O Espalha Factos esteve à conversa com o ator Pedro Giestas, protagonista d’A Visita, a peça que deu vida à Sala Estúdio do Teatro Nacional Dona Maria II até o dia 15 deste mês. Depois de assistirmos ao ensaio em vésperas da estreia, Pedro falou-nos sobre a solidão, a tradição, as paisagens naturais, o teatro e muito mais.
EF: Como sabemos, esta peça passa-se num registo muito rural e bucólico e aborda temas como a solidão e a desertificação das nossas aldeias no interior e norte do país. Não acha que este fenómeno triste contribui para uma perda das tradições e de aquilo que é um pouco o espírito rural e tradicional de Portugal?
Pedro: Sim, de facto é uma situação triste e cada vez mais real. Alias, o meu projeto que é o Teatro Invisível (ativo já há 8 anos) muitas vezes trata de abordar precisamente essa temática, a do campo, das tradições, das vivências do antigamente. Este espetáculo é um dos trabalhos direcionados neste tema e já o fomos apresentar a escolas. O objetivo principal passa por querer resgatar a memória das tradições e a nossa identidade cultural.
Temos também em mente outra iniciativa em que vamos às aldeias e residimos lá para captarmos as vivências e sentirmos o espírito e ambiente daquilo que é um meio rural para depois o transmitirmos através do teatro. A verdade é que hoje em dia as pessoas não dão nada às aldeias e às terras, apenas tiram.
EF: É a questão do êxodo rural, em que as pessoas acabam por abandonar estas localidades mais isoladas em busca de emprego e levam consigo a sua força e energia, e muitas das vezes nunca mais lá voltam?
Pedro: Sim, é algo como isso. As tradições acabam por se perder. Nós vemos os ranchos, os cantares e os folclores… Muitas pessoas consideram isso a tradição, mas isso não é a verdadeira tradição. Tem valor claro, mas é como uma “montra”. As verdadeiras tradições são as vivências, a interação com a terra, com os costumes, o quotidiano dos meios rurais.
EF: Sentir a terra, trabalhá-la, colher o que ela dá?
Pedro: Exactamente!
EF: Este trabalho é uma peça bastante didáctica…
Pedro: Aborda assuntos como a solidão, esta personagem, o António, está sozinho na sua aldeia, mas está no seu mundo. O texto pode parecer pessimista, mas na verdade não é. Ele não quer sair da aldeia, não quer abandonar o seu meio, pois tem a sua liberdade. Até diz: “Eu tenho a idade que me apraz!”. E é importante comunicar esta ideia. Quando apresentámos este trabalho em escolas perguntei a alguns miúdos se conheciam um António. Quase nenhum disse que sim, mas a verdade é que há muitos Antónios por aí.
EF: Continuando na senda do meio rural e do contacto com o campo, queria-lhe perguntar se na sua vida guarda memórias num ambiente campestre e mais tradicional.
Pedro: Felizmente sim, e são muito boas recordações. Eu sou de Vouzela (em Viseu) e sempre tive contacto com experiências desse tipo: beber leite de cabra, brincar no meio dos campos de milho, andar nos carros das vacas, entre outras… Estas experiências também me proporcionaram uma visão real daquilo que é a vida nesses sítios e essa visão foi utilizada na construção da personagem e do espetáculo.
EF: Sendo o Pedro o único elemento humano presente no espetáculo, é natural que todas as atenções caiam sobre si. Considera isto um registo de teatro mais desafiante? Considera estimulante?
Pedro: Sim, o António é de facto o único elemento palpável na peça, apesar de dialogar com outras “pessoas”. Penso que depende do texto. Eu já tinha feito um monólogo anteriormente. Mas no fundo acho que depende mesmo do texto e da abordagem. Quero ter uma personagem onde se possa viver. Convidei o Moncho [Rodriguez] para a encenação e para criamos um trabalho que pudesse fazer durante toda a vida. O António tem quê? 25, 30 anos? Eu imagino-me a fazer de António com 150 anos se for preciso!
