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Sofia Costa Lima

Seja O Que For O Amor. Sofia Costa Lima: “eu escrevi para ter uma espécie de guia para o futuro”

No seu segundo livro, Sofia Costa Lima decidiu escrever na primeira pessoa com este testemunho lançado a 19 de abril: Seja O Que For O Amor. Um livro pessoal, praticamente biográfico, que nos leva para uma viagem perigosa entre os pensamentos da autora e os acontecimentos da vida real. Seja O Que For O Amor é um retrato íntimo de um período da vida amorosa de uma adolescente. Tal como a autora nos diz em entrevista, este livro é uma “espécie de guia para o futuro“. No presente, Sofia Costa Lima, natural de Trancoso, atualmente a estudar Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social, fala ao Espalha-Factos deste segundo livro, dos seus processos de escrita e, claro, do amor, esse conceito dúbio. 

Espalha-Factos: O que não é o amor?

Sofia Costa Lima: Ora, eu suponho que o amor não seja egoísmo, acho eu. Deixa-me cá dizer coisas bonitas… Não queres fazer uma pergunta mais difícil, não? O que não é o amor… O amor não é dúvidas, por isso estás a ver que isto agora não é amor [risos]. Eu nem sei o que é o amor, não sei se percebeste!

EF: Sim, daí a pergunta. Talvez seja mais fácil definir o amor definindo o que não é o amor?

SCL: Talvez, mas por isso é que se chama Seja O Que For O Amor. Seja o que for, pronto, não importa; cada um é que sabe.

EF: Ou seja, nem pela positiva nem pela negativa: tu não consegues descrever o que é o amor?

SCL: Não… tu consegues?

EF: [silêncio]

SCL: Aí é que está. Vejamos. Eu acho que não há ninguém que consiga definir o amor sem que tu venhas a seguir e digas mais três ou quatro coisas completamente diferentes, e mais outra pessoa mais umas diferentes. É completamente impossível.

«estamos sempre a descobrir novas formas de amor, de amar»

EF: Então achas que é um conceito em constante mutação?

SCL: Claro que sim. Estamos sempre a descobrir novas formas de amor, de amar, e acima de tudo estás sempre a descobrir qualquer coisa sobre o amor que ainda não sabias.

EF: E é perigoso escrever sobre o amor?

SCL: É um bocado difícil porque há muita gente que escreve sobre o amor, ou tenta escrever sobre o amor, e acabas por chegar ali a um ponto onde ou te repetes e dizes aquelas coisas que toda a gente diz e aquilo torna-se um bocado chato… e depois não tens aquele critério de: aquele já disse isto, mas eu vou dizer na mesma, não importa. É um bocado complicado porque podes estar sempre a cair naquilo que toda a gente diz, e nos clichés, e nessas coisas todas que dá asneira às vezes.

EF: Às vezes, falar sobre o amor, pode ser um caminho mais rápido para o abismo?

SCL: Também. Dás muito facilmente em doido. Confirmo [risos].

EF: Mas isso acontece no processo de escrita ou quando vais reler o que escreveste?

SCL: Nos dois. Principalmente a reler, porque a reler é que tu percebes bem aquilo que estiveste ali a escrever. A escrever sai tudo naturalmente. Depois quando vais reler é que pensas: eu estava doida… então eu escrevi isto assim? Mas será que toda a gente percebe o que eu quero dizer? E depois ficas completamente à nora, e pensas que isto do amor é uma coisa tramada.

EF: Vamos parar de falar sobre amor, apesar de o título do livro ser Seja O Que For O Amor… no livro tu fazes esta pergunta, e eu quero que me respondas agora: será que a imaginação vem com a escrita ou a escrita é que vem com a imaginação?

SCL: Eu perguntei isso no livro porque não sabia! Eu acho que é uma coisa um bocadinho igual, ou seja: tu estás a escrever e vais imaginando, mas ao estares a imaginar vais tendo sempre ideias para escrever. Acho que é isso. Pelo menos comigo acontece assim.

EF: Ou seja, mistura-se?

SCL: Claro que sim.

«tens ideias quase aos tombos de meia em meia hora, como se fosse um comboio a chegar»

EF: Dizes no livro que há coisas demasiado pessoais que não partilhar, e sendo este um livro um pouco biográfico, então porquê explorares este lado?

