Estúdios da RFM. São 23h e o Rocha no Ar ao vivo, de sexta-feira, termina para os ouvintes da estação de rádio. A conversa de Carla Rocha continua, mas desta vez com o Espalha-Factos. Fomos até à casa aberta das noites da RFM para entrevistar a radialista Carla Rocha. Lê tudo aqui:
Espalha-Factos: Começo por lhe perguntar como é que surgiu o amor pela rádio: foi amor à primeira vista?
Carla Rocha: Eu acho que as coisas foram acontecendo, não foi nada planeado. Caí na rádio de paraquedas, por acaso. Até estava no jornalismo escrito, no jornal. E houve um dia que fui a uma rádio de Albufeira e eles convidaram-me para fazer o casting no dia a seguir. Mas era um mundo completamente estranho. Fiz e fiquei. Foi desastroso no primeiro dia porque estava super nervosa e era só botões, mas depois é uma questão de hábito e percebermos que destes mil botões que estão aqui à nossa frente só usamos três [risos]. É só para intimidar.
EF: Começou pelo jornalismo e depois é que foi para a animação de rádio. Como é que foi essa passagem?
CR: Eu nunca cheguei a fazer jornalismo na rádio. Eu escrevia num jornal. Eu quanto escrevia para o jornal tinha 15 anos, esqueci-me de te dizer [risos]. Andava no 10º ano, talvez. Já tínhamos aquelas disciplinas de escrita e eu estava a fazer uma perninha no jornal local. Nem era remunerado.
EF: Foi aí que começou o gosto pela comunicação?
CR: Acho que o gosto pela comunicação já o tinha. Não tinha era as ferramentas nem sabia muito bem por onde é que devia ir.
EF: Como é que foi o percurso depois dessa experiência? Sei que tem formação na área…
CR: Sim, depois acabei por tirar a licenciatura em Ciências da Comunicação porque acho que é o que melhor se adapta à rádio. Eu preciso de ter técnicas de comunicação para comunicar de forma a chegar às pessoas. Então achei que Ciências da Comunicação era a licenciatura ideal.
Quando o fiz tal casting [em Albufeira] deram-me logo um programa. Nem sequer houve a hipótese de fazer noticiários. Era mesmo só para animar. Depois tive mais uma passagem por duas rádios em Albufeira até que cheguei à KISS FM que era uma rádio muito inspirada na RFM, com um formato de música contemporâneo, inspirada nas rádio de Londres e Nova Iorque também – a KISS FM, de NY – e era muito dinâmica, jovem. Portanto, quando passei para a RFM já tinha essa escola.
EF: Tendo em conta isso, como é que define a RFM atualmente?
CR: É uma rádio fresca. É uma rádio próxima das pessoas, que gosta de estar perto das pessoas que a acompanham. Não é uma rádio desligada.
EF: Em off falávamos da rádio ter mudado de paradigma nos últimos anos. Acha que a RFM conseguiu adaptar-se?
CR: Sim, gere muito bem todas as plataformas e toda a evolução que a tecnologia teve. A RFM soube aproveitar para si. Nós já temos a RFMvi, temos rádios online, estamos no MEO, estamos online; é difícil não ter acesso rápido à RFM, aos conteúdos da RFM ou à própria emissão.
«a rádio para criar ligações tem de se abrir, seja no digital seja aqui [no estúdio]»
EF: E a aposta passa cada vez mais por aí?
CR: Sim, sim.
EF: Foi por isso que também abriu as portas da rádio neste Rocha no Ar com público?
CR: Sim, porque eu acho que já lá vai o tempo em que a rádio era “bem, estamos aqui mas não sabemos quem está do outro lado, e quem está do outro lado a ouvir-nos não sonha quem está aqui, de como é a nossa cara”. Acho que isso não cria ligações. A rádio para criar ligações tem de se abrir, seja no digital seja aqui [no estúdio]. Fazer o Rocha no Ar ao vivo à sexta-feira foi um bocadinho para mostrar a nossa casa, “venham ver como se faz”. É assim: tem uma mesa, uns microfones… É uma aula de rádio, quase. Mas é bom porque quebra aquela imagem de que a rádio é um meio fechado, de que é uma cabine hermeticamente fechada onde está um locutor. Não tem de ser assim. E torna o produto mais divertido.
