A rubrica A Recordar, iniciada em 2012, está de volta ao Espalha-Factos. Vamos voltar a relembrar atores e atrizes que tenham marcado a sua época, mas que caíram em esquecimento ou não foram suficientemente reconhecidos. Percorreremos atores de diversas décadas, até à atualidade. Falaremos da sua vida, carreira, papéis mais icónicos e do legado que deixaram.
Uma atriz agraciada com grandes papéis e desempenhos notáveis que fazem dela uma artista ímpar da cultura americana (para além das várias relações amorosas que encheram muitas páginas da imprensa cor de rosa): Diane Keaton começou em grande uma carreira que já dura há mais de quarenta anos (se bem que, agora, há um menor fulgor do que no passado) e que marcou os espectadores dos anos 70, 80 e 90. De dramas a comédias, de Woody Allen a Francis Ford Coppola, Keaton trabalhou com a “nata da nata” da indústria, e soube aproveitar muito bem as raras oportunidades que teve de se destacar no meio de vulgaridade de Hollywood.
Foi até hoje nomeada para 4 Oscars e venceu uma vez por aquela que é, com certeza, a sua personagem mais amada pelo público, em Annie Hall, de 1977. Mas além de atriz, Keaton estabeleceu-se noutras posições, elaborando como realizadora dois filmes, um documentário e participações esporádicas em algumas séries televisivas (nomeadamente num episódio da segunda temporada de Twin Peaks). Também cantou algumas músicas (as mais célebres são mesmo as do tal filme de Woody Allen), mas é como intérprete (em mais de 60 títulos, entre Cinema e Televisão) que é mais celebrada e recordada. Vamos então partir à descoberta dos grandes feitos de Diane Keaton neste campo.
Diane Keaton nasceu a 5 de junho de 1946 em Los Angeles, Califórnia. Começou nos palcos, tal como muitos atores da sua geração, tendo entrado em 1968 na produção Hair, da Broadway, e depois em Play It Again, Sam, de Woody Allen (com a qual foi nomeada para um Tony). Com a notoriedade recebida pelo trabalho em Teatro, a atriz estreou-se no Cinema em 1970, no filme Lovers and Other Strangers. Não foi um início auspicioso, e Keaton acabaria também por aparecer em algumas séries de TV e anúncios publicitários, até que, em 1972, o realizador Francis Ford Coppola reparou nela e na potencialidade da atriz para uma das personagens de O Padrinho, a adaptação do best-seller de Mario Puzo.
E muitos atores ambicionam conseguir obter um reconhecimento como Diane Keaton e todos os seus colegas de elenco receberam pelo primeiro tomo da trilogia sobre a família Corleone. A história é conhecida de todos, daquela que é uma das maiores obras primas da História do Cinema. Apesar de não ter sido nomeada para Oscar, Keaton começou aqui a consolidar o sucesso no grande ecrã, que se manteria por muitos anos, com uma personagem que retomaria nos dois capítulos posteriores de O Padrinho: Kay Adams, a mulher de Michael Corleone (Al Pacino) que, ingenuamente, se deixa levar pelo lado criminoso da vida do marido sem perceber as consequências que escondem toda a organização mafiosa e corrupta que recheia os negócios de Michael. Foi um êxito de bilheteira e de crítica, tornando-se no maior sucesso cinematográfico do ano.
Ainda em 1972, Diane Keaton repetiu o papel desempenhado no palco, com a peça Play It Again, Sam na versão cinematográfica, protagonizada por Woody Allen (mas realizada por Herbert Ross). É uma história de amor, sobre um homem neurótico viciado em Cinema e apaixonado pela namorada do melhor amigo (Keaton), e uma homenagem a Humphrey Bogart (que vai dando conselhos amorosos à personagem de Allen) e a Casablanca, o seu filme mais icónico. Ela é uma mulher diferente que desperta a sua atenção, e que fascina o espectador pelo lado invulgar que a atriz atribui à personagem.
Esta nova participação levou Woody Allen a escolher a atriz para participar na sua nova criação, que protagonizou, escreveu e realizou em 1973: O Herói do Ano 2000. É uma comédia romântica, futurista e slapstick que presta tributo aos grandes génios desse tipo de humor mais físico e exagerado, onde vemos Diane Keaton numa das suas performances mais desconcertantes, nesta fita de amor e ficção científica que está repleta de situações surpreendentes, anárquicas e com muito non-sense à mistura.
1974 foi o ano de O Padrinho – Parte II. Considerada uma das melhores sequelas de sempre, é mais uma revelação na filmografia de Diane Keaton, que dá uma nova perspetiva à sua personagem: depois da Kay Adams inocente e ingénua que se deixa levar pelos segredos do marido, aqui vemos a mulher já desesperada a enfrentar o marido e o forte sistema criminoso e mafioso que o protege. Corajosamente, Kay opõe-se a Michael , chegando a tomar medidas extremas e irracionais que causam grandes problemas para o matrimónio que une os dois personagens, e as atribulações emocionais que ambos sentem nesta etapa das suas vidas. Ganhou o dobro de Oscars do primeiro filme. Infelizmente, Keaton não recebeu nenhuma das nomeações, porque com este filme seria algo muito merecido.
