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Crítica: Joyland, de Trust

Outrora vistos como os tempos áureos da bimbalhada, os 80s têm sido alvo, nos últimos anos, de um crescente culto retro, servindo de matriz inspirativa para um bom número de bandas e projectos que se têm dedicado a recriar e reavivar as sonoridades dessa década. Esta tendência tem particular relevo no revivalismo da synthpop, que tem visto imensos grupos e artistas, do indie rock e pop à electronica, a aproveitarem-se desse legado para criarem uma estética reminiscente da era das séries sci-fi de baixo orçamento, das mullets, dos Walkman e do VHS; Cut Copy, Neon Indian, Kavinsky, Chromatics ou The Killers são apenas alguns exemplos, desconexos, desta moda.

Trust, projecto de Robert Alfons criado em 2010 em parceria com Maya Postepski (que entretanto abandonou o barco em 2012, após o lançamento de TRST), é mais um caso deste reaproveitamento da linguagem da synthpop, ainda que a sua abordagem retrofuturista, mais próxima daquilo que se sonhava nos anos 80 que seria a música de hoje do que da música dos anos 80 propriamente dita, seja algo paradigmática e o coloque num patamar à parte do dos nomes acima citados. E o seu mais recente disco, Joyland, lançado a 4 de Março pela Arts & Crafts, é mais uma prova disso mesmo.

À semelhança de TRST, disco de estreia do então duo, Joyland apresenta-nos uma sonoridade sombria e enevoada, digna de uma rave alimentada a ácidos num qualquer armazém abandonado, onde as sinuosas máquinas de ritmos e os gélidos sintetizadores apelam à dança e as andróginas manipulações da voz de Alfons carregam de tensão sexual o ambiente nocturno. O resultado é uma futurpop que, apesar do inegável apelo à dança, não deixa de carregar em si uma carga melancólica tremenda, tanto nas letras meditabundas como nos tons sorumbáticos das teclas, lembrando, a espaços, o etéreo mundo da darkwave de Grimes ou os momentos mais introspectivos dos Crystal Castles, ainda que, no fim de contas, estejamos perante um mundo completamente à parte.

joyland cover

Não se pense, porém, que temos aqui uma mera repetição do début, porque a verdade é que Joyland consegue triunfar, e muito, onde TRST falhou: na consistência. É certo que não tem tanto apelo instantâneo quanto o seu antecessor, mas vence-o aos pontos com uma redução drástica de momentos mortos, que, apesar de tudo, não implica um total desaparecimento de “tiros certeiros” (e basta ouvir os primeiros segundos de Icabod ou Lost Souls/ Eelings para se perder o controlo dos membros e sentir uma “sede” imediata de drogas sintéticas). Isso, um maior dinamismo e heterogeneidade nas canções apresentadas e uma total falta de pudor em mexer na produção (que se apresenta consideravelmente mais apurada e menos lo-fi que a do LP de 2012) fazem deste Joyland uma bela pérola.

Contudo, nem tudo na vida é perfeito e Joyland não consegue escapar a esta sina fatal, contando com peças que, a meu ver, ficam mal enquadradas na obra e ficariam bem melhor fora do alinhamento do álbum, como é o caso da (desnecessária) introdução que é Slightly Floating e das tépidas Capitol e Are We Arc?. Todavia, as restantes canções, com particular destaque para a inebriante Joyland, a extasiante Icabod, a demolidora Four Gut, a apaixonante Lost Souls/ Eelings e a intoxicante Peer Pressure, fazem, com a sua qualidade, com que os defeitos deste álbum sejam demasiado pequenos para o macular de uma forma significativa.

Joyland, a “terra da alegria”. Paradoxalmente, quase tudo neste disco parece apontar na direcção oposta, confrontando-nos com um cenário grotesco, insinuado pelas electrónicas e pelas letras de Robert Alfons, que não deixa de transmitir alguma tristeza e melancolia. O chamamento das canções, ainda assim, é irresistível e hipnotiza-nos, mesmo contra a nossa vontade, para uma dança sem fim, feita dos prazeres fugazes de um hedonismo destrutivo. A alegria pode ser efémera, sim, mas enquanto Trust estiver disposto a fazer álbuns assim, haverá sempre alguém a aproveitar as pequenas centelhas que ela deixa no mundo até ao fim da rave.

Nota final: 8.5/10

*Este artigo foi escrito, por opção do autor, segundo as normas do Acordo Ortográfico de 1945.