EF: Antigamente, essa comunicação era mais feita através do telefone e dos discos pedidos.
CR: Sim, mas eu já não apanhei essa parte dos discos pedidos [risos].
EF: É verdade, mas nas rádios locais continua a existir.
CR: É um clássico! Mas sim, já é uma tentativa de interação, de não queremos estar aqui sozinhos. Queremos que vocês participem nos conteúdos. Já era uma forma visionária de fazer com que o ouvinte produzisse os conteúdos.
«as pessoas já não são passivas quando consomem rádio»
EF: Uma internet em ponto pequeno?
CR: Sim, sim! É o que acontece hoje. Quando eu falo do Facebook e de pessoas que disseram isto ou aquilo, é conteúdo que eles estão a produzir para mim. Portanto, as pessoas já não são passivas quando consomem rádio. Querem entrar na rádio e fazer parte.
EF: Fazer o Rocha no Ar com ouvintes em estúdio partiu do Open Day?
CR: Já havia antes, começou dia 6 de fevereiro. Nós já tínhamos esta ideia. A premissa foi levar a rádio às pessoas. Não só ver como se faz mas participar também. Por isso é que muita gente acaba por falar, acaba por entrar no programa e dizer de onde vem, quem é. A premissa é essa: trazer as pessoas cá e pô-las como convidados. A lógica do Rocha no Ar é a de que qualquer pessoa pode ser convidado desde que tenha um tema interessante, uma caraterística de personalidade diferente, desde que tenha feito alguma coisa de inspiradora, pode vir aqui partilhar. Não tem de ser pessoas que aparecem nas revistas ou nos jornais. São pessoas que fazem coisas espetaculares e toda a gente faz uma vez ou outra. É disso que se fala: pessoas com vidas normais mas com capacidade de levarem os outros a superarem-se.
EF: De um ponto de vista comercial, também é bom para o programa estar ligado ao público?
CR: Sim, isso é um cuidado geral da rádio, em particular da RFM, não sei se as outras têm esse cuidado. A RFM tentou sempre estar muito próxima das pessoas e trazer as pessoas à rádio e pô-las a participar.
EF: O que traz as pessoas cá à sexta-feira?
CR: Há as mais variadas razões. Ou porque querem ver como é uma rádio, querem passar uma noite diferente porque é sexta-feira à noite e acabam por vir passear – é uma zona bonita, o Chiado -, trazem os amigos muitas vezes. Depende dos temas. Tivemos um programa em que uma pessoa veio fazer uma tatuagem em direto. O programa foi sobre tatuagens, veio um tatuador e uma rapariga, uma ouvinte, que veio fazer uma tatuagem e ia relatando o que estava a sentir.
EF: Criam-se momentos únicos aqui?
CR: Sim, queremos fazer coisas diferentes. Coisas que não se ouvem facilmente na rádio.
EF: A boa disposição é fundamental na animação?
CR: Sim, acho que não me imagino a fazer um programa sério. Acho que não me iria divertir nem um terço. A minha atitude perante a vida é assim. Não me imagino a fazer outro programa. Se calhar não era a minha praia. Eu gosto de pôr pessoas bem-dispostas e gosto de estar bem-dispostas e gostar do que estou a fazer. E para isso só me encaixo num programa desta natureza. Tal como fiz o Café da Manhã durante muito tempo. É um momento em que as pessoas têm de estar alegres e em que a mensagem tem de ser com um cunho positivo e informal, e aqui é um bocadinho a mesma lógica.
EF: O seu nome estar no programa, então, não é em vão. O Rocha no Ar tem a sua personalidade?
CR: Sim, tem, tem de ter. Acho que tem muito de mim. Mas não quer dizer que venha outra pessoa para aqui e não faça tão bem. Acho que a linha do programa é esta.
EF: Como é que se recicla um programa que dá de segunda a sexta, durante duas horas?
CR: Com muito trabalho e muita pesquisa. Estar atento. Às vezes a pesquisa nem é estar com o computador, na net, à procura de pessoas. Às vezes a pesquisa é estar na net à procura do que está a acontecer, em revistas e em jornais, ou ir na rua e estar atento ao que uma pessoa diz e, de repente, “espera aí, esta pessoa tem que ir ao programa!”
