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LEFFEST’ 13 – O início da competição

No dia 9 de Novembro procedeu-se ao visionamento do primeiro dos vários filmes que estarão em competição nesta edição do LEFFEST, Tip Top. O seu realizador, Serge Bozon, compareceu à sessão para responder às perguntas do público. Porém, grande parte não participou na pequena discussão que procedeu o filme.

Tip Top : 5/10

Tip Top é uma adaptação de um romance do escritor britânico Bill James, que coloca duas detectives excêntricas dos Assuntos Internos, Esther Lafarge (Isabelle Hupert) e Sally Marinelli (Sandrine Kimberlain), numa estranha demanda pelo assassino de um informador argelino, que se presume ser da própria Polícia. A premissa é, por si só curiosa, mas embora Tip Top tenha na sua base ideias interessante, não consegue concretizar a maior parte das suas finalidades.

A grande ambição deste trabalho de Bozon está na forma como pretende misturar géneros como o drama, o policial e a comédia. Na verdade, é um trabalho que parece não se levar muito a sério na maior parte do tempo, mas isso talvez se deva à sua dimensão essencialmente experimentalista. O objetivo parece ser o de desconstruir toda uma cena de crime, e mesmo o próprio thriller policial, introduzindo um elemento cómico surreal que pretende desordenar todo o universo desse género.

Tip Top

Outros filmes e outros autores já tinham considerado desempenhar esta tarefa, como por exemplo os Irmãos Cohen, com O Grande Lebowsky ou Destruir Depois de Ler. A grande diferença destes em relação a Tip Top reside num simples facto: num maior cuidado e polimento das obras tanto no argumento como na apresentação. Dizemos isto porque, na maior parte dos casos, o cómico, que aparentemente assume um papel central no filme, simplesmente não resulta. Isso deve-se a cenas demasiado exageradas, ou que simplesmente não se enquadram na narrativa por serem demasiado bizarras, mas também a uma dinâmica entre atores que não é suficientemente satisfatória, no que diz respeito à química e fluidez das suas relações.

O grande trunfo do realizador francês está em ter o privilégio de contar com Isabelle Hupert no seu elenco e ainda por cima como protagonista. A atriz é a responsável pelos poucos momentos em que o riso surge de forma natural. Neste caso, já podemos dizer que o exagero com que interpreta o papel funciona, até porque o espírito obsessivo e meio maníaco da sua personagem acabam por tornar Esther numa personagem fascinante. Alguns poderão ficar um quanto chocados com o carácter sadomasoquista da personagem, mas a verdade é que o filme gira em torno de uma sexualidade desmistificada e é nesses momentos que a atriz francesa brilha. Podemos ainda destacar o ator François Damiens, que também proporciona alguns momentos de riso ou sorriso, mas o trabalho de representação de Hupert é manifestamente superior ao dos outros atores, o que não confere um equilíbrio desejável à película.

O enredo pode ser algo confuso devido à forma febril como a narrativa se processa, mas, no geral acaba por satisfazer, embora o final seja dotado de uma abertura que é tão fora do vulgar como todo o filme. Durante todo esse processo, sobressaem noções como a obsessão, a paixão e a corrupção de forma bastante irónica e mordaz, o que permite-nos uma aproximação com a nossa realidade, mas de forma mais caricata.

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Em suma, Tip Top é um filme feito especialmente de alguns bons momentos. Talvez o seu grande problema seja esse, o facto de não funcionar como um todo, provavelmente por querer ser muita coisa ao mesmo tempo. Por vezes o filme e a sequência das acções tornam-se demasiado bizarros para que possamos estabelecer uma articulação coerente entre todos os fios que constituem a intriga e, muito particularmente, o caso policial que acaba por ser secundarizado. Ainda assim o esforço e a ambição de Bozon devem ser aplaudidos especialmente porque o realizador pode vir a ser surpreendente nos próximos anos.

No final do filme, o realizador esteve disponível para responder a algumas questões, embora a maior parte do seu público o tenha ignorado. No entanto, um dos organizadores do festival procurou ainda dinamizar uma discussão do filme na qual Bozon falou dos seus atores e de todo o clima obsessivo que parece dar conta da narrativa. De uma forma sucinta, o realizador referiu como viu imediatamente os atores que estavam destinados a acolher os principais papéis e que, por essa razão, pensou nesses papéis especialmente para eles. Outro tema interessante que abordou foi a da questão franco-árabe, constituinte de um dos grandes temas do filme. Nela existe uma riqueza tal que permitiu dotar os personagens da obsessão que imediatamente lhes reconhecemos. Bozon afirma, de facto, que há uma certa ligação e fascínio entre os personagens franceses com os argelinos, e dos argelinos com os próprios franceses, o que vai servir como motor da narrativa e do próprio crime.