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FATAL

FATAL ’14: ‘Miosotis, non (me) esquezas’

Dia nove de maio foi dia de FATAL Convida no Teatro da Politécnica. O Espalha-Factos foi assistir ao espetáculo Miosotis, non me esquezas da Aula de Teatro da USC (Universidade de Santiago de Compostela) e diz-te como foi.

Terminou a espera e chamam o público que parece pouco a aproximar-se da entrada da sala onde irá ocorrer o espetáculo. Paloma Lugilde, encenadora do espetáculo que se aproxima, toma a palavra: “precisamos que sejam rápidos a entrar e que deixem todos os vossos pertences na plateia. Vão-se sentar no palco”. Estranheza para uns, curiosidade para outros – ou os dois – acompanhados de sorrisos expectantes. Abrem-se as portas. A rapidez e a pressa percebem-se: e não é que está um homem pendurado de cabeça para baixo no teto? é a primeira reação de muitos, que inclinam a cabeça para cima. Agora, tudo (ou nada) fazia sentido.

Miosotis, non me esquezas_©HelenaBradacova_005

O público senta-se numa sala que eliminou a quarta parede. Os atores em cena. As luzes baixam e reproduzem um céu estrelado no palco – ou arena – onde irá decorrer a mágica ação. A música provoca o primeiro de muitos arrepios e sorrisos enternecidos: mais uma vez, a escuridão no FATAL – mas uma escuridão diferente, onde a palavra de Llorca se une com movimentos suaves, sensuais, sexuais, cómicos e exasperantes. Suspiros de um público pouco mas suficiente – a família daquela partilha. O Teatro é uma mentira, mas nós somos de carne e osso, diz a personagem que mais tempo fala – não a principal ou protagonista, mas a que em que todos os olhares se focam constantemente. A personagem principal somos nós todos que partilhamos de uma revolução interior por fazer e descobrir.

A interpretação e a encenação, completam o espetáculo de quem apenas percebe portunhol. Não é o Galego que impede qualquer tipo de entendimento – é todo o quadro criado que nos coloca lá, na ação, a sofrer com eles. A sofrer por eles. E o sorriso continua, nesta “comédia sem título” – nesta história de artistas como todos somos – que nos comove e nos coloca com eles. De repente, um foco ilumina cada parte das quatro bancadas colocadas em cena: a personagem dirige-nos o olhar perturbador e comovido, e fala connosco, interage connosco. O serviço de um café que pode ser bebido, a dança em comum, torna o teatro como deve ser: a mais bela das verdades.

É verdade que não se percebia tudo. É verdade que se falava em cima de uma música repetitiva, com falas repetitivas – sem dúvida, opção artística – que pouco se ouviam. E é mentira quem disser que a tal revolução não aconteceu.

Miosotis, non me esquezas_©HelenaBradacova_004

É na excelente interpretação (corporal e não só) que torna o espetáculo pesado mas viciante: o olhar não sai do mesmo sítio, daquele centro, onde uma caixa negra esconde uma criança protegida do exterior em guerra. É naquela criação de quadros, de momentos, em conjunto com uma luminotecnia simples mas muito eficaz, que nos faz, sem dúvida, ficar presos à nossa própria realidade.

A sala mudou de um dia para o outro: redes que vão caindo, como a chuva na plateia (onde deixáramos os nossos pertences), colocam-nos dentro de um teatro que é (sempre) a salvação. E a palavra continua lá – mesmo para quem não entende – nem que seja nos silêncios, no brilho do olhar, ou no simples beijo entre dois atores. A atualidade no passado. Ou o passado atual onde nós somos testemunhas.

Miosotis, non me esquezas_©HelenaBradacova_001

E realmente, foi um espetáculo caído do céu – como no início cai do céu estrelado uma personagem – como a chuva que cai e nos molda o corpo transpirado. O FATAL convidou mais uma vez este grupo espanhol, que, pelos vistos, nunca desiludiu. E se esta foi a quinta apresentação de Miosotis feita por eles, que os louvemos. Esta, não foi uma queda Fatal – foi uma queda para o rejuvenescimento após a desilusão.

Que os convidem mais vezes. É na exigência que se demonstra o resultado final: foi preciso tempo, dedicação e um trabalho profissionalizante para transformar este grupo de estudantes (e não só), em verdadeiros atores. Sejamos humildes, cinco estrelas que caíram de um céu que estrelou. E salvou.

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Fotografias cedidas pela organização do FATAL