SCL: A maior parte do que está aí já tinha sido publicado online e aí logo tinha assegurado a parte privada. Mas claro que há coisas que são demasiado privada. Do género: tu não vais estar num livro a dizer que deste 6079 beijos, que deste 79000 abraços, e que passaste 36 horas a escrever durante uma semana… é demasiado, percebes? Há um limite. Uma coisa podes partilhar e outra já não.

EF: E quando escreves estás a pensar no que interessa aos leitores?

SCL: Mais ou menos. Estou a pensar naquilo que eu, se tivesse a ler isso, ia ler completamente à vontade e não ia pensar “já estás a partilhar demasiado”.

EF: À medida que o livro avança, tu vais definindo o teu ‘eu’. Sendo este um livro biográfico, não é difícil fazer isto? Ou essa introspectividade em ti é mais fácil?

SCL: É fácil e é difícil. Há momentos. Depende. Há momentos em que eu estou a escrever e que penso: isto não posso ser eu, mas há outros em que penso que aquilo sou eu completamente e que nem tinha percebido que era assim. Acho que é um bocadinho dos dois.

EF: É uma reflexão contínua, e diária?

SCL: Diária não, mas sempre que escrevi aí – porque eu agora já não escrevo nada relacionado com o que aí está -, mas sim, normalmente, tem sido sempre.

EF: Fala-me do teu processo de escrita, para além deste livro. Tu quando começas uma obra, estás permanentemente a pensar nela? Ou ela surge em ti durante o dia?

SCL: Olha, hoje é um ótimo dia para falar sobre isso! Porque eu tenho andado a escrever aquilo que poderá ser um possível novo livro e, por acaso, ainda à hora do almoço estava a pensar nisso. Vinha de manhã no metro e não estava a pensar nada no que tinha de escrever, mas depois comecei a ter ideias e fiquei completamente: agora tenho de escrever! Mesmo obcecada. Se estiveres muito, mas muito entusiasmada com aquilo que estás a escrever, então tens ideias quase aos tombos de meia em meia hora, como se fosse um comboio a chegar. É aos tombos mesmo. Pensas “ah, isto é que era fixe, mas que desperdício de tempo, agora tenho de ir fazer não sei o quê”. É completamente assim.

EF: E como é que fazes a triagem dessas ideias todas?

SCL: Ora: telemóvel, papel e caneta – todos os dias vem uma ideia e aponta-se. Às vezes eu esqueço-me e acontece que eu vou a andar no meio de rua e, se não aponto logo, ela foi-se.

EF: Mas não aproveitas todas, diria eu… Há a tal triagem.

SCL: Claro que não. Pronto, aponta-se tudo e depois há aquelas ideias que acabam por ser usadas, há aquelas que são completamente mudadas, e há aquelas que vão para o lixo, basicamente.

EF: E quando é que a escrita começou a ser uma constante, quase uma rotina, na tua vida?

SCL: Começou há cinco anos quando eu iniciei o blog porque… eu no início não dava muita atenção ao blog, até porque nem tinha internet em casa para estar lá sempre. Mas tentava ir escrevendo e pensava “olha, isto era giro para meter no blog”. Comecei a escrever muito mais desde aí. Depois no verão seguinte, em 2010, é que comecei completamente a rebentar e era só escrever, escrever e escrever.

EF: Dizes várias vezes no livro que o objetivo dos livros é significar para além do sentido real, para além do óbvio. Qual é que o significação ‘para além’ de Seja O Que For O Amor?

SCL: Eu não sei se as pessoas vão perceber porque é difícil, mas além do amor que está ali – pelo menos eu espero que se note isso – há muita amizade e o importante ali é mesmo perceber… as pessoas perceberem mesmo que quando gostam mesmo de alguém ou de algo têm mesmo de lutar por ela. Mas também [perceberem] quando é a altura em que é para deixar ir, e deixar ir. Há coisas que só cada um percebe.Seja O Que For O Amor

EF: Escreveste-o também para ser um exemplo para outros casos de quem fosse ler? Algumas pessoas vão certamente rever-se no livro… também escreveste com esse intuito?

