Poucos dias depois da morte de uma das maiores personalidades do século XX, estreia em Portugal Mandela: Longo Caminho para a Liberdade, o biopic que conta a história da sua extraordinária vida que cativou e emocionou o planeta.
Realizado por Justin Chadwick (que fez em 2008 o popular filme Duas Irmãs, Um Rei), a fita percorre vários momentos significativos da vida de Nelson Mandela, desde a sua infância até às eleições de 1994, com as quais se tornou no primeiro Presidente negro da África do Sul. Mandela: Longo Caminho para a Liberdade não esquece ainda os dolorosos 27 anos que Mandela sofreu na prisão e todas as pessoas que o conheceram e que o influenciaram política e socialmente, traçando todo o percurso feito pela figura mais carismática do seu país de origem, e que é uma das pessoas mais inspiradoras do último século.
Em jeito de docudrama movimentado e “moderno”, e com algumas particularidade televisivas no seu conteúdo, a fita, sobre o homem que mudou a África do Sul (e, por consequência, o resto do mundo), recria com muito realismo e perspicácia os momentos-chave da tão preenchida experiência de Nelson Mandela, antes e depois do mediatismo que a sua figura criou à escala global (veja-se com atenção o cuidado que se dá no registo de costumes e práticas dos personagens, tão próprias do país e que fazem a complexidade tão grande da cultura da África do Sul).
É um retrato social apurado dos tempos conturbados e chocantes do Apartheid, que não recorre a caricaturas políticas nem a exageros cinematográficos (que cabem apenas à emotividade da trama), e que pretende, sem heroicismos ou acusações sem coerência, criar uma linha da vida de Mandela o mais fidedigna possível dos factos que o próprio conta na sua autobiografia de 1994, com o mesmo nome, e que foi a base para esta película.
O emblemático líder dos sul-africanos é aqui interpretado por Idris Elba, ator que deu nas vistas ao ser o protagonista da conceituada série policial Luther, da BBC, que terminou este ano. Já está nomeado para o Globo de Ouro de Melhor Ator em Filme Dramático, e mesmo que esta honra possa ter sido um pouco imposta pelo tão recente desaparecimento de Madiba, Elba é notável ao preencher o filme com uma impressionante e inesquecível performance. O ator não é o mais parecido com o homem que está a ser recriado, mas conseguiu captar bem para o ecrã a força de vontade e a luta constante de Nelson Mandela em defesa dos direitos dos negros na África do Sul, controlados por uma minoria branca que impôs a descriminação que lá perdurou por várias décadas que, com o impacto de Mandela, teve o seu desfecho.
Se bem que a realização se perde graças a uma certa falta de originalidade do realizador face às convenções do Cinema moderno (já se torna repetitiva e cansativa a câmara que não sabe estar estável, ou os planos demasiado curtos, repentinos e, por vezes, desnecessários), Justin Chadwick consegue elevar o seu filme a novos focos de interesse não só ao explorar com detalhe a tão grande riqueza da África do Sul e do seu povo, como também porque está auxiliado por um argumento bem estruturado e completo (com alguns formalismos narrativos, que felizmente são bem utilizados) de William Nicholson e pela belíssima fotografia de Lol Crawley, bem como o incrível elenco que compõem as personagens que, ao lado de Mandela, acabaram também por fazer História (ainda que a outros níveis não tão significativos).
Nelson Mandela é tão conhecido e acarinhado que seria arriscado elaborar uma obra que não soubesse homenageá-lo tal como merece. E Mandela: Longo Caminho para a Liberdade não é só uma grande homenagem à personalidade, como é também uma reflexão sobre o seu poder de liderança e do seu exemplo no povo sul-africano. Não fosse a coragem e a sensatez deste líder e das suas convicções, e o seu país teria tomado um rumo completamente diferente daquele que conhecemos hoje tão bem.
É um filme com uma grande intenção de querer continuar a preservar o legado inspirador de Mandela, que se vê com muito interesse e que enriquece o nosso conhecimento sobre o homem, as suas amizades e a sua perspetiva das coisas, que luta contra o ódio e entra na batalha pela liberdade e igualdade na África do Sul. Toda esta história da História é ainda polvilhada por grandes momentos de banda sonora (cujo maior destaque vai para a nova música dos U2, composta propositadamente para esta película) e pelo manifesto social que nos alerta para as desigualdades e para os múltiplos problemas que, na atualidade, a Humanidade tem de enfrentar.
Captando o mediatismo e reconhecimento do ícone, e a forma como este prestígio o ajudou, a pouco e pouco, a tornar-se um homem cujos valores e ensinamentos são seguidos e aplaudidos em todo o planeta, a obra não esconde nada desses pontos fulcrais da vida de Mandela, apelando a uma perspetiva mais humana e aprofundada do contexto e dos seus condicionalismos. É um hino a um país que terá de continuar a guiar-se pelos ensinamentos deixados pelo seu maior líder, e torna-se aos nossos olhos numa ótima e até provocadora experiência cinematográfica. Para contar a história de Mandela não se fez um filme inovador, mas um objeto revelador e uma biopic cativante e estimulante, que aborda temas não tão divulgados da sua vida e que nos faz acreditar que a passagem desta gigantesca figura não desaparecerá da memória da Humanidade.
7.5/10
Ficha Técnica:
Título Original: Mandela: Long Walk to Freedom
Realizador: Justin Chadwick
Argumento: William Nicholson a partir do livro homónimo de Nelson Mandela
Elenco: Idris Elba, Naomie Harris, Terry Pheto
Género: Biografia, Drama, Histórico
Duração: 139 minutos