No mês em que se comemora o Dia Mundial do Teatro, o Teatro Rápido dedica a sua nova programação ao tema Pó de Palco.
As micro-peças Day By Days, com Abel Dias, Nú Palco, com Miguel Ponte, Faz Qualquer Coisa, com Sara Gonçalves e Sílvia Barbeiro, e Hotel São Carlos, com Paula Só e Diogo Tavares, revisitam os cheiros, as cores, as texturas, os cenários, as memórias e os ambientes do teatro português – e do Teatro como arte universal – em 15 minutos levando o público a um striptease emocional de qualidade.
“Na vida sofre-se muito, mas também se curte!”
Na sala um vais encontrar a peça Day By Days que é encenada pelo conhecido ator Miguel Dias e protagonizada pelo seu pai, Abel Dias. Assim que entras, és convidado a segurar num copo de champanhe enquanto esperas que a velha guarda do teatro retire-se do seu camarim e venha a palco. Literalmente.
Abel Dias, personificado na personagem Days Portugal da Esperança e Sonho, começa o seu monólogo cómico, que faz uma retrospetiva não pela carreira mas pelas situações caricatas que a fizeram, nos bastidores. O cenário é pormenorizado: uma velha cadeira de extrema importância – a cadeira vedeta, um camarim requintado, várias memórias espalhadas através de fotografias, e a presença de figuras como Laura Alves, Amália Rodrigues, Camões, Simone de Oliveira e até Charlie Chaplin.
A atualidade, tal como a interação com o público, são constantes. Com o espírito do teatro bem presente, Mr. Days torna-se num contador de estórias entusiasmado que se perde em peculiares pormenores, para agrado do público. Porém, esta ‘velha guarda’ tem uma mensagem por detrás de um espetáculo que podia muito bem não passar de enredos atrás de enredos: “na vida sofre-se muito, mas também se curte! Curtam a vida!”
“Ser ator é levar o espetador pelo colo a ver outras paragens”
Saímos do mundo de Days para entrar no mundo de um encenador. “Depois disto, nunca mais verá Teatro da mesma forma. É uma promessa.”, avisa a peça Nú Palco. E sou obrigado a concordar. Mas, antes disso, para entrares nesta sala dois tens de escrever uma preocupação tua. No fim perceberás porquê.
Em pleno bastidores, numa confusa sala que vive da entropia, está o ‘bicho‘ – o encenador de uma peça, interpretado por Miguel Ponte. O ator entra ele próprio por uma viagem onde faz a revisão do que é representar. Numa tocante prestação, Miguel Ponte vagueia por um cenário rico que é propício à divagação sobre o que é ser ator, e ser ator é… “porreiro“, responde a personagem, com uma dose de ironia.
Da paródia do, por vezes, irritante público à instrospeção sobre qual é verdadeiramente a função do teatro, Nú Palco fala da ligação essencial entre o palco, os atores e os espetadores. Em 15 minutos é possível ouvir frases como “ser ator é levar o espetador pelo colo a ver outras paragens”, ao mesmo que se reconhece que cantar Britney Spears no duche é catártico. Purificador, sim, é Nú Palco, a peça que começa a fazer o striptease emocional de que falo no título.
“É a minha profissão… procurar trabalho!”
De dois cenários compostos, vamos para o vazio, inóspito e assustador mundo dos castings. Com um belo jogo de luzes, a sala três apresenta-nos Faz Qualquer Coisa. E nós fazemos: sentados, entre a escuridão e as brechas de luz ao fundo do túnel, somos aterrorizados pelas frustrações de uma atriz a fazer castings. Aliás, tal como ela disse: “é a minha profissão… procurar trabalho!”
Ao lado da ansiosa e até esquizofrénica atriz está uma desinteressada assistente de realização, preocupada apenas com aspetos técnicos. Enquanto a atriz vai dissertando numa lamentação cíclica, a assistente de realização prepara a sessão ao ligar cabos (e não fios). Mas não são as palavras que nos incomodam. São mesmo os silêncios e no texto subjacente a esta peça: toda uma realidade preocupante bastante presente no mundo artístico.
Faz Qualquer Coisa parece uma autobiografia de uma atriz revoltada não só com os realizadores – que à pergunta “é para fazer o quê?” lhe respondem um seco “faz qualquer coisa” – mas também com o desprezo bem português pelas artes cénicas.
“Não sou um criminoso. Sou apenas o seu maior fã.”
A última paragem desta viagem pelo Teatro volta a compor-se de um cenário imponente. A sala quatro está mergulhada em penas e em sofás de requinte, espelho de quem lá passou os dias de glória: Leonora Ventura, interpretada por Paula Só. O foyer do Hotel São Carlos serve de lugar mágico para o encontro indesejado da ex-cantora de música ligeira com Maurício Barros, um fã, interpretado por Diogo Tavares.
Num diálogo certeiro e acutilante, Leonora defende-se constantemente das investidas deste fã obsessivo disfarçado de produtor de musicais. Após uma valsa que separa o momento de aceitação com o conflito, a lenda viva (ou cadáver ambulante, como ela ironiza) tenta livrar-se do fã demente. Mas o próprio defende-se: “Não sou um criminoso. Sou apenas o seu maior fã”. Dá vontade de rir, nem que seja pela volta que a peça dá a este cliché.
Perante a proposta de um musical sobre a sua vida, Leonora é intransigente: não quer proceder a um striptease emocional e resolve a questão com o seu belo humor e força. Mas este conceito, de striptease emocional, resume bem as quatro peças a que assistimos.
Afinal, o que se vai passar de quinta a segunda no Teatro Rápido, neste mês de março, nada mais é do que um delicioso striptease emocional pelo mundo do Teatro. E vale tão a pena que três euros parecem pouco.