A ModaLisboa Vision encerrou ontem com os desfiles de Nuno Gama, Aleksandar Protic, Ricardo Andrez (LAB), Pedro Pedro, Dino Alves, Miguel Vieira e Filipe Faísca. Gama iniciou em plena forma o último dia de apresentações, com o desfile a decorrer no Terreiro do Paço ao som da Guarda Nacional Republicana (GNR), e Filipe Faísca encerrou com teatralidade a passarela. A próxima edição da ModaLisboa realiza-se em outubro, para mostrar as novas tendências primavera-verão de 2015.
Foi também neste último dia que aconteceu o episódio mais mediático desta ModaLisboa: a queda da manequim veterana Flor Guerreira no desfile de Faísca, que deixou o público transtornado.
- Nuno Gama
Foram muitos os que pararam para ver o que se passava no Terreiro do Paço, com a chuva a ameaçar cair. Panteão, o novo trabalho do criador, foi apresentado fora das paredes do Pátio da Galé e contou com a cavalaria e a banda da GNR a tocar êxitos do repertório amaliano, como o Malhão de São Simão ou Lisboa Não Sejas Francesa. Nuno Gama pretendeu homenagear “a glória da imortalidade” e desafiar “a capacidade individual da reinvenção do arquétipo da moderna vida portuguesa”. Pela primeira vez integra no seu desfile alguns looks femininos, desfilados por diversas celebridades como Sharam Diniz, Iva Lamarão e Raquel Prates, mas a roupa masculina assume o protagonismo, apesar de não raras vezes competir com a componente espetáculo.
As referências de Gama levaram-nos ao visual da aristocracia portuguesa do início do século XX, onde não falta o bigode de pontas arrebitadas ao estilo do Rei D. Carlos I, bem como os trajos dos campinos ribatejanos. Foi uma coleção muito focada e com looks para satisfazer todas as necessidades do seu cliente. A alfaiataria assume nesta coleção uma vitalidade irrepreensível, no âmbito do seu trabalho, e os longos casacos em pêlo acrescentaram o drama certo aos visuais. Os manequins masculinos terminaram o desfile com os blazers do avesso, de forma a ver-se as cores da bandeira portuguesa, possivelmente a piscar o olho à participação nacional no Mundial de Futebol, a decorrer no Brasil este ano. “O homem revitaliza-se e assistimos à construção de novos códigos de formalismo, elegância e etiqueta”, podemos ler no press release. E com razão pois, uma vez mais, Nuno Gama mostra que sabe reconhecer a qualidade e mostra-se acutilante na forma de apresentar o seu trabalho.
- Aleksandar Protic
Protic volta ao seu ambiente confortável com uma coleção grotesca e em ambiente rock. Retornam as peles, as lãs, caxemiras, algodões, sedas e outros materiais nobres para completar uma coleção de elegância irrepreensível. A simplicidade e a fluidez das silhuetas contrastam com a difícil construção, e entrevimos algumas peças arreigadas ao vestuário desportivo. Velocidade e as heroínas da action manga originaram este trabalho, que variou entre o preto e diversas tonalidades de cinzento, atenuando em tonalidades pastel.
- Ricardo Andrez (LAB)
Andrez apresentou Faktura logo a seguir a Protic. Da definição de faktura sabe-se que é a demonstração visual de propriedades inerentes aos materiais. O designer retorna ao cruzamento de géneros com vestidos masculinos com godés até ao chão, que nos recordou um misto entre o vestuário tradicional japonês e os sufistas egípcios. Tonalidades concretas e suaves que proporcionaram jogos geométricos em tecidos tecnológicos, cambraias de algodão, entre outros materiais. Andrez exibe regularmente uma atenção particular aos detalhes desportivos e neste trabalho incluiu alguns coordenados femininos, área à qual já não conseguia passar indiferente. Urbano e despojado, deste trabalho surgiram ainda alguns momentos etéreos. Os sapatos masculinos têm a assinatura da marca Sr. Prudêncio.
