E é pena que tal tenha acontecido. Olhando bem para a intriga principal podemos observar que há, de facto, muito interesse por ali escondido. A crítica de Albert Serra é fantástica pois não só aponta o dedo aos costumes do século XVIII como toca também numa ferida atual, provando que ainda vivemos por vezes muito atrasados no tempo e que os nossos comportamentos são, frequentemente, bastante primitivos. E o guarda-roupa do filme é muito bonito e dá-nos a sensação de termos entrado numa máquina do tempo.

O seu trabalho de realização é igualmente notável e corajoso, pois nunca, ou quase nunca, move a sua câmara. Vemos sempre o filme através de planos parados que nos deixam fixos na mesma situação, tornando algumas cenas bastante aterrorizadoras. Infelizmente, é dada exatamente a mesma atenção às cenas em que pouco acontece, não sendo transmitido absolutamente nada para fora da tela. Serra conseguiu ainda fazer várias referências à literatura, dar um toque de surrealismo ao filme e ainda oferecer alguns momentos de comédia muito negra aliada a uma simbologia bem perspicaz.

Os atores de História da Minha Morte são outro recurso mal aproveitado no filme. Vicenç Altaió está absolutamente fantástico no papel de Casanova e não deixará ninguém indiferente, nomeadamente nas cenas mais imorais da personagem. Eliseu Huertas teve uma assustadora encarnação do Conde Drácula e o elenco feminino não deixou de impressionar. Ainda que não ganhemos qualquer afetividade pelas personagens, há que apreciar o esforço de quem as interpreta.

Como se pode ver, a mais recente obra de Albert Serra tem muito de bom e tinha altas hipóteses de ser um filme que servisse de crítica social e histórica. É certo que se alcançam alguns dos objetivos desta fita, mas quando História da Minha Morte se transforma numa interminável jornada de duas horas e meia, a própria narrativa é ofuscada por inúmeras e aborrecidas cenas sem o mínimo interesse. Se tempo é dinheiro, então alguém anda a lucrar com as nossas perdas.

4/10

Ficha Técnica:

Título: Història de la Meva Mort

Realização: Albert Serra

Argumento: Albert Serra

Elenco: Vincenç Altaió, Lluís Serrat, Xavier Pau, Clara Visa, Noelia Rodenas, Montse Triola

Género: Drama

Duração: 148 minutos