Hoje, para além de ser sábado, é dia 8 de março – Dia da Mulher. O Espalha-Factos não ficou indiferente à data e dedica à mulher um conjunto de dez dos papéis femininos mais fortes na história do cinema. A indústria cinematográfica é ainda machista e dominada por homens. Hoje prestamos homenagem à mulher no ecrã.
As opções eram muitas e a decisão muito difícil, mas foram estas as nossas escolhas. Quais seriam as tuas?
Feliz dia da Mulher.
Le fabuleux destin d’Amélie Poulain
Este é um filme ao qual é impossível ficar indiferente. Jean-Pierre Jeunet oferece-nos um cenário que respira Europa por todos os lados, uma personagem cativante que nos envolve no seu mundo ingénuo e bondoso e um contraste entre o bem e o mal, sempre com a delicadeza de Amélie Poulain, personagem desempenhada pela belíssima Audrey Tautou. Junte-se a isto a majestosa banda sonora elaborada por Yann Tiersen e estão reunidas as condições para um grande serão. Amélie é uma mulher que vive numa realidade diferente dos demais. O ar bondoso e ingénuo que demonstra tem um toque muito feminino e a forma como ela descobre o amor é sintomática dessa maneira de olhar o mundo. Este é um daqueles filmes que ou se adora ou se odeia. A tendência será perder-se na mente e imaginação de Amélie Poulain e não querer outra coisa.
Volver
Este extraordinário filme de Pedro Almodóvar é um hino à vida e ao companheirismo entre mulheres, entre irmãs, entre mães e filhas. Três gerações de mulheres num rodopio por vezes cómico, por vezes trágico, em que o homem figura apenas como acessório. Entre a vida pragmática e difícil de uma filha que enfrenta um pai abusivo, e a ilusão e espiritualidade de uma irmã Sole (Lola Dueñas) que vê a mãe Irene (Carmen Maura) já falecida, Raimunda (Penélope Cruz) serve-se do seu instinto e da sua intuição para navegar pelos mais inacreditáveis cenários sem nunca se deixar afundar, ao mesmo tempo que enfrenta os seus próprios medos e os fantasmas do seu passado.
Lady Vengeance
O cinema do oriente é muitas vezes ignorado pelo grande público, mas a perícia e a criatividade perene dos asiáticos é capaz de deixar qualquer um de olhos em bico. Lady Vengeance é o terceiro filme da trilogia Vingança, desenhada pelo realizador sul-coreano Chan-wook Park, e é mais uma história de vingança da boa. Depois de ter estado treze anos presa por um crime que não cometeu, Geum-ja Lee (Yeong-ae Lee) é libertada e promete a si mesma encontrar o verdadeiro autor do crime, Mr. Baek (Min-sik Choi), um professor de inglês. Com a ajuda de ex-presidiários, Geum-ja Lee arquiteta um plano de vingança que lhe permita uma merecida redenção. A personagem de Young-ae Lee é tão forte e arrebatadora, que lhe valeu alguns prémios para Melhor Atriz.
Who’s Afraid of Virginia Woolf?
A misoginia, o sexismo, e a dicotomia entre o papel do homem e da mulher na sociedade marcam profundamente este filme. Com quatro extraordinárias atuações, somos convidados numa única sala a explorar os diferendos íntimos, públicos e secretos de dois casais profundamente diferentes numa sociedade comum longe da perfeição. Nas discussões mais violentas ou até nos diálogos mais benignos, o olhar crítico das duas mulheres sobre as amarras e os papéis que lhes são impostos pela sociedade vem ao de cima, tanto Martha (Elizabeth Taylor) como Honey (Sandy Dennis) desafiam de formas diferentes o status quo que lhes é imposto, em confronto com os seus maridos, respetivamente George (Richard Burton) e Nick (George Segal), numa visita insuspeita após uma noite de festa. O filme de Mike Nichols foi premiado com cinco Óscares, nomeadamente os de melhor atriz principal e secundária.
Mulholland Drive
Falar de David Lynch é falar de surrealismo, psicologia labiríntica e da latente esquizofrenia do sonho. Mulholland Drive é uma fusão bombástica de todos estes ingredientes. Betty (Naomi Watts) é uma jovem atriz que encontra Rita (Laura Harring) após um acidente de carro, acidente esse que deixa Rita amnésica. As duas belas mulheres tentam então descobrir pistas sobre o passado desconhecido da misteriosa Rita. Entre os enigmas do sonho, do desejo carnal e do mistério que envolve a trama, Betty e Rita funcionam como a personificação da coragem e da independência feminina. O filme valeu a David Lynch o prémio de Melhor Realizador no festival de Cannes.
