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Crítica: Clarão, de Paus

Estamos em 2011 e temos perante nós PAUS, disco de estreia homónimo do grupo então composto por Hélio Morais, Joaquim Albergaria, Makoto Yagyu e João “Shela” Pereira. O registo, assente numa receita cujos ingredientes eram “uma bateria siamesa, um baixo maior que a tua mãe e teclados que te fazem sentir coisas”, apostava numa sonoridade experimental, próxima do math rock, com influências roubadas a origens tão díspares como o krautrock, o prog rock e a música africana, e depressa se tornou numa das coisas mais refrescantes da música portuguesa dos últimos anos, em grande medida por estar isolado, sem paralelo nem termo de comparação digno desse nome.

Basta fazer um fast-forward até 28 de Abril do presente ano, data de lançamento de Clarão, para percebermos que algumas coisas mudaram nos Paus nos últimos três anos, a começar pelo line-up, que viu “Shela” ceder o seu lugar nas teclas a Fábio Jevelim. Para além disso, há-que notar várias diferenças ao nível estilístico: se no registo homónimo do grupo podíamos apontar, com relativa facilidade, algumas referências para a sonoridade dos Paus, neste segundo álbum a tarefa torna-se consideravelmente mais complicada, com a banda a tomar uma via (ainda) mais experimental e arrojada, apostada em quebrar barreiras e desafiar categorizações.

Não quero com isto dizer que não existem traços comuns entre o primeiro e o segundo disco do quarteto, porque isso seria mentir. Na verdade, encontramos, no decorrer do álbum, vários elementos que reportam à identidade sonora da banda: a bateria siamesa continua a pulsar como um motor alemão, o baixo continua maior que as nossas mães (mais ainda que no primeiro disco) e os teclados continuam a fazer-nos sentir coisas que não sabemos bem identificar. Mas as dinâmicas alteraram-se significativamente; se em PAUS havia um certo equilíbrio entre o instrumental e a parte lírica, em Clarão vemos o grupo a apostar muito mais no primeiro elemento do que no segundo.

clarão

O resultado? Um disco cheio de groove, com o cheiro a “africanidade” ainda mais acentuado, onde os graves nos deixam atordoados, os ritmos retiram-nos o controlo dos nossos movimentos e os pequenos detalhes na produção se vão revelando a cada nova audição. Fazendo a comparação entre PAUS e Clarão, se no primeiro o grupo levantou a ponta do véu para um admirável mundo novo, no segundo os Paus decidiram-se a transportar-nos por completo para lá, deixando-nos à deriva numa paisagem totalmente diferente de tudo aquilo a que estamos habituados.

Contudo, esta “viagem” chega a ser algo atribulada; Clarão, apesar de todas as suas qualidades, não consegue esconder algumas inconsistências, que fazem deste disco uma “montanha russa”, repleta de altos e baixos. Para além disso, é de notar que, apesar de bem conseguida, a produção não deixa de ser, especialmente nas primeiras rodagens do disco, algo confusa, deixando a sensação de que se estão a passar demasiadas coisas ao mesmo tempo. E, a um nível mais pessoal, não consigo deixar de sentir saudades das “palavras de ordem” que Albergaria e Morais iam gritando nas faixas do LP de estreia.

Quanto a destaques individuais, devo referir a misteriosa Corta Vazas, a hipnótica Bandeira Branca e a possante como os pontos mais altos deste registo, pela forma como nos estonteiam ao mesmo tempo que nos agarram para a dança. Pelo contrário, a esquizóide Pontimola e as insonsas Ambiente de Trabalho e Negra apresentam-se como as peças que, para mim, mais ofuscam o brilho de Clarão.

Vívido e inebriante, Clarão é um disco feito para explodir com as nossas mentes enquanto nos atrai para um frenesim sonoro irresistível, trazendo-nos uma sonoridade que promete alienar tanto aqueles que esperavam uma repetição linear da fórmula de PAUS como quem esperava deste álbum uma transformação completa das linhas do grupo. Em suma, é um disco que irá agradar aos fãs dispostos a permitir uma evolução segura no caminho certo e que promete ser explosivo ao vivo, ao mesmo tempo que passa à larga (mas, infelizmente, sem distinção) no difícil teste do segundo álbum.

Nota final: 7.0/10

*Este artigo foi escrito, por opção do autor, segundo as normas do Acordo Ortográfico de 1945.

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