- Pedro Pedro
A nova coleção para o outono/inverno de Pedro Pedro é inspirada na fotógrafa Diane Arbus, em que predominam as formas longas e fluídas, os cortes caixa e os casacos com inspiração desportiva. Flur vai ao encontro do seu trabalho anterior, mas mais simples, fluída, compacta e com alguns esgares de sensualidade, como as fendas nas saias rodadas que apareciam suavemente com o andar das manequins. A sair da sua zona de conforto novamente, as peles receberam uma abordagem desportiva e os lamés finalizaram a coleção com o glamour cintilante dos ocres em drapeados delicados. Pedro Pedro raramente está sob o spotlight na moda portuguesa, mantém a calma e o low profile e tem evoluído gradualmente com a apresentação de trabalhos de maturidade contundente e elegância irrepreensível, o que faz deste um dos designers mais seguros na moda contemporânea nacional.
- Dino Alves
Dino retorna aos exercícios de volumetrias geométricas com uma coleção em que se repetem constantemente e em várias dimensões os bolsos de chapa quadriculares e algumas brincadeiras de ilusão ótica. O exercício desta estação foi reproduzir a ideia do volume criado pelas coisas que colocamos nos bolsos da nossa roupa. Cores compactas e tecidos nobres acompanham a amplitude e linearidade das peças numa coleção com propostas para ambos os sexos. A camisaria continua a ser um dos pontos fortes para um dos designers mais rigorosos do certame.
- Miguel Vieira
Com uma coleção menos complexa que as anteriores, Miguel Vieira manteve-se fiel ao seu estilo. Elegante e distinta, este trabalho teve alguns pontos mais fracos, como os acabamentos dos blazers masculinos nas baínhas, algumas saias demasiado justas que se foram rompendo nas costuras na passarela e a ridigez de alguns materiais que não permitiu um caimento bonito de algumas peças. Ainda assim, a coleção teve vários pontos fortes como as peças em tecidos de lã bordados a lantejoulas em tonalidades cinza, os bordados discretos em zonas pontuais de algumas peças femininas, bem como a escolha dos materiais para os coordenados masculinos.
- Filipe Faísca
Faísca regressou à ModaLisboa depois de um interregno por conta da renovação da sua loja na Calçada do Combro em Lisboa. Rodeou-se de celebridades que desfilaram na passarela, num desfile que começou com a silhueta de Sofia Aparício a fumar na boca de cena. Neste tom teatral, o desfile decorreu num rol de acessórios em pêlo e transparências que transformou a apresentação numa festa e protelou a roupa para um plano secundário. Com a participação de Luís Pereira, João Pombeiro, Milena Cardoso e Leonor Poeiras, o momento mais comentado do desfile acabou por ser o de Flor Guerreiro que não aguentou as pouco ergonómicas botas de Christian Louboutin (de volta a uma parceria com o designer português) e caiu várias vezes na passarela, transtornando parte da plateia que se elevou em palmas e elogios à manequim. Viral tornou-se também o vídeo da reação de Lili Caneças que, ao tentar ajudar a manequim, caiu de joelhos no chão. Por fim, Flor foi auxiliada por uma senhora que estava na primeira fila e amparada até ao final por um manequim.
E em azáfama terminou mais uma edição da ModaLisboa, onde o tema VISION assumiu a vez no debate pelo futuro da moda nacional. Numa edição em que se sentiu a crise por parte da organização que, segundo Manuela Oliveira, refletiu-se inclusivamente na redução da equipa do certame, os designers portugueses apresentaram, no geral, um trabalho cada vez mais consistente e a perder a timidez, mas também mais focado e acutilante para os diferentes targets.
Com mais ou menos espetáculo, é tempo de repensar a forma de apresentação das coleções, às quais, por vezes, o comum desfile não honra o trabalho proposto. A campanha de comunicação foi inovadora e proporcionou ao público imagens irrepreensíveis às quais foi impossível ficar indiferente. O evento decorreu com a notável simpatia e a disponibilidade de todo o staff e, dentro de seis meses, assistiremos a mais uma edição do evento, desta vez para ficarmos a conhecer as propostas para o verão do próximo ano.
Texto por: David Pimenta e Tiago Loureiro
Fotografias por: Maria Meyer