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Temples

Sun Structures, de Temples – uma crítica inútil

Esta crítica é irrelevante. Não digo que não o sejam todas, mas esta é especialmente irrelevante. Completamente inútil. Deste álbum bastava dizer que “epá, fantástico, sim senhor, está muito bom, deviam todos ouvir este disco”, porque ele faz o obséquio de falar por ele próprio. Podia escrever-lhe uma carta de amor, uma colectânea de sonetos, sei lá, um poema épico, mas escrever-lhe uma crítica é das coisas mais inconsequentes que já fiz na vida e tenho a perfeita noção disso. Contudo, para além de ter quotas a cumprir, sinto-me no dever de espalhar a boa nova que é este disco de estreia dos Temples.

Ora, os Temples são uma quadrilha de miúdos cabeludos de Northamptonshire, na Inglaterra, que há pouco mais de ano e meio se lembrou de se juntar em casa de um deles a fazer rock psicadélico com um travo a pop barroco cheio de “britanidade”. Vêm lançando alguns singles desde 2012 e, depois de terem visto a sua música ser elogiada por Johnny Marr e Noel Gallagher, lançam agora Sun Structures, uma pérola de um disco que parece tudo menos um álbum de estreia.

Trazendo melodias mais sonhadoras, à Youth Lagoon, tiram espessura ao som dos Tame Impala (exceptuando-se aquele final da Question Isn’t Answered) e brutidão ao som dos Pond, parece que colam partes do Strange Days e do Revolver e fazem brotar da sua bolha de som uma cadência sensual e caleidoscópica muito própria, cativante e confortável. Emanam uma energia ondulante paradoxalmente dançável e envolvente, tipo Jagwar Ma ou Vampire Weekend. Não os pudemos acusar de anacrónicos se o público continua a dizer que os psicadélicos dos anos 60 estavam à frente do seu tempo. Actualizam a frente neo-psicadélica com os já referidos Tame Impala e os brasileiros Boogarins, mergulhando em verdadeiros hinos aos efeitos marados do Windows Media Player.

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Liricamente, o álbum emparelha-se em antítese: Keep In The Dark Colours To Life; A Question Isn’t Answered The Guesser; Move With The Season Test Of Time. E se, em Shelter Song, James Bagshaw diz “now I know the lonely days are gone”, em Test of Time (a melhor do álbum) confessa que anda a aguentar “the test of time / wondering why”. São versos que procuram a verdade na cor, na luz e no amor, mas que reconhecem o mérito à escuridão, ao vazio e à solidão – “a lonely man becomes a king”. O próprio nome da banda e o símbolo que adoptaram, o ankh, que no Antigo Egipto representava a vida e as forças vitais, traduzem um pulsar espiritual, transcendente, etéreo quase celeste, que transparece na sua sonoridade – pequenos toques de harpa, voltas limpas de uma guitarra tímida a ecoar, o som saltitante do teclado, a cítara em Sand Dance e toda aquela melancolia nostálgica dos instrumentos de cordas que Moves With The Season mimetiza tão bem.

Keep In The Dark e Fragment’s Light são as únicas que assumem uma dimensão mais virada para o folk, sendo a segunda a faixa que termina o álbum, com uma introspecção moribunda de dramaturgia pastoril inglesa. A percussão assume uma importância volumosa, ajudando à ênfase de faixas como Mesmerise (aquela que fica mais no ouvido) e The Golden Throne (aquela cujo riff me lembrará sempre o genérico inicial do Inspector Gadget), num jogo fantástico de desafio entre a linha de guitarra e a métrica que a bateria impõe à voz.

Sun Structures é uma viagem e os Temples são um lugar. Um lugar estranho e desfocado e lisérgico no qual nos sentimos realmente bem, sabendo porquê, mas sem o conseguir explicar. Sun Structures é uma leveza de alma num corpo que ao mesmo tempo quer fazer-se de forte, um barco num rio, com tangerineiras e céus de marmelada, um cânone antes de o ser. Deve ser fixe ouvir isto em ácidos.

Nota final: 9.0/10

 *Este artigo foi escrito, por opção do autor, segundo as normas do Acordo Ortográfico de 1945