SCL: Eu escrevi para ter uma espécie de guia para o futuro. Pensei: eu já cometi estes erros todos, e agora não posso voltar a cometer. E depois, claro, já houve muita gente a identificar-se… eu não esperava, aliás, eu pensava que a maior parte das pessoas iam pegar no livro e não iam perceber semelhanças porque é sempre aquela coisa: quando sentimos alguma coisa pensamos que somos os únicos, e somos assim um bocadinho egoístas… “sou só eu que sinto, ninguém percebe nada”. E, na verdade, não é bem assim.

EF: Já falaste dos erros que estão no livro, e de certa forma dizes que os textos que aqui estão saem quando pensas demasiado. Escreves para clarificar as tuas ideias?

SCL: Sim porque, pelo menos para mim, eu consigo perceber melhor o que vai cá dentro quando meto em papel ou word, ou qualquer coisa do género. Acho muito mais fácil. Assim tento encontrar as palavras certas e percebo melhor o que é que se está a passar, o que tenho de fazer para mudar.

«desconstruir para construir»

EF: É um processo de desconstrução?

SCL: Também. Desconstruir para construir.

EF: Para construir significado?

SCL: Talvez, talvez.

EF: Os capítulos são ordenados por músicas. A música é o teu catalisador de escrita? Ouves música enquanto escreves?

SCL: Sempre, sempre, sempre! Eu detesto, e detesto mesmo, estar a escrever sem barulho de fundo. Pode ser música, pode ser televisão, mas não consigo mesmo escrever sem barulho de fundo. Começo a pensar que as palavras já são demasiado silenciosas porque não estão a ser ditas, estão a ser escritas, e se não tiver alguma coisa ali a dar som, eu não consigo escrever tão bem. Não me concentro tão facilmente.

EF: Como se fosse um vazio que precisa de ser preenchido? Para teres inspiração?

SCL: Pode ser isso, acho que sim. A música também ajuda muito na inspiração, é verdade. Estás a ouvir e podes lembrar-te de algo que soa bem em relação à música, qualquer coisa da música que tem a ver contigo… acho que sim.

«a página em branco assusta imenso»

EF: E a página em branco assusta-te?

SCL: A página em branco assusta imenso! Eu, no ano passado, estive uma semana e tal sem escrever nada nem respostas para testes, e foi horrível porque ia ter teste de Filosofia e não conseguia escrever nada. Então comecei a entrar completamente em pânico, a pensar… “oh meu Deus, o que é que eu faço agora?” E não sabia mesmo como é que eu ia sair dali.

EF: Só passa mesmo com o tempo?

SCL: Também, e a insistir mesmo. É todos os dias olhar para a página, e pensar: eu tenho de meter ali qualquer coisa. Ficas completamente obcecado com a página. Nem que seja só uma palavra, pode ser que dê alguma coisa.

EF: O livro saiu recentemente para as livrarias. Quais foram as primeiras reações de quem já o leu?

SCL: Há muita gente que já o leu todo. Têm-me dito que gostam imenso, que se identificam com algumas coisas, já houve inclusive uma amiga minha que me disse que eu tinha feito demasiado, e que não percebia como eu tinha feito isto sem ir abaixo. Não sei. [risos] E inclusive ela diz que o livro está mesmo completamente brutal, e que toda a gente devia ler porque ficou com vontade de fazer alguma coisa em relação a ela. Não em relação a mim, ou em relação ao livro, mas em relação a ela.

EF: No livro tens duas frases do Pedro Chagas Freitas especialmente para ti. Presumo que ele seja uma referência para ti. Que outras referências literárias te influenciam?

SCL: Eu, sinceramente, quando estou a escrever mais tento ler menos porque por muito que não queira há sempre aquela tendência de ler e copiar, mais ou menos, aquilo que leio. Então, eu tento ler menos quando ando a escrever mais porque é mesmo para não ter a tendência de copiar não digo, mas inspirar-me neles. Eu gosto muito do Miguel Esteves Cardoso. Ando agora a ler, quase a acabar. É dos meus preferidos, pelo menos dos portugueses. É ele que me vem sempre à cabeça quando me perguntam isso.