EF: Já lhe aconteceu?
CR: Sim, já me aconteceu num jantar de amigos. Num sábado à noite… foi há um ano. Não tinha ninguém para vir ao programa, e nessa noite conheci um casal amigo de amigos meus e eles contaram-me a história deles, de como se apaixonaram. Foi numa bomba de gasolina, amor à primeira vista. Eu achei aquilo tão disparatado que na segunda-feira fizemos um Rocha no Ar sobre pessoas que se apaixonam à primeira vista. E foi um sucesso. Montes de gente partilhar.
Eu tenho de ter o cuidado de escolher temas que possam ser universais. Hoje é a pizza. Toda a gente gosta de pizza. Deve haver duas pessoas no mundo que não gostem de pizza.
EF: Não é possível falar de algo muito específico?
CR: Por exemplo, o programa que fiz sobre tatuagens também foi na perspetiva de… a tatuagem não é uma coisa de muita gente. Agora mais, mas é um público especial que está a alargar. Tenho amigas minhas que lhes aconteceu alguma coisa especial e tatuam. É um pormenor. Há cada vez mais pessoas assim. A tónica, o ângulo do programa foi “vamos perceber porque é que há mais pessoas a fazer uma tatuagem nem que seja uma vez”. Podem nem gostar de agulhas, mas renderam-se. Não são as pessoas que usam correntes e que se vestem de preto que fazem tatuagens. Já alargou.
Portanto, nós não somos uma rádio de nicho. Mas mesmo quando os temas parecem mais afunilados, vamos ver e não são assim tão afunilados. É uma tendência. Nós vamos muito pelas tendências. Eu preparo o programa, muitas vezes, abrindo a Time Out e vendo o que é que está a dar, o que é que as pessoas falam. Percebendo a vida das pessoas que estão à minha volta. As histórias que estão à nossa volta são riquezas, é o melhor conteúdo que podemos ter num programa assim.
«as duas rádios vão ter uma audiência substancial mas vamos andar taco-a-taco»
EF: Falando agora mais da RFM e das audiências, a estação teve o maior share, ou seja, cria maior fidelização nos ouvintes, apesar da Rádio Comercial continuar a ser a mais ouvida. O que é que ainda falta à RFM? Ou essa batalha é incerta?
CR: Eu acho que, para mim, essa batalha é “umas vezes estamos nós à frente, outras vezes estão eles”. Nós tivemos 10 anos na liderança e nunca fomos muito de mostrar essa bandeira. E fomos durante 10 anos com uma diferença enorme. O mercado está diferente e não há aquela fidelização de “só vou ouvir esta rádio”. As pessoas saltam mais. E o que vai acontecer agora é que as duas rádios vão ter uma audiência substancial mas vamos andar taco-a-taco. A Comercial passou-nos durante três trimestres, ok. E nós agora estamos ali a uma décima.
Ouvem um bocadinho mais a Rádio Comercial, mas nós somos mais ouvidos de manhã à noite. Lá está, esse saltitar…
EF: Também dá formação na área, por exemplo, de como captar audiências. Também pode ser uma conselheira para a RFM?
CR: Sim, a minha audiência aí não é uma audiência de rádio, é “como falar em público”. Como ter um discurso cativante perante uma plateia que podem ser 100 pessoas ou uma reunião de trabalho. O curso está muito focado para “como é que eu posso envolver as pessoas com a minha história, como é que eu vou captar aquele potencial cliente com o que eu tenho para dar?”
EF: E foi com o que aprendeu aqui?
CR: Eu tenho muita coisa daqui. A rádio ensina muito sobre objetividade, sobre como é que podemos tornar aquilo que dizemos relevante. Mas eu fiz uma formação intensiva nos Estados Unidos e muito daquilo que tenho nos workshops bebi daí, da pesquisa que faço e dos livros que leio. De juntar a minha experiência de tantos anos de rádio com toda a investigação paralela e toda a teoria. Mas aplico muitas analogias entre o meio da rádio e o meio empresarial.