Kill Bill
Em Pulp Fiction (que poderia estar nesta lista), Uma Thurman desempenhou o papel da excelsamente sexy Mia Wallace, numa das mais endeusadas performances da história do cinema. Ainda assim, foi Kill Bill que garantiu o Oscar à atriz americana. Colaborando uma vez mais com Quentin Tarantino, Uma Thurman dá voz e corpo (e muitas outra coisas) a Beatrix Kiddo, uma mulher que acorda de um coma de quatro anos e que pretende recuperar a sua filha e vingar-se de Bill (David Carradine), o seu companheiro e agressor. Até chegar a Bill, a «noiva» vinga-se também de outras personagens, sempre de uma forma sangrenta e propositadamente violenta, bem ao estilo japonês. Recorde-se que foi já anunciado um Kill Bill: Vol. 3, algo que deixa muitas interrogações na forma como Tarantino irá continuar uma história que estava terminada e muito bem terminada, diga-se.
La vie d’Adèle – Chapitres 1 et 2
A Vida de Adèle é um olhar íntimo e indiscreto sobre a descoberta e o despertar da sexualidade de uma mulher. Adèle (Adèle Exarchopoulos) protagoniza uma transformação diante de nós, uma metamorfose que se revela a cada erro que comete, cada insegurança que ultrapassa, cada momento de sofrimento e prazer que vive e nos é exemplarmente apresentado pelo olhar de Abdellatif Kechiche. Este não é um filme sobre uma relação homossexual entre duas mulheres, é antes a história de uma mulher e a sua transição para a vida adulta, uma mulher que descobre o desejo e o amor na relação tumultuosa com Emma (Léa Seydoux). A audácia de fazer um filme descomplexado sobre o amadurecer no feminino valeu a ambas a inédita partilha da Palma de Ouro de Cannes com Kechiche.
Annie Hall
Annie Hall é o corolário do desafio à sociedade levado a cabo pelo movimento hippie. O papel do homem e da mulher, a balança de poder numa relação, e a própria sexualidade, são explorados por Woody Allen numa comédia romântica invertida, que define o estilo do realizador. Alvy Singer (Woody Allen) – claramente um alter-ego, é um personagem idiossincrático e neurótico, pretensioso e depreciativo da inteligência de Annie (Dianne Keaton). O filme é em si a história da fantástica evolução da personagem de Annie, a única verdadeiramente dinâmica no filme, que se converte de rapariga inocente e influenciável quando conhece Alvy, na mulher que questiona as inconsistências e contradições do parceiro, tornando-se numa mulher independente e confiante, que em última análise não precisa de ninguém no papel de mentor ou de seu superior. O filme foi premiado com cinco Óscars (Filme, Realização, Argumento original, Atriz).
The Hours
As Horas transporta-nos para a vida de três extraordinárias mulheres cuja existência é separada pelo tempo, mas unida pela obra central de Virginia Woolf – Mrs. Dalloway. Como um novelo desenrolado pela cadência certeira e envolvente da banda sonora, o filme dá-nos uma janela para as realidades caleidoscópicas destas três mulheres cujas vidas não se tocam, mas cuja ligação se nos afigura íntima. Virginia Woolf (Nicole Kidman) escreve o seu mais conhecido romance nos anos 40, Laura Brown (Julianne Moore) lê-o 10 anos depois, e Clarissa Vaughan (Meryl Streep) usa o seu título como pseudónimo numa Nova-York contemporânea. As três enfrentam as decisões das suas vidas e a incapacidade de serem compreendidas. Num ambiente hostil em que as suas diferentes realidades lhes impõem expectativas a que elas não conseguem mais corresponder, lutam da forma que podem pela sua afirmação e aceitação. Nicole Kidman ganhou o Óscar de melhor atriz pelo seu papel como Virginia Woolf.
Million Dollar Baby
Hilary Swank não rima com guerreira, mas devia. Seja em Karate Kid, Boys Don’t Cry ou Million Dollar Baby, a atriz americana encaixa que nem uma luva no papel de amazona resiliente. No filme de Clint Eastwood, Swank interpreta o papel de Maggie Fitzgerald, uma pugilista decidida a chegar ao estrelato do mundo do boxe. Contudo, nem tudo foram prosas, foram cardos. O destino da boxeur acaba por revelar-se trágico e tocante pela maneira como tudo acontece. A força de vontade e resistência da mulher num universo tão masculino como o boxe não deixou ninguém indiferente e o filme acabou por ganhar o Oscar em 2004.
Artigo de: José Pereira e Pedro Bento