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Crítica: The Unnatural World, de Have a Nice Life

Foram seis longos e pesarosos anos à espera. Durante esse tempo, Deathconsciousness (2008), disco de estreia dos Have a Nice Life, projecto de Dan Barrett e Tim Macuga, foi-nos ensinando a lidar com a morte e mostrou-nos que era possível juntar shoegaze, black metal e tantas outras coisas num só caldeirão de sujidade e assombração sonora e, ainda assim, extrair de lá a beleza que os ensinamentos de vida mais verdadeiros contêm na sua essência. E, por isso mesmo, Deathconsciouness adquiriu, ao longo desses seis anos, um estatuto de culto tal que, para a maioria, parecia impossível suceder a tal obra de uma forma digna e honrada.

Pois bem, seis anos passaram e aqui estamos nós perante The Unnatural World, segundo longa-duração dos Have a Nice Life, lançado no início do mês de Fevereiro. E bem vistas as coisas, parece que foi bom termos esperado tanto tempo por ele; afinal de contas, as melhores coisas da vida são aquelas que se fazem esperar, e The Unnatural World encaixa-se perfeitamente nesse pedaço de sabedoria popular. As expectativas dos fãs estavam erradas: era impossível Deathconsciousness ter um sucessor melhor que este.

São oito as faixas que compõem este LP e quase todas elas nos asseguram que fizemos bem em não largar a mão dos Have a Nice Life. Ao nível sonoro, a ementa é a mesma do antecessor: um conglomerado de shoegaze, post-punk, black metal, drone e música industrial, potenciado pela produção lo-fi, reverberada, digna de algo feito nas cavernas do inferno. A estética é suja, negra, assombrosa, feita para afastar os incautos e manter de perto apenas quem está pronto para aceitar este tipo de música, difícil, sinuosa e cheia de confronto.

A violência, ora contida ora explícita, é omnipresente em The Unnatural World, e sente-se na bateria possante, nos vocais fantasmagóricos, nos sintetizadores gélidos, nas guitarras cortantes e nos baixos virulentos. A distorção afoga todas as réstias de beleza “convencional” do álbum, impedindo que estas canções, muitas delas construídas com melodias pop bem apuradas, transformem os Have a Nice Life nuns novos Joy Division, levando-os para o caminho do “obscurantismo” que os My Bloody Valentine sempre preconizaram.

the unnatural world

Liricamente, os textos reflectem como um espelho o que se passa no som, pintando eles também uma imagem de sombra e negrume. O sample que abre Cropsey, que nos fala da história de um paciente de um hospital psiquiátrico onde os maus-tratos são uma constante, é bem representativo do tom de The Unnatural World, que nos traz Barrett a libertar os seus demónios interiores, dando-nos poemas fatalistas, onde o sofrimento e a morte nunca deixam de estar à espreita.

Em relação aos defeitos do disco, o único digno de nota é mesmo o facto de ficar, tanto em qualidade como em duração, aquém de Deathconsciousness. Porém, ambos são perfeitamente justificáveis aos olhos de um fã compreensivo; a verdade é que seria muito difícil conseguir superar a perfeição da estreia e, quanto à duração, o facto de ser muito mais conciso e directo que Deathconsciousness faz com que este The Unnatural World tenha uma solidez admirável.

Quanto a destaques individuais, é quase impossível apontar alguma porta de entrada “fácil” para um álbum de tão difícil digestão. Ainda assim, as faixas que mais sobressaem do conjunto são, sem dúvida, a destrutiva Defenestration Song, a desconcertante Cropsey e a avassaladora Unholy Life. Já pela negativa destacam-se Music Will Untune the Sky e Dan and Tim, Reunited by Fate, canções menos inspiradas que falham em manter o nível das restantes.

Em suma, The Unnatural World acaba por ser um triunfo para os Have a Nice Life, que conseguiram fazer o impossível e suceder, e bem, ao monólito que é Deathconsciouness. Feito da mesma matéria que o seu antecessor, este é um disco de tensões, dores, arrependimentos e culpas. Ouvi-lo pode tornar-se assustador, pois confronta-nos com o pior que há em nós, ou libertador, pois expia tudo o que temos de negro no nosso interior. Para alguns, será uma obra reconfortante. Para outros, tenebrosa. Cada um tira o que quer das trevas deste The Unnatural World.

Nota final: 9.0/10

*Este artigo foi escrito, por opção do autor, segundo as normas do Acordo Ortográfico de 1945.