“Porque é que os empresários devem comunicar desta maneira? O que é que podem ir buscar à rádio?” Nós na rádio fazemos assim, assim e assim. Porque é que não tentam fazer isto também numa apresentação da empresa? E resulta! Há uma formula nesse curso de cativar audiências que é a fórmula SPA que resulta quer se fale de bananas quer se fale de medicamentos quer se fale de flores. Qualquer que seja a área, se usarmos aquela fórmula no nosso discurso, é certo que vamos ter resultados e impacto.
EF: Aquele mito de que temos de colocar a voz na rádio e de ser demasiado formal já não existe?
CR: É um estilo. Eu defendo que na rádio quanto mais natural melhor.
EF: Sim, e também depende se for informação ou entretenimento…
CR: Sim, sim. Mas mesmo na informação eu não ouço pessoas com voz colocada. Ouço grandes vozes. Agora pessoas a tentar colocar a voz, para fazer um esforço para fazer voz de rádio [imita] acho que já não. Há pessoas que naturalmente têm grandes vozes e não podem fazer nada para se livrarem delas [risos]. E ainda bem que a têm! Mas eu defendo que quanto mais espontânea e natural a rádio for, melhor. Claro que na informação vai ser sempre mais formal. Mas num programa de entretenimento não vejo porque é que há formalidade.
Eu vejo o ouvinte como um amigo e eu não trato os amigos com formalidade. Aliás, com nenhuma. Há um limite. Não é um “tu cá tu lá”. Não é à vontade, vontadinha, mas eu gostava que a pessoa que está a ouvir sentisse que eu posso ir lá a casa jantar porque temos esta afinidade. Uma afinidade relativa porque não vou ter contacto com a maior parte das pessoas que me ouve, mas a imagem que tem de passar, que deve passar, é a de que está aqui um amigo para lhe fazer companhia.
EF: A Carla apresenta também o Consigo, na RTP2. Qual é que é a maior diferença da televisão e da rádio? O tipo de linguagem?
CR: O Consigo é um magazine cultura, um bocadinho mais formal, e foca muito na temática das pessoas que têm capacidade. Não posso brincar com isso. Posso aligeirar e o Consigo é ligeiro. Nesse sentido porque é o desafio de mudar mentalidades. E é um programa que não está feito só para esse público que tem problemas motores ou outras incapacidades. Está feito para toda a gente perceber as dificuldades por que passam pessoas assim. São 18% da população portuguesa. Portanto, não é assim tão pouco.
EF: A Carla esteve numa sessão, na Católica, a falar de Mulheres nos cargos de topo. A Carla sentiu no início da sua carreira essa discriminação? Ainda existe?
CR: Não fui descriminada, mas senti – e contei essa história na Católica quando abrimos o debate – que… quando comecei a fazer rádio e quando quis vir para a RFM, havia uma única mulher a fazer programa que era a Elisabete Caixeiro. E eu achei sempre nas conversas que tinha com as pessoas daqui que só ia conseguir entrar na RFM quando a Elisabete Caixeiro saísse. Parecia uma cota. O que é irónico é que aconteceu. Eu só entrei na RFM quando a Elisabete Caixeiro saiu e entrei para o lugar dela. Muitas vezes em conversas com os meus colegas eu perguntava: “mas porque é que eu sou a única mulher na RFM? Porque é que não há mais?”. E a resposta que me davam era: “isto é uma rádio, não é um coro, por isso não esperes que haja equilíbrio”.
Achei uma graça, mas, e disse isto lá também, hoje em dia somos um coro porque há o mesmo número de mulheres e homens em antena. Está empatado – somos 7/7. A rádio ganhou com isso. E o que eu disse na Católica é que, quando se fala na igualdade de géneros, as empresas ganham em ter mulheres em cargos de topo porque nós somos diferentes, temos naturezas diferentes, e a diversidade é riqueza. E aqui na RFM, não sei se há ligação direta – tínhamos de fazer um estudo para ver -, nós hoje em dia com o mesmo número de mulheres e de homens temos o dobro da audiência que tínhamos quando eu entrei. Portanto, não sei o que quer dizer, mas tenho a certeza que chegamos a mais gente. As mulheres vieram trazer emotividade, dinâmica, alegria, que numa rádio só de homens é mais difícil. Tem que haver igualdade, paridade.
Fotografias: Inês Delgado