EF: Não acha que o desenvolvimento da vida urbana, toda esta azáfama e também o advento da era digital e das novas tecnologias contribuiu para fazer com que nos esquecêssemos do que é relaxar e divagar no nosso pensamento?
Pedro: Realmente tem existido uma certa vertigem e isso não é muito bom porque esgota as pessoas. Hoje em dia até ouvimos casos de pessoas a voltar para os campos! Apesar de obviamente saírem mais pessoas do que as que voltam, logo o saldo continua a ser negativo.
Eu acho que há ciclos e isto algum dia vai ter que rebentar. Somos constantemente bombardeados com novos lançamentos, quer sejam computadores ou telemóveis. É bastante vertiginoso nesse aspecto e estas “inovações” por vezes chegam ao ponto de ser uma ilusão, pois acabam por ser mais do mesmo.
No entanto, não tenho nada contra as novas tecnologias. Acho algo fantástico. Genial até! O facto de podermos estar ligados com uma qualquer pessoa em qualquer situação é muito bom. Não digo estarmos constantemente a interromper um diálogo ou repetidamente a mandar mensagens durante um jantar, mas é bom podermos estar ligados com tanta facilidade.
EF: Abordando agora outro tema: Não considera que tem que existir um êxodo de audiência maior para o teatro?
Pedro: Sim, isso é uma questão já há muito discutida. O teatro em Portugal tem andado em crise.
EF: Há aquela sensação que quase não se faz teatro, mas a verdade é que existe uma oferta muito variada…
Pedro: É verdade. Podemos dizer que há demasiado teatro para o tão pouco público que existe em Portugal. Mas isso também sempre foi um bocado assim. É um pouco como a ópera: dizem que o teatro sempre andou em crise, no entanto continua a ser feito. E mesmo assim há coisas que se têm vindo a perder: o teatro de intervenção, aquelas comédias, aquelas galhofas, o teatro amador…
EF: Acha que esta pouca adesão é uma questão cultural?
Pedro: Sim, penso que sim. Na Inglaterra por exemplo, há espetáculos que esgotam constantemente! Basta ver os Monty Python que recentemente esgotaram o seu espetáculo em 40 e tal segundos e ainda tiveram de anunciar mais!
EF: Vê alguma razão especial para situações dessas não acontecerem aqui?
Pedro: Precisamos de teatro mais perceptível. Nestas últimas décadas houve uma aposta num conteúdo mais pseudo-intelectual e isto matou o público do teatro. Passámos do oito para o oitenta. Começaram-se a importar trabalhos do estrangeiro, a fazerem-se coisas menos acessíveis e isso desviou um pouco o público.
A arte não pode ser só estética sem emoção. O público tem que entender para se identificar e se emocionar com o que está a ver e para isso é necessário conservar o que é nosso. Temos de ter uma conexão emocional e reconhecer elementos da nossa identidade cultural. Não nada de mal em fazer Shakespeare ou adaptar peças russas, mas é necessário conservar também o que é nosso. As nossas comédias, as nossas revistas… Lembro-me até dos anos em que dava teatro nacional transmitido na televisão.
Hoje em dia o teatro já está a conquistar de novo alguma audiência. Os trabalhos de Fernando Mendes e da UAU têm introduzido uma nova dinâmica e as pessoas têm ido ver. Alias, alguns bons espetáculos esgotam sempre. São coisas acessíveis e familiares, em que até os mais novos apreendem tudo o que acontece.
EF: Atualmente poderemos vê-lo em que outros projetos?
Pedro: Vou continuar a levar este espetáculo [A Visita] em digressão. Também estou a construir um grupo em Vouzela e a fazer alguma televisão no Bem-Vindos a Beirais e ando a gravar uma personagem no Sol de Inverno.
EF: Pedro, muito obrigado pela conversa e tudo lhe corra bem!
Pedro: Obrigado!