Nem Guerra, Nem Paz, de 1975, foi mais uma colaboração com Woody Allen. Sátira acutilante à conhecidíssima obra literária épica de Liev Tolstoi, é uma história neurótica de romances e conspirações na Rússia czarista invadida pelos franceses, em que Allen é Boris e Diane Keaton é Sonja. As duas personagens percorrem uma série de peripécias filosóficas, políticas e morais, onde no meio de toda a narrativa estará um plano meticuloso que tem como objetivo assassinar Napoleão Bonaparte.
Em 1977, sai Annie Hall, que dá a Diane Keaton a primeira de quatro nomeações ao Oscar, e a única estatueta que conquistou. Há quem diga que se trata de uma comédia dramática autobiográfica sobre a relação entre Keaton e Woody Allen, mas o que é certo, é que a personagem caricata e peculiar que a atriz desempenhou ficou-lhe tão associada e foi tão acarinhada pelos espectadores, que foi difícil conseguir livrar-se da “sombra” deste trabalho. Mas permanece como uma das interpretações mais recordadas e citadas da carreira de Keaton (à qual ela quis “fugir” por estar demasiado colada ao seu trabalho) e um dos filmes mais famosos e imitados de Woody Allen. Além de vencer esse prémio, foi ainda a única obra do cineasta a arrecadar o Oscar de Melhor Filme.
Nos dois anos seguintes, Diane Keaton volta a trabalhar com Woody Allen em duas fitas, Intimidade (78) e Manhattan (79), com as quais retomou a química e o talento que o humorista sempre soube aproveitar nestas obras. Contudo, o reconhecimento da Academia só voltaria em 1982, graças ao desempenho obtido em Reds, realizado e protagonizado por Warren Beatty no ano anterior. Um épico político e social sobre o desenvolvimento dos EUA e a influência da ideologia comunista em várias camadas da sociedade americana, em que Keaton brilha como Louie Bryant, a mulher que sempre acompanha o político controverso e revolucionário John Reed na sua luta partidária e política nesse país tão conservador e fechado a outras ideias.
E depois de alguns filmes cómicos menos inspirados (como Depois do Amor, de Alan Parker, A Rapariga do Tambor, de George Roy Hill e Crimes do Coração, de Bruce Beresford), mas mais lucrativos e populares, Keaton volta a aparecer num filme de Woody Allen: Os Dias da Rádio, de 1987, é uma ode e uma invocação à era dourada da Rádio e de todas as pessoas que seguiam atentamente as novidades trazidas pelo mundo do éter. Desde as camadas sociais mais ricas aos estratos mais pobres, a Rádio teve uma influência essencial na evolução dos EUA e das suas populações. Allen filma uma série de vinhetas ilustrativas desse tempo de nostalgia, em que seguimos as desventuras de uma família de classe média. A participação de Keaton nesta obra é pequena, mas irrepreensível, porque vemo-la a demonstrar os seus dotes musicais, cantando You’d Be So Nice to Come Home To.
E se a primeira sequela de O Padrinho foi aclamada, o desfecho da trilogia, que estreou em 1990, permanece como uma obra de qualidade discutível e que suscita muitos debates. Diane Keaton regressa como Kay, passados vários anos desde o final do segundo filme. Está divorciada de Michael, mas voltam a encontrar-se devido a uma condecoração que o chefe da Máfia recebe do Vaticano, e que irá desenrolar vários sarilhos (nomeadamente uma paixão incestuosa entre a geração mais nova) que preenchem uma fita desequilibrada. Mas a atriz não desilude e sobressai mais uma vez neste papel, em que a sua personagem está já longe dos tempos de desespero e de medo do filme anterior, apesar de continuarem por esclarecer várias dúvidas do passado.
1991 é o ano de uma das comédias mais rentáveis da filmografia de Diane Keaton, cujo sucesso justificou uma sequela feita quatro anos depois: O Pai da Noiva, remake do clássico homónimo protagonizado por Spencer Tracy, conta com Steve Martin a desempenhar o papel do dito pai, e é uma história ligeira e muito convencional sobre a relação entre pais e filhos e como os progenitores têm de deixar os seus rebentos voar sozinhos quando chega a altura certa. Keaton é a mãe da noiva, um papel atípico mas com algum interesse humorístico, que a atriz representou de forma maravilhosa em ambos os filmes. Dois anos depois, chegou a última colaboração com Woody Allen, na comédia policial O Misterioso Assassínio em Manhattan, que apesar de não ser um dos melhores filmes do realizadores, destaca-se pela qualidade das interpretações no geral, e pela presença de Keaton em particular.
Nos tempos mais recentes, Diane Keaton tem-se destacado menos, devido aos projetos com menor projeção e menor qualidade em que participa, mas entre as obras menos interessantes, destacam-se algumas boas interpretações, nomeadamente as que lhe deram as duas últimas nomeações ao Oscar até hoje: Duas Irmãs (1997), uma história familiar e muito sentimental assinada por Jerry Zaks, e Alguém tem que Ceder (2003), uma comédia de Nancy Meyers em que Keaton contracena com Jack Nicholson. É nestas fitas com um teor cómico mais light em que Keaton tem apostado mais nos últimos anos, sendo disso exemplo também as últimas fitas em que trabalhou, como Manhãs Gloriosas e O Grande Dia.
Apesar de, na atualidade, não conquistar tanto a crítica e o público cinéfilo, o legado de Diane Keaton é inegável e inesquecível. Os grandes filmes em que interpretou várias personagens famosas e inigualáveis constitui hoje um exemplo de uma mulher muito talentosa e invulgar no panorama americano, com uma grande versatilidade e um espírito artístico que inspirou muitas atrizes posteriores.